'O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos'
Alguns se incomodam com a decadência de valores morais. Outros se revoltam com a intransigência de quem não enxerga os novos tempos
Da Redação
Publicado em 10 de fevereiro de 2022 às 10h52.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2022 às 10h59.
Aluízio Falcão
A vida atual nos coloca diante de situações que vão endurecendo nossas almas
“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”. Esta frase, escrita pelo filósofo existencialista Jean-Paul Sartre (imagem, com Simone de Beauvoir no Rio de Janeiro em 1960) no livro “O Ser e o Nada”, poderia ter sido cunhada nestes primeiros dias de 2022 (o texto é de 1943). Esta obra, que versa sobre a existência, a angústia e a liberdade, foi produzida em tempos turbulentos. Embora não estejamos em meio a uma guerra, como em 1943, convivemos com grandes doses de turbulência nos dias de hoje – e, além do mais, estamos ficando emocional e racionalmente calejados diante de um mundo que produz situações vexatórias diariamente.
Há uma insatisfação perene nas pessoas. Alguns se incomodam com a decadência de certos valores morais. Outros se revoltam com a intransigência de quem não consegue enxergar os novos tempos e suas mudanças. Uns protestam contra a injustiça social do capitalismo. Do outro lado, com igual força, há quem brade contra a falta de liberdade do comunismo.
A vida em constante conflito
Dos costumes à política, passando pela economia e pelas questões sanitárias, vivemos em constante conflito. E, como estamos vivendo um momento de transição, a impressão que se tem é que a humanidade está dividida em dois grandes grupos, que se desentendem bastante (mesmo assim, temos pessoas que pensam diferente: haveria uma minoria contra uma maioria – só que a minoria seria bastante barulhenta, ao contrário da maioria. Entretanto, dependendo do interlocutor, a minoria de um é a maioria de outro).
Nesta sociedade dividida, estamos acostumados a partir para o confronto. Discordar e lacrar virou o grande esporte nacional. Mas ficamos na maioria das vezes na superfície das discussões, sem mergulhar fundo dos temas que podem mudar nossa sociedade. E talvez fiquemos na superficialidade porque não acreditamos mais que seja possível conversar de forma civilizada com aqueles com os quais discordamos.
Para piorar, a alma calejada vai retirando a indignação de nossos corações. Faz com que nos acostumemos com a escrotidão alheia – e, novamente, o conceito de “escrotidão” varia muito de pessoa para pessoa. Estamos vivendo uma época que provavelmente foi prevista pelo compositor Renato Russo na música “Há Tempos”, de 1989: “E há tempos o encanto está ausente/ E há ferrugem nos sorrisos/ E só o acaso estende os braços/A quem procura abrigo e proteção”.
Há solução?
Há solução para esse endurecimento? Talvez o tempo. Mas há o risco de permanecermos anestesiados para sempre.
Uma boa parte de nossa sociedade não se espanta mais com acontecimentos que seriam duramente criticados 60 anos atrás – especialmente no que diz respeito na seara dos costumes. Mas, se isso vale para um lado, pode valer para o outro também, o de situações que deveriam provocar indignação.
Esse fenômeno se une a outro – o orgulho da própria ignorância.
A soma desses dois fatores pode provocar uma sociedade insensível e sem cultura, um verdadeiro celeiro para a intolerância e a agressividade. Ainda há tempo de reverter essa equação deplorável. Não podemos deixar um mundo desumano e colérico para nossos filhos e netos. E, parafraseando um amigo, o publicitário Ricardo Lordes, não podemos deixar filhos e netos indiferentes e ofensivos para o mundo.
Aluízio Falcão
A vida atual nos coloca diante de situações que vão endurecendo nossas almas
“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”. Esta frase, escrita pelo filósofo existencialista Jean-Paul Sartre (imagem, com Simone de Beauvoir no Rio de Janeiro em 1960) no livro “O Ser e o Nada”, poderia ter sido cunhada nestes primeiros dias de 2022 (o texto é de 1943). Esta obra, que versa sobre a existência, a angústia e a liberdade, foi produzida em tempos turbulentos. Embora não estejamos em meio a uma guerra, como em 1943, convivemos com grandes doses de turbulência nos dias de hoje – e, além do mais, estamos ficando emocional e racionalmente calejados diante de um mundo que produz situações vexatórias diariamente.
Há uma insatisfação perene nas pessoas. Alguns se incomodam com a decadência de certos valores morais. Outros se revoltam com a intransigência de quem não consegue enxergar os novos tempos e suas mudanças. Uns protestam contra a injustiça social do capitalismo. Do outro lado, com igual força, há quem brade contra a falta de liberdade do comunismo.
A vida em constante conflito
Dos costumes à política, passando pela economia e pelas questões sanitárias, vivemos em constante conflito. E, como estamos vivendo um momento de transição, a impressão que se tem é que a humanidade está dividida em dois grandes grupos, que se desentendem bastante (mesmo assim, temos pessoas que pensam diferente: haveria uma minoria contra uma maioria – só que a minoria seria bastante barulhenta, ao contrário da maioria. Entretanto, dependendo do interlocutor, a minoria de um é a maioria de outro).
Nesta sociedade dividida, estamos acostumados a partir para o confronto. Discordar e lacrar virou o grande esporte nacional. Mas ficamos na maioria das vezes na superfície das discussões, sem mergulhar fundo dos temas que podem mudar nossa sociedade. E talvez fiquemos na superficialidade porque não acreditamos mais que seja possível conversar de forma civilizada com aqueles com os quais discordamos.
Para piorar, a alma calejada vai retirando a indignação de nossos corações. Faz com que nos acostumemos com a escrotidão alheia – e, novamente, o conceito de “escrotidão” varia muito de pessoa para pessoa. Estamos vivendo uma época que provavelmente foi prevista pelo compositor Renato Russo na música “Há Tempos”, de 1989: “E há tempos o encanto está ausente/ E há ferrugem nos sorrisos/ E só o acaso estende os braços/A quem procura abrigo e proteção”.
Há solução?
Há solução para esse endurecimento? Talvez o tempo. Mas há o risco de permanecermos anestesiados para sempre.
Uma boa parte de nossa sociedade não se espanta mais com acontecimentos que seriam duramente criticados 60 anos atrás – especialmente no que diz respeito na seara dos costumes. Mas, se isso vale para um lado, pode valer para o outro também, o de situações que deveriam provocar indignação.
Esse fenômeno se une a outro – o orgulho da própria ignorância.
A soma desses dois fatores pode provocar uma sociedade insensível e sem cultura, um verdadeiro celeiro para a intolerância e a agressividade. Ainda há tempo de reverter essa equação deplorável. Não podemos deixar um mundo desumano e colérico para nossos filhos e netos. E, parafraseando um amigo, o publicitário Ricardo Lordes, não podemos deixar filhos e netos indiferentes e ofensivos para o mundo.