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Inelegibilidade de Bolsonaro é justa?

A estratégia do ex-presidente, até agora, foi a de tentar reescrever o passado, dizendo que o teor de sua fala aos diplomatas estrangeiros era colaborativo

Bolsonaro: processo pode tornar o ex-presidente inelegível. (Joe Raedle/Getty Images)

Publicado em 28 de junho de 2023 às 20h39.

As civilizações antigas, ao observar a natureza, não compreendiam os fenômenos que ocorriam à sua volta. Para explicar, então, os eventos que os cercavam, nossos ancestrais criavam mitos que nada tinham a ver com a ciência. Esse parece ser o caso das urnas eletrônicas, que estão no epicentro do processo que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível.

Muitos eleitores – em boa parte, seguidores de Bolsonaro – não conseguem entender as razões pelas quais a esquerda vai bem nas urnas. Ou o funcionamento do sistema eleitoral. Ou porque o PT conseguiu eleger Luiz Inácio Lula da Silva pela terceira vez. Diante dessa incapacidade, começam a criar lendas urbanas ou teorias da conspiração em torno do pleito eletrônico.

A tese principal é a de que o sistema seria passível de manipulação e que a esquerda poderia escolher o vencedor de uma eleição presidencial sem muito esforço. No entanto, há dois problemas com essa teoria. O primeiro: Bolsonaro foi eleito em 2018. Onde estavam os hackers nessa hora? O segundo: se o processo é tão frágil, por que somente a esquerda teria condições de manipulá-lo? A direita não poderia fazer o mesmo e escolher um novo presidente, em uma guerra de hackeamento?

Foi esse blábláblá que Bolsonaro desfiou em 2022 diante de uma plateia de embaixadores estupefatos – e que fundamenta o processo de inelegibilidade do ex-presidente. Bolsonaro, na prática, é vítima da própria teimosia. Todos os seus assessores diretos insistiram para que ele não convocasse os embaixadores para fazer o discurso contra as urnas eletrônicas. Mas o ex-mandatário foi em frente mesmo assim. Com a campanha eleitoral ocorreu a mesma coisa: os marqueteiros mostraram ao núcleo duro do Planalto que a eleição poderia ser perdida por pouco, especialmente por conta do descontentamento de uma parcela do eleitorado feminino e dos moderados. Bolsonaro preferiu seguir uma linha semelhante à de 2018, quando ele era visto como um outsider. Deu no que deu.

A estratégia do ex-presidente, até agora, foi a de tentar reescrever o passado, dizendo que o teor de sua fala aos diplomatas estrangeiros era colaborativo: ele queria apenas sugerir mudanças para tornar o sistema mais confiável. O tom de voz, no entanto, era longe de ser o de quem estava colaborando com outros.

Mas precisamos refletir sobre uma coisa: propagandear teorias da conspiração é motivo justo para tornar alguém inelegível? Boa parte dos membros do Tribunal Superior Eleitoral pensa assim, a começar pelo relator do processo que pode banir o ex-presidente das eleições durante oito anos. A tese do ministro Benedito Gonçalves é a de que houve abuso de poder político no episódio, que serviu para que os meios de comunicação propagassem as ideias de Bolsonaro, que obteria assim maior exposição antes da campanha de 2022. Além disso, segundo o juiz, houve divulgação de notícias falsas, além de “conspiracionismo” para difundir dúvidas sobre o processo eleitoral.

Talvez essa seja uma discussão técnica. Mas, ao lado de tudo isso, há uma antiga rixa entre Bolsonaro e o Judiciário – em especial com o ministro Alexandre de Moraes. O ex-presidente e Moraes sempre elevaram o tom das desavenças e nunca recuaram. Mais uma vez, vários assessores insistiram com o então mandatário, ao longo de seus quatro anos de governo, que não esticasse tanto a corda em relação ao Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro, entretanto, continuou a acelerar na curva. Se tivesse tido um mínimo de cautela, talvez não estivesse passando por esse perrengue.

Caso se torne mesmo inelegível, Bolsonaro poderá disputar o pleito de 2030, quando estará com 75 anos. Lula, aos 77 anos, mostrou-se mais radical do que aos 58 – muito por conta da revolta provocada por sua prisão. Será que essa punição vai turbinar o rancor em Bolsonaro? Saberemos em breve, quando o ex-presidente for convocado pelos aliados para ser um importante cabo eleitoral já em 2024.

Mas a pergunta que não quer calar é: Lula torce para o banimento de Bolsonaro dos próximos pleitos? O atual presidente precisa de seu principal rival para fomentar a polarização que o levou de volta ao poder. Ele, assim, ganha com a inelegibilidade de seu antecessor? Talvez não.

O processo será retomado amanhã. Teremos pedidos de vista, que podem travar o julgamento? Aguardemos a próxima sessão do TSE.

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As civilizações antigas, ao observar a natureza, não compreendiam os fenômenos que ocorriam à sua volta. Para explicar, então, os eventos que os cercavam, nossos ancestrais criavam mitos que nada tinham a ver com a ciência. Esse parece ser o caso das urnas eletrônicas, que estão no epicentro do processo que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível.

Muitos eleitores – em boa parte, seguidores de Bolsonaro – não conseguem entender as razões pelas quais a esquerda vai bem nas urnas. Ou o funcionamento do sistema eleitoral. Ou porque o PT conseguiu eleger Luiz Inácio Lula da Silva pela terceira vez. Diante dessa incapacidade, começam a criar lendas urbanas ou teorias da conspiração em torno do pleito eletrônico.

A tese principal é a de que o sistema seria passível de manipulação e que a esquerda poderia escolher o vencedor de uma eleição presidencial sem muito esforço. No entanto, há dois problemas com essa teoria. O primeiro: Bolsonaro foi eleito em 2018. Onde estavam os hackers nessa hora? O segundo: se o processo é tão frágil, por que somente a esquerda teria condições de manipulá-lo? A direita não poderia fazer o mesmo e escolher um novo presidente, em uma guerra de hackeamento?

Foi esse blábláblá que Bolsonaro desfiou em 2022 diante de uma plateia de embaixadores estupefatos – e que fundamenta o processo de inelegibilidade do ex-presidente. Bolsonaro, na prática, é vítima da própria teimosia. Todos os seus assessores diretos insistiram para que ele não convocasse os embaixadores para fazer o discurso contra as urnas eletrônicas. Mas o ex-mandatário foi em frente mesmo assim. Com a campanha eleitoral ocorreu a mesma coisa: os marqueteiros mostraram ao núcleo duro do Planalto que a eleição poderia ser perdida por pouco, especialmente por conta do descontentamento de uma parcela do eleitorado feminino e dos moderados. Bolsonaro preferiu seguir uma linha semelhante à de 2018, quando ele era visto como um outsider. Deu no que deu.

A estratégia do ex-presidente, até agora, foi a de tentar reescrever o passado, dizendo que o teor de sua fala aos diplomatas estrangeiros era colaborativo: ele queria apenas sugerir mudanças para tornar o sistema mais confiável. O tom de voz, no entanto, era longe de ser o de quem estava colaborando com outros.

Mas precisamos refletir sobre uma coisa: propagandear teorias da conspiração é motivo justo para tornar alguém inelegível? Boa parte dos membros do Tribunal Superior Eleitoral pensa assim, a começar pelo relator do processo que pode banir o ex-presidente das eleições durante oito anos. A tese do ministro Benedito Gonçalves é a de que houve abuso de poder político no episódio, que serviu para que os meios de comunicação propagassem as ideias de Bolsonaro, que obteria assim maior exposição antes da campanha de 2022. Além disso, segundo o juiz, houve divulgação de notícias falsas, além de “conspiracionismo” para difundir dúvidas sobre o processo eleitoral.

Talvez essa seja uma discussão técnica. Mas, ao lado de tudo isso, há uma antiga rixa entre Bolsonaro e o Judiciário – em especial com o ministro Alexandre de Moraes. O ex-presidente e Moraes sempre elevaram o tom das desavenças e nunca recuaram. Mais uma vez, vários assessores insistiram com o então mandatário, ao longo de seus quatro anos de governo, que não esticasse tanto a corda em relação ao Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro, entretanto, continuou a acelerar na curva. Se tivesse tido um mínimo de cautela, talvez não estivesse passando por esse perrengue.

Caso se torne mesmo inelegível, Bolsonaro poderá disputar o pleito de 2030, quando estará com 75 anos. Lula, aos 77 anos, mostrou-se mais radical do que aos 58 – muito por conta da revolta provocada por sua prisão. Será que essa punição vai turbinar o rancor em Bolsonaro? Saberemos em breve, quando o ex-presidente for convocado pelos aliados para ser um importante cabo eleitoral já em 2024.

Mas a pergunta que não quer calar é: Lula torce para o banimento de Bolsonaro dos próximos pleitos? O atual presidente precisa de seu principal rival para fomentar a polarização que o levou de volta ao poder. Ele, assim, ganha com a inelegibilidade de seu antecessor? Talvez não.

O processo será retomado amanhã. Teremos pedidos de vista, que podem travar o julgamento? Aguardemos a próxima sessão do TSE.

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