Perspectivas para a transição energética e suas fontes de financiamento no Brasil
A descarbonização requer investimentos vultosos e arriscados. Uma ampla oferta de crédito pode ajudar a tornar esses investimentos mais acessíveis
Publicado em 5 de setembro de 2023 às 16h04.
A chamada transição energética é uma mudança de paradigma que envolve não só a geração de energia, mas também o seu consumo e reaproveitamento. O conceito parte da migração de matrizes energéticas poluentes – como combustíveis fósseis – para fontes de energia renováveis, estendendo-se também para o meio ambiente, gestão de resíduos, eficiência energética bem como outros meios necessários para atingir o objetivo comum de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e as suas influências nas mudanças climáticas.
De acordo com o estudo publicado esse ano pelo IPEA, os percentuais referentes à participação das energias renováveis na matriz energética mundial ainda são tímidos quando comparados às fontes tradicionais de energia. Em uma década (2009 a 2019), a participação das energias renováveis passou de 8,7% para 11,2% no consumo global final de energia, enquanto a participação dos combustíveis fósseis passou de 80,3% para 80,2%.
Nesse cenário, o Brasil se destaca positivamente. De acordo com o “Balanço Energético Nacional” de 2022, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética, 44,8% da matriz energética brasileira é considerada renovável. Ainda que esse percentual seja considerado alto se comparado ao cenário global, é fundamental que o Brasil continue avançando em direção à uma matriz energética 100% renovável, o que naturalmente exigirá uma oferta abundante de crédito para colocar em prática esse plano de transição. A Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo, estima que os países emergentes precisarão de aproximadamente US$ 1 trilhão por ano até 2050 para financiar sua transição energética.
Consequência desse movimento global, no dia 11 de agosto, juntamente com a terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cuja implementação estima triplicar os investimentos públicos federais em infraestrutura nos próximos anos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad lançou o chamado Plano de Transição Ecológica.
Em linhas gerais, o Plano de Transição Ecológica recorrerá a instrumentos financeiros, fiscais e regulatórios, além de ferramentas administrativas, operacionais e de monitoramento e fiscalização para garantir e assegurar uma efetivação da Transição Energética. O objetivo é que o Brasil possa alcançar suas metas do Acordo de Paris, firmado em 2015 no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas.
De acordo com o Governo Federal, o Plano de Transição Energética permitirá a introdução de novas linhas de crédito voltadas para o desenvolvimento sustentável, o aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental, o aprimoramento dos mecanismos de concessão e de parcerias público-privadas, a melhora dos processos de compras públicas e o refinamento da gestão e do planejamento governamentais. Entre as principais medidas do plano estão a criação de um mercado regulado de carbono, a emissão de títulos soberanos sustentáveis, a criação de uma taxonomia sustentável e a reformulação do Fundo Clima para financiar atividades que envolvem inovação tecnológica e sustentabilidade.
Não por outro motivo, para viabilizar e garantir o atingimento dos objetivos do plano, a transição e segurança energética será um dos eixos principais do Ministério de Minas e Energia (MME) dentro do novo PAC, contando com aproximadamente R$ 540 bilhões em investimentos, e os bancos públicos terão um papel fundamental nesse projeto, podendo financiar até R$ 440 bilhões dos investimentos previstos, sendo peça chave na atração de investimentos privados no setor.
Vale ressaltar que os bancos públicos já vêm sendo vetores na modernização da matriz energética limpa brasileira há algum tempo. O Banco do Nordeste (BNB), por exemplo, nos últimos 5 anos destinou mais de R$ 30 bilhões para o financiamento de projetos de geração de energias renováveis. Essa experiência acumulada do setor certamente representará um ponto de partida privilegiado para os novos financiamentos, que poderão se aproveitar dos produtos e estruturas contratuais e de garantias já consolidadas e testadas pelo mercado.
Também nessa esteira, o Governo Federal retomou o chamado “Fundo Clima” (Fundo Nacional sobre Mudança do Clima) criado pela Lei 12.114/2009, buscando captar cerca de R$ 10 bilhões em recursos para financiar projetos voltados ao desenvolvimento sustentável, por meio de uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Além de todo incentivo previsto pelo PAC e as demais possibilidades de financiamento através dos bancos públicos e do Fundo Clima, também continuarão sendo importantes fontes domésticas de crédito para impulsionar ainda mais os planos de transição energética os programas de financiamento previstos na Constituição Federal conhecidos como “Fundos Constitucionais” (FNE, FNO e FCO), os mecanismos de financiamento através do mercado de capitais -- tanto com dívida quanto com equity -- bem como o desenvolvimento e a consolidação das Debêntures de Infraestrutura, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), Fundos de Debêntures Incentivadas e Fundos de Investimentos em Participação em Infraestrutura (FIP-IE), que contam com importantes incentivos fiscais par atração de investimentos privados.
Vale ainda ressaltar que o setor de energias renováveis na América Latina tem sido um dos que atraíram maior nível investimentos estrangeiros, especialmente de organismos multilaterais, tais como o Banco Mundial, o International Finance Corporation (IFC), o Inter-American Development Bank (IADB), a Corporación Andina de Fomento (CAF), entre outros. Conforme aponta o estudo “La Inversión Extranjera Directa en América Latina y el Caribe” realizado pela Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), de 2005 a 2022, foram feitos mais de 800 anúncios de projetos de investimentos estrangeiros diretos dirigidos a este setor na América Latina e Caribe, por um total de quase US$ 170 milhões. Brasil, Chile, México, Panamá e Peru foram os principais países de destino desses fundos, e, em conjunto atraíram mais de 80% de todos os anúncios de investimentos em energia renováveis destinados à região.
De maneira geral, embora os ativos de infraestrutura tenham características específicas que variam significativamente conforme o setor, seu financiamento tem como denominador comum os elevados volumes necessários de investimento e os altos riscos assumidos por seus operadores e financiadores, tais como decisões adversas sobre regulação, tarifas, padrões técnicos, bom como relacionados ao ambiente institucional subjacente (tanto macro quanto microeconômico). Não obstante, o ambiente macroeconômico cada vez mais estável, um panorama normativo mais técnico e estruturado voltado ao longo prazo, bem como a melhora sensível no ambiente regulatório brasileiro nas últimas décadas, com criação de marcos regulatórios baseados em entidades com governança própria, permitem uma maior alavancagem dos projetos, ou seja, uma maior participação do crédito em relação ao capital próprio.
Diante disso, cada vez mais se evidencia a complementariedade e não substitutividade das fontes de financiamento disponíveis no mercado, desenvolvendo os projetos a partir de uma alavancagem mista impulsionados por investimentos públicos e privados, locais ou internacionais. Nesse cenário o novo PAC, como instrumento acelerador do processo de transição energética e viabilizador do Plano de Transição Ecológica, surge como um importante agente financiador e ao mesmo tempo capaz de fomentar e atrair ainda mais capital privado e aumentar o grau de confiabilidade dos projetos financiados.
Alberto Faro é sócio da área de infraestrutura do Machado Meyer Advogados. Formado pela Universidade da Pensilvânia e pela Escola de Direito de São Paulo (EDESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele também tem experiência em escritórios no exterior, incluindo Gibson, Dunn, & Crutcher LLP, Nova York.
Guilherme Spinacé é advogado da área de infraestrutura do Machado Meyer Advogados. Formado pela Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco e pós-graduado pela Escola de Direito de São Paulo (EDESP) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), atua na área de financiamento de projetos de infraestrutura no âmbito da estruturação de operações no mercado financeiro e de capitais.
A chamada transição energética é uma mudança de paradigma que envolve não só a geração de energia, mas também o seu consumo e reaproveitamento. O conceito parte da migração de matrizes energéticas poluentes – como combustíveis fósseis – para fontes de energia renováveis, estendendo-se também para o meio ambiente, gestão de resíduos, eficiência energética bem como outros meios necessários para atingir o objetivo comum de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e as suas influências nas mudanças climáticas.
De acordo com o estudo publicado esse ano pelo IPEA, os percentuais referentes à participação das energias renováveis na matriz energética mundial ainda são tímidos quando comparados às fontes tradicionais de energia. Em uma década (2009 a 2019), a participação das energias renováveis passou de 8,7% para 11,2% no consumo global final de energia, enquanto a participação dos combustíveis fósseis passou de 80,3% para 80,2%.
Nesse cenário, o Brasil se destaca positivamente. De acordo com o “Balanço Energético Nacional” de 2022, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética, 44,8% da matriz energética brasileira é considerada renovável. Ainda que esse percentual seja considerado alto se comparado ao cenário global, é fundamental que o Brasil continue avançando em direção à uma matriz energética 100% renovável, o que naturalmente exigirá uma oferta abundante de crédito para colocar em prática esse plano de transição. A Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo, estima que os países emergentes precisarão de aproximadamente US$ 1 trilhão por ano até 2050 para financiar sua transição energética.
Consequência desse movimento global, no dia 11 de agosto, juntamente com a terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cuja implementação estima triplicar os investimentos públicos federais em infraestrutura nos próximos anos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad lançou o chamado Plano de Transição Ecológica.
Em linhas gerais, o Plano de Transição Ecológica recorrerá a instrumentos financeiros, fiscais e regulatórios, além de ferramentas administrativas, operacionais e de monitoramento e fiscalização para garantir e assegurar uma efetivação da Transição Energética. O objetivo é que o Brasil possa alcançar suas metas do Acordo de Paris, firmado em 2015 no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas.
De acordo com o Governo Federal, o Plano de Transição Energética permitirá a introdução de novas linhas de crédito voltadas para o desenvolvimento sustentável, o aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental, o aprimoramento dos mecanismos de concessão e de parcerias público-privadas, a melhora dos processos de compras públicas e o refinamento da gestão e do planejamento governamentais. Entre as principais medidas do plano estão a criação de um mercado regulado de carbono, a emissão de títulos soberanos sustentáveis, a criação de uma taxonomia sustentável e a reformulação do Fundo Clima para financiar atividades que envolvem inovação tecnológica e sustentabilidade.
Não por outro motivo, para viabilizar e garantir o atingimento dos objetivos do plano, a transição e segurança energética será um dos eixos principais do Ministério de Minas e Energia (MME) dentro do novo PAC, contando com aproximadamente R$ 540 bilhões em investimentos, e os bancos públicos terão um papel fundamental nesse projeto, podendo financiar até R$ 440 bilhões dos investimentos previstos, sendo peça chave na atração de investimentos privados no setor.
Vale ressaltar que os bancos públicos já vêm sendo vetores na modernização da matriz energética limpa brasileira há algum tempo. O Banco do Nordeste (BNB), por exemplo, nos últimos 5 anos destinou mais de R$ 30 bilhões para o financiamento de projetos de geração de energias renováveis. Essa experiência acumulada do setor certamente representará um ponto de partida privilegiado para os novos financiamentos, que poderão se aproveitar dos produtos e estruturas contratuais e de garantias já consolidadas e testadas pelo mercado.
Também nessa esteira, o Governo Federal retomou o chamado “Fundo Clima” (Fundo Nacional sobre Mudança do Clima) criado pela Lei 12.114/2009, buscando captar cerca de R$ 10 bilhões em recursos para financiar projetos voltados ao desenvolvimento sustentável, por meio de uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Além de todo incentivo previsto pelo PAC e as demais possibilidades de financiamento através dos bancos públicos e do Fundo Clima, também continuarão sendo importantes fontes domésticas de crédito para impulsionar ainda mais os planos de transição energética os programas de financiamento previstos na Constituição Federal conhecidos como “Fundos Constitucionais” (FNE, FNO e FCO), os mecanismos de financiamento através do mercado de capitais -- tanto com dívida quanto com equity -- bem como o desenvolvimento e a consolidação das Debêntures de Infraestrutura, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), Fundos de Debêntures Incentivadas e Fundos de Investimentos em Participação em Infraestrutura (FIP-IE), que contam com importantes incentivos fiscais par atração de investimentos privados.
Vale ainda ressaltar que o setor de energias renováveis na América Latina tem sido um dos que atraíram maior nível investimentos estrangeiros, especialmente de organismos multilaterais, tais como o Banco Mundial, o International Finance Corporation (IFC), o Inter-American Development Bank (IADB), a Corporación Andina de Fomento (CAF), entre outros. Conforme aponta o estudo “La Inversión Extranjera Directa en América Latina y el Caribe” realizado pela Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), de 2005 a 2022, foram feitos mais de 800 anúncios de projetos de investimentos estrangeiros diretos dirigidos a este setor na América Latina e Caribe, por um total de quase US$ 170 milhões. Brasil, Chile, México, Panamá e Peru foram os principais países de destino desses fundos, e, em conjunto atraíram mais de 80% de todos os anúncios de investimentos em energia renováveis destinados à região.
De maneira geral, embora os ativos de infraestrutura tenham características específicas que variam significativamente conforme o setor, seu financiamento tem como denominador comum os elevados volumes necessários de investimento e os altos riscos assumidos por seus operadores e financiadores, tais como decisões adversas sobre regulação, tarifas, padrões técnicos, bom como relacionados ao ambiente institucional subjacente (tanto macro quanto microeconômico). Não obstante, o ambiente macroeconômico cada vez mais estável, um panorama normativo mais técnico e estruturado voltado ao longo prazo, bem como a melhora sensível no ambiente regulatório brasileiro nas últimas décadas, com criação de marcos regulatórios baseados em entidades com governança própria, permitem uma maior alavancagem dos projetos, ou seja, uma maior participação do crédito em relação ao capital próprio.
Diante disso, cada vez mais se evidencia a complementariedade e não substitutividade das fontes de financiamento disponíveis no mercado, desenvolvendo os projetos a partir de uma alavancagem mista impulsionados por investimentos públicos e privados, locais ou internacionais. Nesse cenário o novo PAC, como instrumento acelerador do processo de transição energética e viabilizador do Plano de Transição Ecológica, surge como um importante agente financiador e ao mesmo tempo capaz de fomentar e atrair ainda mais capital privado e aumentar o grau de confiabilidade dos projetos financiados.
Alberto Faro é sócio da área de infraestrutura do Machado Meyer Advogados. Formado pela Universidade da Pensilvânia e pela Escola de Direito de São Paulo (EDESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele também tem experiência em escritórios no exterior, incluindo Gibson, Dunn, & Crutcher LLP, Nova York.
Guilherme Spinacé é advogado da área de infraestrutura do Machado Meyer Advogados. Formado pela Universidade de São Paulo – Largo de São Francisco e pós-graduado pela Escola de Direito de São Paulo (EDESP) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), atua na área de financiamento de projetos de infraestrutura no âmbito da estruturação de operações no mercado financeiro e de capitais.