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O ano que vivemos em perigo – versão 2020

No início do ano, estávamos indiferentes à pandemia. Mas rapidamente caímos na realidade. E percebemos o perigo deste inimigo invisível.

Ciclistas de máscaras no Rio de Janeiro: carga viral poderá ser medida nos locais por onde as pessoas transitam (Andre Coelho/Getty Images)
MD

Mariana Desidério

Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 11h58.

Há um filme de 1982, dirigido por Peter Weir (“Sociedade dos Poetas Mortos” e “O Show de Truman”, entre outros), sobre o massacre promovido pelo ditador Sukarno na Indonésia em 1965, que chama a atenção por duas características. Uma é bastante fútil. Trata-se da diferença de altura da atriz principal, Sigourney Weaver, para seu par romântico, o australiano Mel Gibson – ela deve ser um palmo mais alta que ele. Outra é a presença da americana Linda Hunt, que faz um papel masculino (o anão chinês Billy Kwan), que lhe rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante.

A pandemia está mexendo com a economia e os negócios em todo o mundo. Venha aprender o que realmente importa na EXAME Research

Esta película ficou um tanto perdida na memória de todos, mas tem um título que resume perfeitamente o que enfrentamos em 2020: “O ano que vivemos em perigo”. Trata-se de uma frase que resume tudo o que passamos entre janeiro e dezembro.

No início do ano, estávamos indiferentes à pandemia, talvez achando que houvesse um certo exagero em relação ao coronavírus e que ele teria um comportamento semelhante ao da contaminação pela H1N1, bem mais comedida.

Mas rapidamente caímos na realidade. E percebemos o perigo deste inimigo invisível. O choque surgiu mesmo com a decretação do primeiro lockdown, que nos deixou trancafiados em casa durante um bom tempo. Embora alguns governantes dissessem que estavam adotando medidas de restrição para salvar vidas, hoje está bem claro que o principal propósito sempre foi o de preservar o sistema de saúde, para que não vivêssemos uma situação similar à da Itália, que viu sua rede de hospitais entrar em colapso.

Neste momento, este perigo poderia se dividir em três vertentes: a primeira seria a sanitária. O vírus mata. E, apesar de dar preferência a um grupo de risco específico, também ataca jovens, atletas e pessoas saudáveis. Ainda não sabemos exatamente o que causa a fatalidade da Covid-19 e isso provoca um enorme medo entre todos.

A segunda manifestação do sentimento disseminado pela ameaça pandêmica se deu em relação à economia: qual seria o tamanho da recessão que iríamos enfrentar? E cada um, evidentemente, se preocupou com o próprio pescoço, fosse o dele o de um trabalhador ou de um empresário.

Por fim, outro perigo invisível pôde ser percebido – a possibilidade de se romper relações afetivas ou de amizade. De uma hora para outra, famílias inteiras tiveram de conviver em uma base de 24 horas durante 7 dias por semana. Isso pôs à prova inúmeros relacionamentos. Muitos naufragaram, mas outros tantos passaram por essa provação. Além disso, as pessoas, que já estavam intolerantes entre si, entraram em um processo de pura intransigência. Uns se recusaram a enxergar os verdadeiros riscos da pandemia e atacaram quem pensava de forma diferente; outro grupo viu nos estragos gerados à economia um problema superior ao sofrimento gerado pelas vítimas do coronavírus e partiu para discussões sem respeitar os sentimentos alheios; um último conjunto de indivíduos, ainda, se tornou defensor do distanciamento social e passou a atacar quem enxergava a situação de forma diferente.

Os índices de contaminação baixaram e pudemos voltar às ruas, mas muitos agiram como se a pandemia tivesse passado. Isso trouxe uma nova perspectiva de agrura: a segunda onda, repique, recrudescimento etc. Na verdade, pouco importa qual é o nome. O fato é que há um novo e significativo aumento de contaminados e de mortos. O suficiente para darmos um passo para trás e arrochar regras de convívio social, em um período marcado por festas de Natal e de Réveillon.

Esse retrocesso leva a outra sensação de perigo: isso não vai terminar nunca? Quando é que a vacinação começará para acabar com esse inferno?

E, justamente, neste pormenor, surge mais outro elemento para termos medo: será que essa vacina é boa mesmo? Não há razão científica para temermos a vacina e, no passado, ninguém ficou perguntando quem fabricava o imunizante contra a pólio, o sarampo e a meningite. Naquela época, que parece ser um passado distante, todos acataram a orientação do governo e tomaram sua dose. Mas, em 2020, tudo pode acontecer – ou ser questionado.

Por fim, ficamos sabendo, nos estertores finais do ano, que as mutações da Covid-19 já estão entre nós. Sinal de perigo aceso mais uma vez. Ninguém ainda sabe como faremos para combater essa nova cepa: é preciso tomar um reforço da vacina original? Precisaremos de um novo inoculante?

Ufa, que perrengue. Definitivamente, 2020 foi o ano que vivemos em perigo. Mas, do jeito que as coisas andam, 2021 pode ser uma sequência deste longa-metragem – especialmente se nossas autoridades continuarem a colocar interesses particulares acima das políticas públicas e da voz da ciência. Precisaremos ter não só imunidade para atravessar essa tormenta, mas principalmente possuir uma resiliência à toda prova. No fundo, estamos vivendo um enredo digno da escola surrealista, com pitadas de tragicomédia, estrelado por atores canastrões e mal-intencionados. Haverá um final feliz? Talvez. Mas, como estamos numa trama que beira o dadaísmo, precisamos estar preparados para enfrentar os arroubos criativos dos roteiristas deste filme, que ainda está longe de acabar.

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Há um filme de 1982, dirigido por Peter Weir (“Sociedade dos Poetas Mortos” e “O Show de Truman”, entre outros), sobre o massacre promovido pelo ditador Sukarno na Indonésia em 1965, que chama a atenção por duas características. Uma é bastante fútil. Trata-se da diferença de altura da atriz principal, Sigourney Weaver, para seu par romântico, o australiano Mel Gibson – ela deve ser um palmo mais alta que ele. Outra é a presença da americana Linda Hunt, que faz um papel masculino (o anão chinês Billy Kwan), que lhe rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante.

A pandemia está mexendo com a economia e os negócios em todo o mundo. Venha aprender o que realmente importa na EXAME Research

Esta película ficou um tanto perdida na memória de todos, mas tem um título que resume perfeitamente o que enfrentamos em 2020: “O ano que vivemos em perigo”. Trata-se de uma frase que resume tudo o que passamos entre janeiro e dezembro.

No início do ano, estávamos indiferentes à pandemia, talvez achando que houvesse um certo exagero em relação ao coronavírus e que ele teria um comportamento semelhante ao da contaminação pela H1N1, bem mais comedida.

Mas rapidamente caímos na realidade. E percebemos o perigo deste inimigo invisível. O choque surgiu mesmo com a decretação do primeiro lockdown, que nos deixou trancafiados em casa durante um bom tempo. Embora alguns governantes dissessem que estavam adotando medidas de restrição para salvar vidas, hoje está bem claro que o principal propósito sempre foi o de preservar o sistema de saúde, para que não vivêssemos uma situação similar à da Itália, que viu sua rede de hospitais entrar em colapso.

Neste momento, este perigo poderia se dividir em três vertentes: a primeira seria a sanitária. O vírus mata. E, apesar de dar preferência a um grupo de risco específico, também ataca jovens, atletas e pessoas saudáveis. Ainda não sabemos exatamente o que causa a fatalidade da Covid-19 e isso provoca um enorme medo entre todos.

A segunda manifestação do sentimento disseminado pela ameaça pandêmica se deu em relação à economia: qual seria o tamanho da recessão que iríamos enfrentar? E cada um, evidentemente, se preocupou com o próprio pescoço, fosse o dele o de um trabalhador ou de um empresário.

Por fim, outro perigo invisível pôde ser percebido – a possibilidade de se romper relações afetivas ou de amizade. De uma hora para outra, famílias inteiras tiveram de conviver em uma base de 24 horas durante 7 dias por semana. Isso pôs à prova inúmeros relacionamentos. Muitos naufragaram, mas outros tantos passaram por essa provação. Além disso, as pessoas, que já estavam intolerantes entre si, entraram em um processo de pura intransigência. Uns se recusaram a enxergar os verdadeiros riscos da pandemia e atacaram quem pensava de forma diferente; outro grupo viu nos estragos gerados à economia um problema superior ao sofrimento gerado pelas vítimas do coronavírus e partiu para discussões sem respeitar os sentimentos alheios; um último conjunto de indivíduos, ainda, se tornou defensor do distanciamento social e passou a atacar quem enxergava a situação de forma diferente.

Os índices de contaminação baixaram e pudemos voltar às ruas, mas muitos agiram como se a pandemia tivesse passado. Isso trouxe uma nova perspectiva de agrura: a segunda onda, repique, recrudescimento etc. Na verdade, pouco importa qual é o nome. O fato é que há um novo e significativo aumento de contaminados e de mortos. O suficiente para darmos um passo para trás e arrochar regras de convívio social, em um período marcado por festas de Natal e de Réveillon.

Esse retrocesso leva a outra sensação de perigo: isso não vai terminar nunca? Quando é que a vacinação começará para acabar com esse inferno?

E, justamente, neste pormenor, surge mais outro elemento para termos medo: será que essa vacina é boa mesmo? Não há razão científica para temermos a vacina e, no passado, ninguém ficou perguntando quem fabricava o imunizante contra a pólio, o sarampo e a meningite. Naquela época, que parece ser um passado distante, todos acataram a orientação do governo e tomaram sua dose. Mas, em 2020, tudo pode acontecer – ou ser questionado.

Por fim, ficamos sabendo, nos estertores finais do ano, que as mutações da Covid-19 já estão entre nós. Sinal de perigo aceso mais uma vez. Ninguém ainda sabe como faremos para combater essa nova cepa: é preciso tomar um reforço da vacina original? Precisaremos de um novo inoculante?

Ufa, que perrengue. Definitivamente, 2020 foi o ano que vivemos em perigo. Mas, do jeito que as coisas andam, 2021 pode ser uma sequência deste longa-metragem – especialmente se nossas autoridades continuarem a colocar interesses particulares acima das políticas públicas e da voz da ciência. Precisaremos ter não só imunidade para atravessar essa tormenta, mas principalmente possuir uma resiliência à toda prova. No fundo, estamos vivendo um enredo digno da escola surrealista, com pitadas de tragicomédia, estrelado por atores canastrões e mal-intencionados. Haverá um final feliz? Talvez. Mas, como estamos numa trama que beira o dadaísmo, precisamos estar preparados para enfrentar os arroubos criativos dos roteiristas deste filme, que ainda está longe de acabar.

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