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A bolha: um problema que afeta a todos, incluindo o presidente

Nos aproximamos de quem tem mais a ver com nossa visão de mundo e com personalidades similares

Aplicativos em um smartphone (Jaap Arriens/NurPhoto/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2022 às 13h02.

Aluizio Falcão Filho

A primeira vez que percebi que vivia em uma espécie de bolha foi aos 16 anos de idade. Estávamos em um campeonato esportivo interescolas e tínhamos a companhia de alguns professores. Tinha acabado de conhecer uma menina que estudava no Colégio Rainha da Paz e notamos, no meio da conversa, que possuíamos inúmeros amigos em comum. Depois de perceber que havia pelo menos uma dúzia de pessoas que ambos conhecíamos, a garota comentou: “Que mundo pequeno”. Um professor de geografia, que até então apenas nos observava, entrou no bate-papo. “Não é isso, pessoal”, disse ele. “A classe média no Brasil que é muito restrita”.

Este professor, que votou no Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, era esquerdista até o último fio de seus parcos cabelos. Seu comentário embutia uma crítica social – mas não deixava de ter alguma razão. De certa forma, vamos amoldando o círculo de relacionamentos ao nosso jeito de pensar. Nos aproximamos de quem tem mais a ver com nossa visão de mundo e com personalidades similares. Há exceções, aqui e ali. Mas geralmente selecionamos os amigos sob o critério da afinidade, seja ela socioeconômica, intelectual ou comportamental .

A rede social veio para fortalecer essa característica humana ao extremo. Entramos na rede de peito aberto e aceitamos amizades de tudo quanto é lado, incluindo pessoas que nunca encontramos pessoalmente. Em um curto espaço de tempo, no entanto, começam as rusgas e as discussões. E também os cancelamentos. No final do processo, ficamos em uma bolha cibernética, convivendo apenas com aqueles que pensam igual ou de forma parecida conosco (existem igualmente neste caldeirão os que discordam em silêncio).

Essa bolha afeta a todos e pode trazer distorções em nosso julgamento. Lembro que, em 2014, fiz uma palestra sobre as eleições que ocorreriam no período de uma semana. Mostrei o quadro de pesquisas e a distribuição geográfica dos votos, ressaltando que o pleito poderia ser definido em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Perguntaram qual era a minha opinião. Minha resposta: Dilma Rousseff venceria, especialmente porque derrotaria Aécio Neves nesses dois estados.

Recebi duas respostas furiosas. A primeira: “Aécio nunca perderia em Minas”. Mostrei que essa possibilidade era altíssima em função dos números que todas as pesquisas apresentavam (de fato, a ex-presidente derrotou os tucanos nas urnas mineiras).

A segunda: “Não conheço ninguém que vai votar na Dilma”. Para mim, era claro que esta pessoa estava confundindo a tendência da própria bolha com a de todo o país. “Conheço duas pessoas que vão votar na Dilma: minha cozinheira e a babá da minha filha”, respondi. “Elas me disseram que suas famílias e vizinhos também votarão no PT”. O que se viu, dias depois, foi a vitória dos petistas (confesso que, sem deixar as paixões ou torcidas pessoais interferirem no julgamento, é mais fácil analisar o contexto eleitoral e fazer previsões).

Hoje, no mundo digital, temos duas grandes bolhas (e outras menores). Uma conservadora e outra contrária ao tradicionalismo. Esses dois grupos são formados geralmente (e respectivamente) por direita e esquerda. Mas, há temas que provocam controvérsia e dividem esses agrupamentos. O uso da vacina, por exemplo, pode ter o apoio dos dois lados do espectro ideológico. Assim como há direitistas e esquerdistas que são contra o uso de imunizantes.

O fato é que tanto direita como esquerda vivem em sua bolha. E, em se falando de universo particular, o presidente Jair Bolsonaro também tem o seu. Ultimamente, ele tem se voltado cada vez mais para uma espécie de eleitorado raiz, esquecendo-se de que precisa de apoiadores mais alinhados ao centro para ganhar o pleito deste ano.

Em entrevista à Gazeta Brasil, o presidente disse o seguinte: “Sempre tive uma bandeira muito forte em defesa da família, dos costumes, das crianças em sala de aula, contra a ideologia de gênero, favorável ao armamento. Essas questões todas me levaram a ser conhecido perante o eleitor”.

Ao mergulhar fortemente neste universo, Bolsonaro corre o risco de repetir a estratégia de Donald Trump, que apostou na fragilidade das pesquisas eleitorais americanas e foi radicalizando cada vez mais o discurso até perder nas urnas. O presidente parece ter sido acometido de uma espécie de autismo político, desprezando uma parcela importante que o elegeu em 2018. Uma parte deste comportamento pode ser creditado à bolha, que não e apenas digital, mas também se manifesta fisicamente, no cercadinho do Palácio da Alvorada e em aglomerações provocadas durante os períodos de lazer.

Bolsonaro conseguirá sair dessa bolha e construir pontes com outros tipos de eleitor? Dificilmente. O problema é que ele não será reeleito apenas com o sufrágio de seus apoiadores fiéis. Jogar para a torcida é algo que somente se pode fazer quando as pesquisas eleitorais são amplamente favoráveis a um determinado candidato. Não é o caso do presidente da República.

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A primeira vez que percebi que vivia em uma espécie de bolha foi aos 16 anos de idade. Estávamos em um campeonato esportivo interescolas e tínhamos a companhia de alguns professores. Tinha acabado de conhecer uma menina que estudava no Colégio Rainha da Paz e notamos, no meio da conversa, que possuíamos inúmeros amigos em comum. Depois de perceber que havia pelo menos uma dúzia de pessoas que ambos conhecíamos, a garota comentou: “Que mundo pequeno”. Um professor de geografia, que até então apenas nos observava, entrou no bate-papo. “Não é isso, pessoal”, disse ele. “A classe média no Brasil que é muito restrita”.

Este professor, que votou no Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, era esquerdista até o último fio de seus parcos cabelos. Seu comentário embutia uma crítica social – mas não deixava de ter alguma razão. De certa forma, vamos amoldando o círculo de relacionamentos ao nosso jeito de pensar. Nos aproximamos de quem tem mais a ver com nossa visão de mundo e com personalidades similares. Há exceções, aqui e ali. Mas geralmente selecionamos os amigos sob o critério da afinidade, seja ela socioeconômica, intelectual ou comportamental .

A rede social veio para fortalecer essa característica humana ao extremo. Entramos na rede de peito aberto e aceitamos amizades de tudo quanto é lado, incluindo pessoas que nunca encontramos pessoalmente. Em um curto espaço de tempo, no entanto, começam as rusgas e as discussões. E também os cancelamentos. No final do processo, ficamos em uma bolha cibernética, convivendo apenas com aqueles que pensam igual ou de forma parecida conosco (existem igualmente neste caldeirão os que discordam em silêncio).

Essa bolha afeta a todos e pode trazer distorções em nosso julgamento. Lembro que, em 2014, fiz uma palestra sobre as eleições que ocorreriam no período de uma semana. Mostrei o quadro de pesquisas e a distribuição geográfica dos votos, ressaltando que o pleito poderia ser definido em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Perguntaram qual era a minha opinião. Minha resposta: Dilma Rousseff venceria, especialmente porque derrotaria Aécio Neves nesses dois estados.

Recebi duas respostas furiosas. A primeira: “Aécio nunca perderia em Minas”. Mostrei que essa possibilidade era altíssima em função dos números que todas as pesquisas apresentavam (de fato, a ex-presidente derrotou os tucanos nas urnas mineiras).

A segunda: “Não conheço ninguém que vai votar na Dilma”. Para mim, era claro que esta pessoa estava confundindo a tendência da própria bolha com a de todo o país. “Conheço duas pessoas que vão votar na Dilma: minha cozinheira e a babá da minha filha”, respondi. “Elas me disseram que suas famílias e vizinhos também votarão no PT”. O que se viu, dias depois, foi a vitória dos petistas (confesso que, sem deixar as paixões ou torcidas pessoais interferirem no julgamento, é mais fácil analisar o contexto eleitoral e fazer previsões).

Hoje, no mundo digital, temos duas grandes bolhas (e outras menores). Uma conservadora e outra contrária ao tradicionalismo. Esses dois grupos são formados geralmente (e respectivamente) por direita e esquerda. Mas, há temas que provocam controvérsia e dividem esses agrupamentos. O uso da vacina, por exemplo, pode ter o apoio dos dois lados do espectro ideológico. Assim como há direitistas e esquerdistas que são contra o uso de imunizantes.

O fato é que tanto direita como esquerda vivem em sua bolha. E, em se falando de universo particular, o presidente Jair Bolsonaro também tem o seu. Ultimamente, ele tem se voltado cada vez mais para uma espécie de eleitorado raiz, esquecendo-se de que precisa de apoiadores mais alinhados ao centro para ganhar o pleito deste ano.

Em entrevista à Gazeta Brasil, o presidente disse o seguinte: “Sempre tive uma bandeira muito forte em defesa da família, dos costumes, das crianças em sala de aula, contra a ideologia de gênero, favorável ao armamento. Essas questões todas me levaram a ser conhecido perante o eleitor”.

Ao mergulhar fortemente neste universo, Bolsonaro corre o risco de repetir a estratégia de Donald Trump, que apostou na fragilidade das pesquisas eleitorais americanas e foi radicalizando cada vez mais o discurso até perder nas urnas. O presidente parece ter sido acometido de uma espécie de autismo político, desprezando uma parcela importante que o elegeu em 2018. Uma parte deste comportamento pode ser creditado à bolha, que não e apenas digital, mas também se manifesta fisicamente, no cercadinho do Palácio da Alvorada e em aglomerações provocadas durante os períodos de lazer.

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