Exame Logo

Projetos de habitação social podem influenciar indicadores de violência?

Para responder a essa pergunta, construí uma base para 79 conjuntos habitacionais inaugurados entre 2013 e 2020 para compreender essa associação

Habitação: programa é um dos pilares do Programa Casa Verde Amarela (Agência Brasil/Reprodução)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 09h40.

Por João Ricardo Ribas de Morais*

O que evidências empíricas dizem sobre a relação entre habitação popular e a incidência de crimes na cidade de São Paulo? Para responder a essa pergunta, durante o Mestrado Profissional em Políticas Públicas do Insper, construí uma base original para 79 conjuntos habitacionais inaugurados entre 2013 e 2020 no município para compreender essa associação, utilizando dados das características dos empreendimentos, dos territórios em que estão inseridos e de incidência de criminalidade no entorno. Esse foi o tema abordado em minha dissertação “Habitação Social e Violência: Influência de características territoriais e sociais em conjuntos habitacionais no município de São Paulo”.

Com o uso do método de diferenças-em-diferenças, exploro o fato de que as habitações foram construídas em distintos momentos do tempo para comparar a violência nos territórios antes e depois da entrega dos condomínios. Dessa forma, procuro identificar de maneira causal os resultados dos empreendimentos sobre a criminalidade. Utilizo a data de entrega dos conjuntos como variação exógena aos indicadores de criminalidade.

As evidências indicam que a entrega de conjuntos habitacionais em territórios relativamente menos pobres está associada a uma redução média de 8,1% da violência nestes bairros em relação ao período anterior à intervenção (2011 e 2012). Por outro lado, nos territórios mais pobres, a violência aumentou em média 3,5% após a inauguração dos condomínios. Para a classificação dos locais entre territórios mais ou menos vulneráveis foram utilizados dados referentes ao percentual de domicílios com renda per capita de até ½ salário-mínimo, de acordo com os setores censitários do entorno no qual o empreendimento está inserido.

Estes resultados sugerem que a qualidade da inserção urbana dos empreendimentos é crucial para sua relação com a violência. Estudos qualitativos apontam que a inserção urbana precária expõe os empreendimentos às disputas territoriais do tráfico de drogas e ao domínio por organizações criminosas, minando a capacidade da comunidade construir vínculos comunitários e capital social que a empoderariam para resolver seus dilemas comuns.

Por outro lado, a diminuição da violência em áreas menos vulneráveis traz um indicativo de que, combinadas com condições iniciais mais favoráveis, políticas públicas voltadas à habitação podem influenciar positivamente outros setores, neste caso, diminuir a criminalidade. Esse fato pode contribuir para reduzir a oposição de moradores de classes média e alta a empreendimentos urbanos em seus bairros, fenômeno resumido pela expressão NIMBY (do inglês “not in my back yard”, sigla para “não no meu quintal” em uma tradução livre). Isso porque, no contexto da oposição a projetos de habitação de interesse social, as alegações passam pelo medo da desvalorização imobiliária e pelo receio da violência que supostamente chegariam à vizinhança junto com o novo conjunto habitacional.

Ao compreender sob que circunstâncias os conjuntos habitacionais se relacionam com a violência e ao identificar que esta relação é sensível à concentração de vulnerabilidades nos bairros, estas evidências têm potencial de auxiliar o poder público e sociedade civil no enfrentamento de resistências a projetos de habitação popular nas áreas de melhor infraestrutura, no aumento da efetividade da regulação e planejamento urbano e na defesa de uma política habitacional que também entregue acesso à cidade e suas oportunidades.

* Economista e Mestre em Políticas Públicas pelo Insper. É assessor de políticas públicas na Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, onde apoia a estruturação de projetos prioritários para a gestão.

 

Veja também

Por João Ricardo Ribas de Morais*

O que evidências empíricas dizem sobre a relação entre habitação popular e a incidência de crimes na cidade de São Paulo? Para responder a essa pergunta, durante o Mestrado Profissional em Políticas Públicas do Insper, construí uma base original para 79 conjuntos habitacionais inaugurados entre 2013 e 2020 no município para compreender essa associação, utilizando dados das características dos empreendimentos, dos territórios em que estão inseridos e de incidência de criminalidade no entorno. Esse foi o tema abordado em minha dissertação “Habitação Social e Violência: Influência de características territoriais e sociais em conjuntos habitacionais no município de São Paulo”.

Com o uso do método de diferenças-em-diferenças, exploro o fato de que as habitações foram construídas em distintos momentos do tempo para comparar a violência nos territórios antes e depois da entrega dos condomínios. Dessa forma, procuro identificar de maneira causal os resultados dos empreendimentos sobre a criminalidade. Utilizo a data de entrega dos conjuntos como variação exógena aos indicadores de criminalidade.

As evidências indicam que a entrega de conjuntos habitacionais em territórios relativamente menos pobres está associada a uma redução média de 8,1% da violência nestes bairros em relação ao período anterior à intervenção (2011 e 2012). Por outro lado, nos territórios mais pobres, a violência aumentou em média 3,5% após a inauguração dos condomínios. Para a classificação dos locais entre territórios mais ou menos vulneráveis foram utilizados dados referentes ao percentual de domicílios com renda per capita de até ½ salário-mínimo, de acordo com os setores censitários do entorno no qual o empreendimento está inserido.

Estes resultados sugerem que a qualidade da inserção urbana dos empreendimentos é crucial para sua relação com a violência. Estudos qualitativos apontam que a inserção urbana precária expõe os empreendimentos às disputas territoriais do tráfico de drogas e ao domínio por organizações criminosas, minando a capacidade da comunidade construir vínculos comunitários e capital social que a empoderariam para resolver seus dilemas comuns.

Por outro lado, a diminuição da violência em áreas menos vulneráveis traz um indicativo de que, combinadas com condições iniciais mais favoráveis, políticas públicas voltadas à habitação podem influenciar positivamente outros setores, neste caso, diminuir a criminalidade. Esse fato pode contribuir para reduzir a oposição de moradores de classes média e alta a empreendimentos urbanos em seus bairros, fenômeno resumido pela expressão NIMBY (do inglês “not in my back yard”, sigla para “não no meu quintal” em uma tradução livre). Isso porque, no contexto da oposição a projetos de habitação de interesse social, as alegações passam pelo medo da desvalorização imobiliária e pelo receio da violência que supostamente chegariam à vizinhança junto com o novo conjunto habitacional.

Ao compreender sob que circunstâncias os conjuntos habitacionais se relacionam com a violência e ao identificar que esta relação é sensível à concentração de vulnerabilidades nos bairros, estas evidências têm potencial de auxiliar o poder público e sociedade civil no enfrentamento de resistências a projetos de habitação popular nas áreas de melhor infraestrutura, no aumento da efetividade da regulação e planejamento urbano e na defesa de uma política habitacional que também entregue acesso à cidade e suas oportunidades.

* Economista e Mestre em Políticas Públicas pelo Insper. É assessor de políticas públicas na Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, onde apoia a estruturação de projetos prioritários para a gestão.

 

Acompanhe tudo sobre:Habitação no BrasilImóveisViolência urbana

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se