O Fundo Eleitoral virou instrumento de chantagem política
Ultimamente, percebeu-se mais uma mudança no cenário político que pode ser creditada ao Fundão
Da Redação
Publicado em 5 de agosto de 2022 às 13h17.
Aluizio Falcão Filho
O surgimento do Fundo Eleitoral criou algumas anomalias na política brasileira. Uma delas é o desinteresse por determinados partidos em lançar candidatos competitivos à presidência da República. Como um dos critérios principais de distribuição da verba eleitoral é o número de deputados federais, o foco dos partidos passou a ser eleger representantes para o Congresso Nacional – essa seria uma forma para aumentar o naco de um bolo generoso, composto por R$ 5 bilhões.
Outro efeito colateral deste instrumento de verbas de campanha é o crescimento avassalador do poder conferido aos presidentes de partido e à Executiva das agremiações. Como não há exatamente uma regra clara de distribuição dos recursos do Fundo, quem decide os beneficiários do repasse (e sua quantia) são os caciques da sigla.
Ultimamente, percebeu-se mais uma mudança no cenário político que pode ser creditada ao Fundão. Os partidos usam seu poder discricionário de distribuição de recursos para fazer chantagem política.
A primeira vítima dessa prática foi o ex-governador João Doria. Ele venceu a convenção do PSDB que decidiu sobre quem seria o candidato à presidência pelos tucanos. Mas não levou. Doria havia sido candidato à revelia da diretoria do partido, que preferiam outro nome – ou apoiar outra agremiação. Diante da resistência do ex-governador em deixar a disputa, os tucanos de alta plumagem deram o tiro de misericórdia: avisaram Doria que, se ele continuasse com sua candidatura, não receberia um tostão do Fundo Eleitoral. A ameaça surtiu efeito e Doria se retirou da corrida eleitoral.
Nesta semana, o mesmo artifício foi utilizado, só que no PSB. O candidato ao Senado pelo partido no Rio de Janeiro, o deputado federal Alessandro Molon (imagem), insiste em disputar a Câmara Alta. Ocorre que o PT, aliado do PSB na disputa nacional, quer que o deputado estadual André Ceciliano seja o único candidato dos partidos no Rio. Esse acordo havia sido costurado por Luiz Inácio Lula da Silva para que os petistas apoiassem o candidato pessebista ao governo de Pernambuco, Danilo Cabral, que vai mal nas pesquisas. Em troca, o PT apoiaria a candidatura ao governo carioca de Marcelo Freixo, do PSB, mas teria direito de lançar o postulante ao Senado na chapa.
Como o deputado Molon já tinha sido escolhido por uma convenção, os socialistas não poderiam destituí-lo de sua candidatura. A saída foi pressioná-lo através da asfixia monetária. Corre por aí que a ideia de segurar o dinheiro do Fundo foi do ex-governador Marcio França, tesoureiro do partido.
Em bom português, isso se chama chantagem: ou desiste da candidatura ou não receberá nenhum tostão.
O Fundão, criado por Dilma Rousseff como resposta às doações empresariais milionárias expostas durante a Operação Lava-Jato, é um gasto inútil de dinheiro público – além de estar disponível apenas aos amigos do Rei.
O Brasil é um país interessante. Em determinadas situações, as reações aos problemas raramente buscam uma solução de fato e acabam gerando, de quebra, leis esdrúxulas.
Um exemplo? Tínhamos em São Paulo um problema com outdoors fora da lei. A saída do então prefeito Gilberto Kassab, em vez de eliminar os ilegais, foi proibir toda a propaganda através de cartazes (se Kassab fosse alcaide de Nova York, os luminosos do Times Square teriam de ser desmontados).
O chamado caso Waldomiro Diniz, no qual se apurou que o chefe de gabinete do Ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, era corrupto, provocou também uma legislação nova. Como o escândalo tinha base em uma demanda ligada ao jogo, o presidente Lula promulgou uma lei proibindo as casas de bingo no país.
O Fundão foi a resposta de Dilma às contribuições gigantescas de empresas, que davam dinheiro a candidatos de olho em contratos públicos futuros. Algo que poderia ser resolvido com a implementação de ferramentas mais agudas de governança na máquina pública.
Talvez esteja na hora de descartarmos esse mecanismo. E criar soluções que permitam o apoio empresarial aos partidos e aos candidatos – sem interesses escusos e com total transparência. Nos Estados Unidos, por exemplo, os anúncios eleitorais são assinados por grupos e comitês que registram cada doação. Tudo dentro da lei e com princípios republicanos. Está na hora de rediscutir o Fundão e tentar eliminar as distorções provocadas por este sistema.
Aluizio Falcão Filho
O surgimento do Fundo Eleitoral criou algumas anomalias na política brasileira. Uma delas é o desinteresse por determinados partidos em lançar candidatos competitivos à presidência da República. Como um dos critérios principais de distribuição da verba eleitoral é o número de deputados federais, o foco dos partidos passou a ser eleger representantes para o Congresso Nacional – essa seria uma forma para aumentar o naco de um bolo generoso, composto por R$ 5 bilhões.
Outro efeito colateral deste instrumento de verbas de campanha é o crescimento avassalador do poder conferido aos presidentes de partido e à Executiva das agremiações. Como não há exatamente uma regra clara de distribuição dos recursos do Fundo, quem decide os beneficiários do repasse (e sua quantia) são os caciques da sigla.
Ultimamente, percebeu-se mais uma mudança no cenário político que pode ser creditada ao Fundão. Os partidos usam seu poder discricionário de distribuição de recursos para fazer chantagem política.
A primeira vítima dessa prática foi o ex-governador João Doria. Ele venceu a convenção do PSDB que decidiu sobre quem seria o candidato à presidência pelos tucanos. Mas não levou. Doria havia sido candidato à revelia da diretoria do partido, que preferiam outro nome – ou apoiar outra agremiação. Diante da resistência do ex-governador em deixar a disputa, os tucanos de alta plumagem deram o tiro de misericórdia: avisaram Doria que, se ele continuasse com sua candidatura, não receberia um tostão do Fundo Eleitoral. A ameaça surtiu efeito e Doria se retirou da corrida eleitoral.
Nesta semana, o mesmo artifício foi utilizado, só que no PSB. O candidato ao Senado pelo partido no Rio de Janeiro, o deputado federal Alessandro Molon (imagem), insiste em disputar a Câmara Alta. Ocorre que o PT, aliado do PSB na disputa nacional, quer que o deputado estadual André Ceciliano seja o único candidato dos partidos no Rio. Esse acordo havia sido costurado por Luiz Inácio Lula da Silva para que os petistas apoiassem o candidato pessebista ao governo de Pernambuco, Danilo Cabral, que vai mal nas pesquisas. Em troca, o PT apoiaria a candidatura ao governo carioca de Marcelo Freixo, do PSB, mas teria direito de lançar o postulante ao Senado na chapa.
Como o deputado Molon já tinha sido escolhido por uma convenção, os socialistas não poderiam destituí-lo de sua candidatura. A saída foi pressioná-lo através da asfixia monetária. Corre por aí que a ideia de segurar o dinheiro do Fundo foi do ex-governador Marcio França, tesoureiro do partido.
Em bom português, isso se chama chantagem: ou desiste da candidatura ou não receberá nenhum tostão.
O Fundão, criado por Dilma Rousseff como resposta às doações empresariais milionárias expostas durante a Operação Lava-Jato, é um gasto inútil de dinheiro público – além de estar disponível apenas aos amigos do Rei.
O Brasil é um país interessante. Em determinadas situações, as reações aos problemas raramente buscam uma solução de fato e acabam gerando, de quebra, leis esdrúxulas.
Um exemplo? Tínhamos em São Paulo um problema com outdoors fora da lei. A saída do então prefeito Gilberto Kassab, em vez de eliminar os ilegais, foi proibir toda a propaganda através de cartazes (se Kassab fosse alcaide de Nova York, os luminosos do Times Square teriam de ser desmontados).
O chamado caso Waldomiro Diniz, no qual se apurou que o chefe de gabinete do Ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, era corrupto, provocou também uma legislação nova. Como o escândalo tinha base em uma demanda ligada ao jogo, o presidente Lula promulgou uma lei proibindo as casas de bingo no país.
O Fundão foi a resposta de Dilma às contribuições gigantescas de empresas, que davam dinheiro a candidatos de olho em contratos públicos futuros. Algo que poderia ser resolvido com a implementação de ferramentas mais agudas de governança na máquina pública.
Talvez esteja na hora de descartarmos esse mecanismo. E criar soluções que permitam o apoio empresarial aos partidos e aos candidatos – sem interesses escusos e com total transparência. Nos Estados Unidos, por exemplo, os anúncios eleitorais são assinados por grupos e comitês que registram cada doação. Tudo dentro da lei e com princípios republicanos. Está na hora de rediscutir o Fundão e tentar eliminar as distorções provocadas por este sistema.