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Recordar é viver: vamos lembrar alguns pontos do discurso da “gripezinha”

O presidente esforçou-se para receber o coronavírus em seu organismo. Participou de inúmeras manifestações e circulou várias vezes sem máscara

Jair Bolsonaro: presidente deu inúmeras declarações nos últimos meses minimizando o coronavírus (Adriano Machado/Reuters)
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felipegiacomelli

Publicado em 8 de julho de 2020 às 09h07.

Última atualização em 8 de julho de 2020 às 14h02.

A contaminação do presidente Jair Bolsonaro pelo coronavírus , confirmada ontem, veio para acabar com uma lenda urbana e, ao mesmo tempo, criar um perrengue para sua claque de apoiadores. Os teóricos da conspiração sempre foram reticentes em relação aos resultados negativos do presidente apontados pelos exames do passado. Esses conspiracionistas tinham teses extremamente elaboradas para provar – diante de uma lógica totalmente tortuosa, é verdade – que Bolsonaro havia contraído o vírus, mas que os testes tinham sido adulterados. Depois de sintomas compatíveis com os gerados pela covid-19 e uma febre persistente, o mandatário colheu o material e descobriu que se juntara ao 1,6 milhão de brasileiros que foram infectados. Ou seja, se ele foi contaminado agora é porque não havia sido infeccionado antes.

O presidente esforçou-se para receber o coronavírus em seu organismo. Participou de inúmeras manifestações e circulou várias vezes sem máscara de proteção. Tirou fotos, distribuiu abraços e apertos de mão. Foi contaminado por alguém durante esse processo e, no período de incubação, também deve ter espalhado a covid por aí.

A notícia da contaminação, se surpreende alguns oposicionistas, traz um certo perrengue para os seguidores do presidente, que menosprezaram o alastramento da pandemia e provocaram aglutinações de pessoas nas grandes cidades do Brasil. Agora, com Bolsonaro doente, resta a saber se os efeitos serão semelhantes aos de um “resfriadinho” ou “gripezinha” – ou se o passado de atleta irá ajudá-lo a superar o coronavírus.

Falando em “resfriadinho”, o discurso no qual o termo foi preferido, há exatos cento e sete dias atrás, contém algumas pérolas que precisam ser revisitadas. São elas:

“O doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas” – Mandetta não é mais ministro da Saúde, teve sua atuação criticada pelo presidente e foi substituído por outro médico, Nelson teich, que não durou um mês no cargo. O posto de titular, é bom ressaltar, está vago até hoje.

“[Os veículos de comunicação] espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio de um grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso. Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalha-se pelo nosso país” – O Brasil, com um taxa menor de idosos e clima quente, ultrapassou a marca de 65 000 mortes nesta semana. Na Itália, são quase 35 000 (mas quando se observa o índice de mortos por milhão de habitantes, os italianos estão em quarto lugar no ranking e o Brasil em décimo-terceiro).

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará” – Apesar de termos algumas metrópoles com números em declínio, o Brasil ainda apresenta índices absolutos crescentes e se teme uma segunda onda de contágio com a flexibilização do comércio, bares e restaurantes.

“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão” – O presidente enfrentou febre e desconforto, sinal de que os sintomas não foram tão leves como ele esperava.

“O FDA americano e o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil e largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite” – O governo americano descartou o uso da droga em seu protocolo padrão e sua aplicação é questionada por autoridades sanitárias de todo o mundo. Mesmo assim, ontem, o presidente afirmou que sua eficácia (não se sabe baseado em que estatística científica) chegaria a 100% dos casos.

No mundo de hoje, tudo fica gravado nos servidores. Por mais que a memória nos traia, ferramentas como o Google e o YouTube estão à mão para manter vivas no cérebro cenas boas e ruins de nossa vida. Por esta razão – a de um registro praticamente eterno – os discursos de políticos, especialmente durante a pandemia, têm sido redigidos com cuidado e parcimônia.

O texto da “gripezinha”, no entanto, foi escrito por alguém que desejava endereçar opiniões e não fatos ao público que acompanhou o discurso. O tom da redação final, dado pelo próprio Bolsonaro e seus filhos, seria mais uma forma de solapar imprensa e os críticos (há duas semanas, porém, o Planalto decretou trégua e tem evitado ataques aos alvos de outrora) do que tratar de forma equilibrada a pandemia.

Se a devastação causada pelo coronavírus tivesse começado no Brasil em julho e não em março, o discurso do presidente seria diferente? Provavelmente sim. O momento “paz e amor” vivido pelo governo teria influenciado a redação do pronunciamento, talvez tornando-o mais equilibrado e limado de bravatas.

Se o presidente tivesse adotado essa mesma abordagem controlada desde sua posse, aliás, a economia teria florescido mais em 2019 e teríamos mais fôlego para enfrentar os efeitos nefastos da pandemia. Mas isso é água debaixo da ponte. Melhor olhar para o futuro do que imaginar uma realidade alternativa, na base do “what if?” (“e se?”), aproveitando os acertos e consertando os enganos e exageros do passado. Só assim transformaremos o meio copo de água em uma taça completamente cheia.

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O presidente esforçou-se para receber o coronavírus em seu organismo. Participou de inúmeras manifestações e circulou várias vezes sem máscara de proteção. Tirou fotos, distribuiu abraços e apertos de mão. Foi contaminado por alguém durante esse processo e, no período de incubação, também deve ter espalhado a covid por aí.

A notícia da contaminação, se surpreende alguns oposicionistas, traz um certo perrengue para os seguidores do presidente, que menosprezaram o alastramento da pandemia e provocaram aglutinações de pessoas nas grandes cidades do Brasil. Agora, com Bolsonaro doente, resta a saber se os efeitos serão semelhantes aos de um “resfriadinho” ou “gripezinha” – ou se o passado de atleta irá ajudá-lo a superar o coronavírus.

Falando em “resfriadinho”, o discurso no qual o termo foi preferido, há exatos cento e sete dias atrás, contém algumas pérolas que precisam ser revisitadas. São elas:

“O doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas” – Mandetta não é mais ministro da Saúde, teve sua atuação criticada pelo presidente e foi substituído por outro médico, Nelson teich, que não durou um mês no cargo. O posto de titular, é bom ressaltar, está vago até hoje.

“[Os veículos de comunicação] espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro chefe o anúncio de um grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso. Um cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalha-se pelo nosso país” – O Brasil, com um taxa menor de idosos e clima quente, ultrapassou a marca de 65 000 mortes nesta semana. Na Itália, são quase 35 000 (mas quando se observa o índice de mortos por milhão de habitantes, os italianos estão em quarto lugar no ranking e o Brasil em décimo-terceiro).

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará” – Apesar de termos algumas metrópoles com números em declínio, o Brasil ainda apresenta índices absolutos crescentes e se teme uma segunda onda de contágio com a flexibilização do comércio, bares e restaurantes.

“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão” – O presidente enfrentou febre e desconforto, sinal de que os sintomas não foram tão leves como ele esperava.

“O FDA americano e o Hospital Albert Einsten, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil e largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite” – O governo americano descartou o uso da droga em seu protocolo padrão e sua aplicação é questionada por autoridades sanitárias de todo o mundo. Mesmo assim, ontem, o presidente afirmou que sua eficácia (não se sabe baseado em que estatística científica) chegaria a 100% dos casos.

No mundo de hoje, tudo fica gravado nos servidores. Por mais que a memória nos traia, ferramentas como o Google e o YouTube estão à mão para manter vivas no cérebro cenas boas e ruins de nossa vida. Por esta razão – a de um registro praticamente eterno – os discursos de políticos, especialmente durante a pandemia, têm sido redigidos com cuidado e parcimônia.

O texto da “gripezinha”, no entanto, foi escrito por alguém que desejava endereçar opiniões e não fatos ao público que acompanhou o discurso. O tom da redação final, dado pelo próprio Bolsonaro e seus filhos, seria mais uma forma de solapar imprensa e os críticos (há duas semanas, porém, o Planalto decretou trégua e tem evitado ataques aos alvos de outrora) do que tratar de forma equilibrada a pandemia.

Se a devastação causada pelo coronavírus tivesse começado no Brasil em julho e não em março, o discurso do presidente seria diferente? Provavelmente sim. O momento “paz e amor” vivido pelo governo teria influenciado a redação do pronunciamento, talvez tornando-o mais equilibrado e limado de bravatas.

Se o presidente tivesse adotado essa mesma abordagem controlada desde sua posse, aliás, a economia teria florescido mais em 2019 e teríamos mais fôlego para enfrentar os efeitos nefastos da pandemia. Mas isso é água debaixo da ponte. Melhor olhar para o futuro do que imaginar uma realidade alternativa, na base do “what if?” (“e se?”), aproveitando os acertos e consertando os enganos e exageros do passado. Só assim transformaremos o meio copo de água em uma taça completamente cheia.

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