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Faz sentido responsabilizar indivíduos por seu impacto ambiental?

Entenda o embate entre o consumo individual e a ação das grandes empresas

Close up hand throwing empty Glass bottle into the trash (Getty Images/Getty Images)
Gabriel Prado

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 8 de setembro de 2023 às 13h09.

Em 2004, a petrolífera britânica British Petroleum lançou uma campanha promovendo sua calculadora de "pegada de carbono", uma ferramenta que permitia que cada indivíduo calculasse as emissões de carbono de suas escolhas de consumo para tomar decisões mais conscientes. O conceito se popularizou e hoje é comum falarmos do impacto ambiental de cada pessoa. Só tem um problema: enquanto o cidadão britânico médio emite cerca de cinco toneladas de gases de efeito estufa por ano, a British Petroleum sozinha emitiu 340 milhões de toneladas no ano passado.

Com essa disparidade gritante no impacto ambiental, faz algum sentido culpar o consumo individual pelas mudanças climáticas?

Essa questão é levantada tanto por aqueles engajados com a pauta ambiental quanto por aqueles contrários. De um lado, ativistas ambientais à esquerda são céticos quanto a caracterização do problema climático como um problema de escolhas individuais e veem em dinâmicas sistemáticas do capitalismo as origens da crise. Nesse sentido, o foco nos consumidores seria uma forma de eximir a culpa das grandes empresas, que seriam as verdadeiras responsáveis.

Já quem é contrário a regulações ambientais usa o argumento em uma forma um pouco modificada: se grande parte do dano ambiental está em outro lugar, por que estamos sendo culpados individualmente? Por exemplo, qual o sentido de proibir canudinhos de plástico se eles representam apenas 0,03% do plástico nos oceanos?

No entanto, há uma falha lógica no centro desse argumento, em suas duas versões: tentar justificar algo moralmente apelando para a imoralidade de outra coisa. Se uma ação causa danos a terceiros, ela não passa a ser moral por representar uma parte pequena de todos os danos. Da mesma forma que um político corrupto não pode justificar um roubo alegando que aquele dinheiro é uma parte ínfima de todo o desvio de dinheiro público no país, não podemos nos eximir de nosso impacto ambiental alegando que aquilo representa pouco de todo o prejuízo ao meio-ambiente no mundo – ou alegando que as grandes empresas fazem pior.

Outro erro comum é tentar desmerecer uma determinada ação ambiental alegando que “isso não vai resolver o problema climático”. É claro que não, assim como prender o ladrão da esquina não vai resolver o problema da criminalidade; não significa que não devamos fazê-lo.

Mais do que isso, há uma confusão conceitual quando comparamos o impacto ambiental de uma pessoa com o de uma empresa. A pegada de carbono busca refletir as emissões de gases de efeito estufa ao longo de toda a cadeia produtiva. Isso significa que ao contabilizar a pegada de carbono de ir dirigindo para o trabalho, por exemplo, precisamos incluir o efeito da extração de petróleo feita por empresas como a British Petroleum. É justamente o consumo desses produtos que faz com que essas empresas produzam mais poluição. As petrolíferas não extraem petróleo como um fim em si mesmo, mas sim para satisfazer a demanda de milhões e milhões de consumidores no mundo todo. Dessa forma, é trivial que grandes empresas tenham um impacto ambiental muito maior que qualquer pessoa; afinal, elas são o canal pelo qual a sociedade moderna organiza sua produção. O impacto ambiental das empresas é, em última instância, um reflexo do conjunto das decisões individuais, e é nesse sentido que os indivíduos têm sua responsabilidade.

Ainda assim, o argumento contra a responsabilização individual pode se tornar um pouco mais sofisticado se introduzirmos o conceito de trade-off: ponderar do que abrimos mão quando tomamos uma decisão. No caso da proibição do canudinho, quando gastamos tempo e capital político para promover a medida, abrimos mão de usar esses recursos em nome de medidas mais abrangentes, como um imposto pigouviano sobre derivados de petróleo. Mas esse argumento raramente é trazido à tona por quem se opõe a regulações ambientais, porque o objetivo nesses casos é mais descredibilizar a política ambiental do que propor soluções efetivas para os problemas.

Ativistas do meio-ambiente, por outro lado, propõe essa versão de argumento com mais frequência. Enfatizar as decisões individuais de consumo desvia o foco de mudanças sistemáticas e estruturais que precisamos para enfrentar os desafios climáticos. Quando a British Petroleum promove o conceito de pegada de carbono individual, ela está tentando transferir sua parte da culpa para os indivíduos e evitar regulações ou efeitos deletérios para sua imagem. Mas se queremos enfrentar o problema, precisamos de medidas mais abrangentes.

Essa abordagem faz sentido em um aspecto prático: parece ser mais fácil reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio de regulações que afetem todas as empresas e consumidores do que ter que convencer cada pessoa a tomar decisões mais conscientes. Não se trata de ficar procurando culpados ou responsáveis, mas de identificar onde nosssas ações terão maior efeito. Inclusive, muitas vezes eleitores apoiam regulações contra produtos cujo consumo eles não são capazes de reduzir por livre e espontânea vontade; nesse caso, a legislação funciona como as cordas que amarram Ulisses ao barco e o impedem de cair em tentação.

Nesse formato o argumento faz sentido: a forma mais efetiva de enfrentar o desastre climático é por meio de ação estatal organizada. Mas isso não significa que deixamos de ter a responsabilidade de tomar decisões mais conscientes no dia a dia, como andar menos de carro ou reduzir o consumo de carne. Afinal, adotar essas práticas não vai te impedir de também lutar por soluções sistemáticas. Quem aponta para a poluição das grandes empresas ou em outras partes do globo como forma de fugir da responsabilidade de mudar suas ações faz o mesmo que a British Petroleum tentou fazer em 2004: tenta se livrar da culpa apontando para o que os outros estão fazendo.

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Em 2004, a petrolífera britânica British Petroleum lançou uma campanha promovendo sua calculadora de "pegada de carbono", uma ferramenta que permitia que cada indivíduo calculasse as emissões de carbono de suas escolhas de consumo para tomar decisões mais conscientes. O conceito se popularizou e hoje é comum falarmos do impacto ambiental de cada pessoa. Só tem um problema: enquanto o cidadão britânico médio emite cerca de cinco toneladas de gases de efeito estufa por ano, a British Petroleum sozinha emitiu 340 milhões de toneladas no ano passado.

Com essa disparidade gritante no impacto ambiental, faz algum sentido culpar o consumo individual pelas mudanças climáticas?

Essa questão é levantada tanto por aqueles engajados com a pauta ambiental quanto por aqueles contrários. De um lado, ativistas ambientais à esquerda são céticos quanto a caracterização do problema climático como um problema de escolhas individuais e veem em dinâmicas sistemáticas do capitalismo as origens da crise. Nesse sentido, o foco nos consumidores seria uma forma de eximir a culpa das grandes empresas, que seriam as verdadeiras responsáveis.

Já quem é contrário a regulações ambientais usa o argumento em uma forma um pouco modificada: se grande parte do dano ambiental está em outro lugar, por que estamos sendo culpados individualmente? Por exemplo, qual o sentido de proibir canudinhos de plástico se eles representam apenas 0,03% do plástico nos oceanos?

No entanto, há uma falha lógica no centro desse argumento, em suas duas versões: tentar justificar algo moralmente apelando para a imoralidade de outra coisa. Se uma ação causa danos a terceiros, ela não passa a ser moral por representar uma parte pequena de todos os danos. Da mesma forma que um político corrupto não pode justificar um roubo alegando que aquele dinheiro é uma parte ínfima de todo o desvio de dinheiro público no país, não podemos nos eximir de nosso impacto ambiental alegando que aquilo representa pouco de todo o prejuízo ao meio-ambiente no mundo – ou alegando que as grandes empresas fazem pior.

Outro erro comum é tentar desmerecer uma determinada ação ambiental alegando que “isso não vai resolver o problema climático”. É claro que não, assim como prender o ladrão da esquina não vai resolver o problema da criminalidade; não significa que não devamos fazê-lo.

Mais do que isso, há uma confusão conceitual quando comparamos o impacto ambiental de uma pessoa com o de uma empresa. A pegada de carbono busca refletir as emissões de gases de efeito estufa ao longo de toda a cadeia produtiva. Isso significa que ao contabilizar a pegada de carbono de ir dirigindo para o trabalho, por exemplo, precisamos incluir o efeito da extração de petróleo feita por empresas como a British Petroleum. É justamente o consumo desses produtos que faz com que essas empresas produzam mais poluição. As petrolíferas não extraem petróleo como um fim em si mesmo, mas sim para satisfazer a demanda de milhões e milhões de consumidores no mundo todo. Dessa forma, é trivial que grandes empresas tenham um impacto ambiental muito maior que qualquer pessoa; afinal, elas são o canal pelo qual a sociedade moderna organiza sua produção. O impacto ambiental das empresas é, em última instância, um reflexo do conjunto das decisões individuais, e é nesse sentido que os indivíduos têm sua responsabilidade.

Ainda assim, o argumento contra a responsabilização individual pode se tornar um pouco mais sofisticado se introduzirmos o conceito de trade-off: ponderar do que abrimos mão quando tomamos uma decisão. No caso da proibição do canudinho, quando gastamos tempo e capital político para promover a medida, abrimos mão de usar esses recursos em nome de medidas mais abrangentes, como um imposto pigouviano sobre derivados de petróleo. Mas esse argumento raramente é trazido à tona por quem se opõe a regulações ambientais, porque o objetivo nesses casos é mais descredibilizar a política ambiental do que propor soluções efetivas para os problemas.

Ativistas do meio-ambiente, por outro lado, propõe essa versão de argumento com mais frequência. Enfatizar as decisões individuais de consumo desvia o foco de mudanças sistemáticas e estruturais que precisamos para enfrentar os desafios climáticos. Quando a British Petroleum promove o conceito de pegada de carbono individual, ela está tentando transferir sua parte da culpa para os indivíduos e evitar regulações ou efeitos deletérios para sua imagem. Mas se queremos enfrentar o problema, precisamos de medidas mais abrangentes.

Essa abordagem faz sentido em um aspecto prático: parece ser mais fácil reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio de regulações que afetem todas as empresas e consumidores do que ter que convencer cada pessoa a tomar decisões mais conscientes. Não se trata de ficar procurando culpados ou responsáveis, mas de identificar onde nosssas ações terão maior efeito. Inclusive, muitas vezes eleitores apoiam regulações contra produtos cujo consumo eles não são capazes de reduzir por livre e espontânea vontade; nesse caso, a legislação funciona como as cordas que amarram Ulisses ao barco e o impedem de cair em tentação.

Nesse formato o argumento faz sentido: a forma mais efetiva de enfrentar o desastre climático é por meio de ação estatal organizada. Mas isso não significa que deixamos de ter a responsabilidade de tomar decisões mais conscientes no dia a dia, como andar menos de carro ou reduzir o consumo de carne. Afinal, adotar essas práticas não vai te impedir de também lutar por soluções sistemáticas. Quem aponta para a poluição das grandes empresas ou em outras partes do globo como forma de fugir da responsabilidade de mudar suas ações faz o mesmo que a British Petroleum tentou fazer em 2004: tenta se livrar da culpa apontando para o que os outros estão fazendo.

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