O que revela a constante queda de braço entre o governo e a Câmara
"O governo terá duas alternativas: ou suaviza sua pauta ou terá de negociar melhor com os deputados"
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Publicado em 1 de junho de 2023 às 18h38.
Nesta semana, o governo federal sofreu uma derrota significativa na Câmara. Por 283 votos a 155, os deputados aprovaram o projeto de lei que determina o chamado marco temporal para as terras indígenas. Segundo o texto, os povos originários só podem ocupar as terras habitadas ou reclamadas até a promulgação da Constituição – ou seja, o ano de 1988. O Planalto, no entanto, apostava na rejeição ao projeto, defendendo a tese de que os indígenas têm direito aos territórios das aldeias estabelecidas no período pré-colonial (um princípio considerado importantíssimo para a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente). Foi mais um embate entre governo e representantes do agronegócio, que se mobilizaram em massa para aprovar a nova legislação, que agora será apreciada pelo Senado. E um de vários insucessos dos governistas no Congresso.
Vamos deixar de lado, por um instante, a discussão sobre se os povos originários têm ou não direito a terras que estão há muito tempo na mão de outros. E aproveitar este exemplo para debater o verdadeiro apoio que o governo tem na Câmara. O placar final desta votação mostra que os governistas fiéis representam menos de um terço do plenário – é muito pouco para quem precisa aprovar textos importantes para a administração federal nos próximos meses.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, deixou bem claro logo no início desta legislatura: haveria boa vontade por parte dos deputados em relação ao governo, mas a nova administração não deveria tentar impor uma agenda de esquerda ao Congresso, sob pena de sofrer derrotas fragorosas. Foi o que aconteceu na terça-feira.
Embora muitos analistas atribuam os fracassos governistas à articulação de Lira, o fato é que a tese dos indígenas dificilmente passaria na Câmara. Temos um Congresso mais alinhado ao Centro, com tendências conservadoras. Se o governo acreditou que ganharia essa parada, foi otimista demais. Para piorar, Lira botou ontem o dedo na ferida e disse que o governo está desarticulado politicamente. Colocou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a parede e, na prática, pediu a cabeça dos ministros Rui Costa e Alexandre Padilha, responsáveis pela interlocução entre Planalto e parlamentares.
Na noite de ontem, ufa!, finalmente uma boa notícia para o PT. A MP que estabelecia os 37 ministérios foi finalmente votada e aprovada, depois de uma tremenda confusão (ainda precisará ser submetida ao Senado hoje). Mas, apesar disso, até os office-boys do Planalto sabem que a equipe de articulação política terá de ser mexida.
Voltando ao marco temporal: esse episódio também mostra que os articuladores políticos do Planalto não podem ganhar todas as disputas mesmo acenando com a liberação de um número cada vez maior de verbas. Há políticos venais, evidentemente. Mas nem todos estão dispostos a se queimar com os eleitores moderados em troca de cargos ou verbas.
Dessa forma, o governo terá duas alternativas: ou suaviza sua pauta ou terá de negociar melhor com os deputados. E, por negociação, não se deve entender apenas o toma-lá-dá-cá típico. Vários deputados podem ser convencidos sem o uso de fisiologismo. Mas, para isso, é preciso muita conversa e disposição para ouvir. Neste jogo, a participação do presidente Lula é importantíssima. Mas Lula parece estar, neste mandato, pouco envolvido nessas articulações, especialmente se compararmos sua atuação em 2023 com a performance dos dois primeiros mandatos.
O discurso do presidente, no entanto, mostra que a agenda não será diluída. Os projetos governistas com tintas esquerdistas devem ser mantidos, mesmo a contragosto dos parlamentares. Diante disso, o governo tem apenas uma alternativa: aumentar o cacife das verbas. Mas, dependendo do tema que estiver na mesa de negociações, não haverá condições para sensibilizar o Parlamento.
Lula precisa entender que foi eleito por margem estreita de votos – e que deve esses sufrágios à rejeição de Jair Bolsonaro. Isso não significa, contudo, que tenha recebido uma carta branca para imprimir uma agenda de esquerda ao país. A rejeição da Câmara à posição do Planalto no projeto do marco temporal mostra claramente que os representantes legislativos compreendem melhor que o Executivo o que deseja o eleitorado – e que qualquer iniciativa que desafie a moderação da maioria dos eleitores será rechaçada.
Nesta semana, o governo federal sofreu uma derrota significativa na Câmara. Por 283 votos a 155, os deputados aprovaram o projeto de lei que determina o chamado marco temporal para as terras indígenas. Segundo o texto, os povos originários só podem ocupar as terras habitadas ou reclamadas até a promulgação da Constituição – ou seja, o ano de 1988. O Planalto, no entanto, apostava na rejeição ao projeto, defendendo a tese de que os indígenas têm direito aos territórios das aldeias estabelecidas no período pré-colonial (um princípio considerado importantíssimo para a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente). Foi mais um embate entre governo e representantes do agronegócio, que se mobilizaram em massa para aprovar a nova legislação, que agora será apreciada pelo Senado. E um de vários insucessos dos governistas no Congresso.
Vamos deixar de lado, por um instante, a discussão sobre se os povos originários têm ou não direito a terras que estão há muito tempo na mão de outros. E aproveitar este exemplo para debater o verdadeiro apoio que o governo tem na Câmara. O placar final desta votação mostra que os governistas fiéis representam menos de um terço do plenário – é muito pouco para quem precisa aprovar textos importantes para a administração federal nos próximos meses.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, deixou bem claro logo no início desta legislatura: haveria boa vontade por parte dos deputados em relação ao governo, mas a nova administração não deveria tentar impor uma agenda de esquerda ao Congresso, sob pena de sofrer derrotas fragorosas. Foi o que aconteceu na terça-feira.
Embora muitos analistas atribuam os fracassos governistas à articulação de Lira, o fato é que a tese dos indígenas dificilmente passaria na Câmara. Temos um Congresso mais alinhado ao Centro, com tendências conservadoras. Se o governo acreditou que ganharia essa parada, foi otimista demais. Para piorar, Lira botou ontem o dedo na ferida e disse que o governo está desarticulado politicamente. Colocou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a parede e, na prática, pediu a cabeça dos ministros Rui Costa e Alexandre Padilha, responsáveis pela interlocução entre Planalto e parlamentares.
Na noite de ontem, ufa!, finalmente uma boa notícia para o PT. A MP que estabelecia os 37 ministérios foi finalmente votada e aprovada, depois de uma tremenda confusão (ainda precisará ser submetida ao Senado hoje). Mas, apesar disso, até os office-boys do Planalto sabem que a equipe de articulação política terá de ser mexida.
Voltando ao marco temporal: esse episódio também mostra que os articuladores políticos do Planalto não podem ganhar todas as disputas mesmo acenando com a liberação de um número cada vez maior de verbas. Há políticos venais, evidentemente. Mas nem todos estão dispostos a se queimar com os eleitores moderados em troca de cargos ou verbas.
Dessa forma, o governo terá duas alternativas: ou suaviza sua pauta ou terá de negociar melhor com os deputados. E, por negociação, não se deve entender apenas o toma-lá-dá-cá típico. Vários deputados podem ser convencidos sem o uso de fisiologismo. Mas, para isso, é preciso muita conversa e disposição para ouvir. Neste jogo, a participação do presidente Lula é importantíssima. Mas Lula parece estar, neste mandato, pouco envolvido nessas articulações, especialmente se compararmos sua atuação em 2023 com a performance dos dois primeiros mandatos.
O discurso do presidente, no entanto, mostra que a agenda não será diluída. Os projetos governistas com tintas esquerdistas devem ser mantidos, mesmo a contragosto dos parlamentares. Diante disso, o governo tem apenas uma alternativa: aumentar o cacife das verbas. Mas, dependendo do tema que estiver na mesa de negociações, não haverá condições para sensibilizar o Parlamento.
Lula precisa entender que foi eleito por margem estreita de votos – e que deve esses sufrágios à rejeição de Jair Bolsonaro. Isso não significa, contudo, que tenha recebido uma carta branca para imprimir uma agenda de esquerda ao país. A rejeição da Câmara à posição do Planalto no projeto do marco temporal mostra claramente que os representantes legislativos compreendem melhor que o Executivo o que deseja o eleitorado – e que qualquer iniciativa que desafie a moderação da maioria dos eleitores será rechaçada.