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O imposto que ajuda a sustentar a família de Dom Pedro II

A taxa foi inventada em 1843, quando Dom Pedro II resolveu lotear os terrenos que iriam formar a cidade de Petrópolis

A taxa foi inventada em 1843, quando Dom Pedro II resolveu lotear os terrenos que iriam formar a cidade de Petrópolis (Mathew Brady e Levin Corbin Handy/ Wikimedia Commons)

Publicado em 18 de outubro de 2023 às 12h58.

Laudêmio. A não ser que seja natural de Petrópolis ou more nesta cidade, você dificilmente ouviu essa palavra antes. Segundo o dicionário Aurélio, trata-se de “pagamento devido ao senhorio direto, quando da alienação de propriedade imobiliária usufruída em regime de enfiteuse”. E o que vem a ser “enfiteuse”? É o direito que um proprietário tem de atribuir o uso de uma propriedade mediante o pagamento de uma taxa.

Além da definição do Aurélio, que mais confunde do que esclarece, “laudêmio” também é o nome de um imposto que existe nas cercanias de Petrópolis, equivalente a 2,5 % do valor de todas as transações imobiliárias feitas na região. Mais conhecida como a “taxa do príncipe”, esse tributo foi lembrado com propriedade pelo jornal O Globo em editorial publicado ontem.

Os editorialistas do rotativo carioca tiraram esse imposto do baú por conta do casamento de uma herdeira da família real, Maria Francisca Pio de Bragança, cujo casamento foi realizado na semana passada no Palácio Nacional de Mafra, localizado a quarenta minutos de Lisboa. A festa do casório, oferecida a 1.200 convidados, foi, em parte, paga pelo tal laudêmio.

Vejamos: essa taxa foi inventada em 1843, quando Dom Pedro II resolveu lotear os terrenos que iriam formar a cidade de Petrópolis e instituiu o tributo (algo que já existia em Portugal, por sinal). Hoje, o imposto é recolhido pela Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), que tem Duarte Pio de Bragança no quadro acionário. Duarte Pio é pai de Maria Francisca. Portanto, parte do dinheiro que foi utilizado para pagar o rega-bofes da nobreza brasileira veio do contribuinte petropolitano.

Do outro lado do Atlântico, a enfiteuse e o laudêmio deixaram de existir em 1976, um pouco após a Revolução dos Cravos. Curiosamente, uma decisão tomada por socialistas portugueses. No entanto, no Brasil capitalista, esse imposto ainda segue firme e forte e também é cobrado pela Marinha brasileira em todo o litoral do país e em alguns estuários.

Por que um tributo que foi inventado pela nobreza no Século 1 pelo imperador Justiniano ainda vigora 2.000 anos depois? A manutenção de um imposto tão anacrônico pode ser fruto de lobby, burocracia, leniência, incompetência – ou de todos esses fatores combinados.

O fato é que não podemos sobrecarregar os brasileiros para pagar as contas da família real – ou complementar o orçamento da Marinha. Muitos destes tributos folclóricos estão vivos apenas nos livros de história. Outros não foram cancelados do ponto de vista legal, mas não são cobrados, como a taxa sobre os solteiros, criada no estado americano do Missouri em 1821. Os agentes fiscais desta região, até a primeira metade do Século 20, estavam autorizados a cobrar um dólar anual dos indivíduos com idade entre 21 e 50 anos e que nunca tivessem contraído matrimônio.

O que seria suficiente para acabar com uma excrescência como o laudêmio? Um simples projeto de lei já serviria para resolver a questão de Petrópolis e uma emenda constitucional colocaria um final à cobrança efetuada pela Marinha. Mas, em vez de se dedicar a isso, há deputados que gastam tempo com projetos inacreditáveis, como a proibição do uso de nomes próprios em animais ou a instituição do Dia do Saci na mesma data em que se comemora o Halloween.  Não seria mais lógico acabar com as maluquices que já existem no país em vez de inventar estultices novas?

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Laudêmio. A não ser que seja natural de Petrópolis ou more nesta cidade, você dificilmente ouviu essa palavra antes. Segundo o dicionário Aurélio, trata-se de “pagamento devido ao senhorio direto, quando da alienação de propriedade imobiliária usufruída em regime de enfiteuse”. E o que vem a ser “enfiteuse”? É o direito que um proprietário tem de atribuir o uso de uma propriedade mediante o pagamento de uma taxa.

Além da definição do Aurélio, que mais confunde do que esclarece, “laudêmio” também é o nome de um imposto que existe nas cercanias de Petrópolis, equivalente a 2,5 % do valor de todas as transações imobiliárias feitas na região. Mais conhecida como a “taxa do príncipe”, esse tributo foi lembrado com propriedade pelo jornal O Globo em editorial publicado ontem.

Os editorialistas do rotativo carioca tiraram esse imposto do baú por conta do casamento de uma herdeira da família real, Maria Francisca Pio de Bragança, cujo casamento foi realizado na semana passada no Palácio Nacional de Mafra, localizado a quarenta minutos de Lisboa. A festa do casório, oferecida a 1.200 convidados, foi, em parte, paga pelo tal laudêmio.

Vejamos: essa taxa foi inventada em 1843, quando Dom Pedro II resolveu lotear os terrenos que iriam formar a cidade de Petrópolis e instituiu o tributo (algo que já existia em Portugal, por sinal). Hoje, o imposto é recolhido pela Companhia Imobiliária de Petrópolis (CIP), que tem Duarte Pio de Bragança no quadro acionário. Duarte Pio é pai de Maria Francisca. Portanto, parte do dinheiro que foi utilizado para pagar o rega-bofes da nobreza brasileira veio do contribuinte petropolitano.

Do outro lado do Atlântico, a enfiteuse e o laudêmio deixaram de existir em 1976, um pouco após a Revolução dos Cravos. Curiosamente, uma decisão tomada por socialistas portugueses. No entanto, no Brasil capitalista, esse imposto ainda segue firme e forte e também é cobrado pela Marinha brasileira em todo o litoral do país e em alguns estuários.

Por que um tributo que foi inventado pela nobreza no Século 1 pelo imperador Justiniano ainda vigora 2.000 anos depois? A manutenção de um imposto tão anacrônico pode ser fruto de lobby, burocracia, leniência, incompetência – ou de todos esses fatores combinados.

O fato é que não podemos sobrecarregar os brasileiros para pagar as contas da família real – ou complementar o orçamento da Marinha. Muitos destes tributos folclóricos estão vivos apenas nos livros de história. Outros não foram cancelados do ponto de vista legal, mas não são cobrados, como a taxa sobre os solteiros, criada no estado americano do Missouri em 1821. Os agentes fiscais desta região, até a primeira metade do Século 20, estavam autorizados a cobrar um dólar anual dos indivíduos com idade entre 21 e 50 anos e que nunca tivessem contraído matrimônio.

O que seria suficiente para acabar com uma excrescência como o laudêmio? Um simples projeto de lei já serviria para resolver a questão de Petrópolis e uma emenda constitucional colocaria um final à cobrança efetuada pela Marinha. Mas, em vez de se dedicar a isso, há deputados que gastam tempo com projetos inacreditáveis, como a proibição do uso de nomes próprios em animais ou a instituição do Dia do Saci na mesma data em que se comemora o Halloween.  Não seria mais lógico acabar com as maluquices que já existem no país em vez de inventar estultices novas?

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