Nobel de Economia: as contribuições dos ganhadores para medição de impacto
O Prêmio Nobel de Economia deste ano ressaltou a importância do uso de experimentos naturais para gerar respostas importantes para a sociedade
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2021 às 17h35.
Última atualização em 13 de outubro de 2021 às 06h51.
Por Jorge Ikawa (colaborou Marianne Ribeiro Cruz)
Conversamos com Sergio Firpo [1], Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, professor titular da Cátedra Instituto Unibanco no Insper e Elected Fellow da Econometric Society, sobre os trabalhos dos professores David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens, premiados com o Nobel de Economia deste ano.
1) O Prêmio Nobel de Economia deste ano para David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens ressaltou a importância do uso de experimentos naturais para gerar respostas importantes para a sociedade, como o efeito da educação sobre a renda futura, por exemplo. Uma das grandes dificuldades para se responder a perguntas como essa é a atribuição de causalidade. Como você avalia a importância desses pesquisadores para disseminar conceitos relacionados à ideia de atribuição causal e ao uso de metodologias para mensuração de impacto?
Sergio Firpo: Um problema comum na Economia, e em Ciências Sociais no geral, é a dificuldade de isolar efeitos causais. Em muitos casos, você possui duas variáveis correlacionadas e gostaria de estabelecer uma relação causal de uma variável sobre a outra ou, mais especificamente, de uma intervenção sobre um indicador de interesse. Essa intervenção pode ser uma política pública, uma ação de uma firma ou até o ato de um indivíduo, por exemplo.
Imagine que você esteja olhando, por exemplo, a correlação entre salário e educação. Não está claro que você está identificando o efeito da educação sobre salário. Se você olhar somente para essas duas variáveis, você não consegue estabelecer relação causal. Isso porque pode haver uma outra variável, como habilidade ou alguma outra característica importante, que afete tanto a educação quanto o salário. Neste exemplo, a habilidade deve afetar tanto o número de anos de estudo quanto o salário que a pessoa vai receber. Dessa forma, você pode encontrar uma correlação positiva entre salário e educação sem que necessariamente você esteja identificando o efeito de um ano a mais de estudo, por exemplo, sobre o salário.
Ter métodos que te permitam identificar esse efeito causal são muito importantes para que possamos pensar em políticas públicas. Os economistas por muito tempo pensaram em métodos para identificar esse efeito sem necessariamente precisar recorrer a experimentos. Experimentos, seguindo uma tradição da medicina, são o padrão ouro para se estabelecer uma relação causal. Por exemplo, quando se quer saber se uma droga tem efeito sobre um indicador de saúde, posso aleatorizar quem recebe a droga, construindo um grupo de controle que vai receber um placebo. Ao final, comparo um grupo com outro. O fato de ter aleatorizado permite identificar o efeito causal da droga sobre o indicador de saúde de interesse.
Em ciências sociais, é muito difícil você ter esse tipo de possibilidade de experimentação. Passou a se tornar mais comum e o Prêmio Nobel foi dado em 2019 para Esther Duflo, Banerjee e Michael Kremer por conta do esforço deles em difundir experimentos, sobretudo em países em desenvolvimento, para que se possa pensar em políticas que reduzam a pobreza nesses países. Ao mesmo tempo, a gente não tem apenas dados experimentais, a gente tem também o que se chama de dados observacionais. E uma questão que se apresenta é como usar esses dados para estabelecer relações de causa e efeito. Isso é algo que se discute muito, sobretudo em Econometria.
Os economistas, por muito tempo, se preocuparam em identificar e estimar os parâmetros que vêm diretamente de modelos econômicos. O que se percebeu é que, para você identificar certas relações causais, talvez você não precise de toda a sequência que vem desde os parâmetros estruturais ou desde o modelo econômico mais completo. Você pode identificar os efeitos causais de certas políticas com base em certas premissas sobre as quais esses dados foram gerados. O que os ganhadores do Prêmio Nobel deste ano fizeram foi desenvolver esse tipo de metodologia. Um grande nome que está faltando nesse prêmio certamente é o de Donald Rubin, professor emérito de estatística na Universidade de Harvard, com quem o Guido Imbens e o Joshua Angrist têm trabalhos que são super importantes.
Esses professores desenvolveram e popularizaram diversas metodologias, desde o método de diferenças-em-diferenças com Card e Krueger nos estudos de salário mínimo [2], os trabalhos de Joshua Angrist e diversos coautores com variáveis instrumentais [3], até mais recentemente, com os trabalhos que podem ser entendidos como precursores da metodologia de regressão descontínua como, por exemplo, o trabalho do Angrist e Victor Lavy [4] de 1999. Esses trabalhos são super relevantes e até hoje se usa esse arsenal de metodologias para se identificar efeitos causais de políticas.
2) Muitos de seus trabalhos utilizam instrumentais para mensuração de impacto que também são frequentes nas obras de David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens. Poderia dar um exemplo de estudo desenvolvido por você neste sentido?
Sergio Firpo: O Guido Imbens foi meu orientador no doutorado. Em minha tese, que é uma tese metodológica, eu olho para o efeito de tratamento ao longo da distribuição, o efeito tratamento quantílico. Eu estava pensando ali como você consegue identificar esses efeitos causais, mas ao longo da distribuição, e não os efeitos médios. Então ele tem um tremendo efeito e boa parte da minha produção teórica está relacionada a isso, à distribuição de efeitos do tratamento. Os meus trabalhos mais aplicados também se beneficiam de toda essa literatura, assim como a maior parte dos trabalhos empíricos em Microeconomia hoje. É difícil você ver um trabalho que não use diferenças-em-diferenças, o método de variáveis instrumentais ou uma regressão descontínua. Dos meus trabalhos aplicados, todos utilizaram de alguma forma esses métodos. É raro eu ter feito alguma coisa que não tenha usado algum desses métodos que eu descrevi. Tenho alguns outros trabalhos que não são diretamente ligados à produção deles, como a metodologia de controle sintético, uma metodologia relevante e também recente, que uso bastante nos meus trabalhos.
3) Por fim, você teve uma vivência próxima a um dos premiados, já que Guido W. Imbens foi seu orientador. Poderia falar um pouco sobre a influência dele na sua carreira acadêmica?
Sergio Firpo: Há duas pessoas que foram super influentes na minha carreira acadêmica, ou melhor, têm sido, na verdade. Antes de falar do Guido Imbens, preciso falar do PB, o Ricardo Paes de Barros, meu colega hoje do Insper, meu orientador no mestrado e que sempre me serviu como um modelo inspirador na profissão. O interesse dele por temas sociais no âmbito de desigualdade, pobreza e mercado de trabalho acabaram me levando para tentar entender as relações no mercado de trabalho, nas diversas variáveis econômicas e estabelecer um rigor para identificar esse efeito. Foi depois que eu fiz a dissertação com o PB, que eu fui parar em Berkeley. Fui parar em Berkeley por conta do David Card na época. Eu queria uma coisa rigorosa entre Economia e Econometria e lá parecia ser o local ideal. Além de ter o departamento de estatística do lado, acabei fazendo um mestrado de estatística lá. Então foi um momento em que eu sabia o que eu queria estudar. Eu queria entender melhor os determinantes de pobreza, desigualdade e pensar em métodos que permitissem avaliar efeitos de políticas sobre essas variáveis.
O Guido chegou em Berkeley no final de 2001, se não me engano. Ele veio da UCLA. Ele havia sido professor em Harvard, na UCLA e foi para Berkeley como professor associado na época por um período pequeno. Ele saiu logo, alguns anos depois de eu ter terminado o doutorado. Eu fui trabalhar com ele, eu tinha interesse em regressão quantílica. Minha interação com ele foi bastante intensa nesse período curto em que tivemos contato. Ele sempre me permitiu muito acesso ao tempo dele e a gente conversava muito sobre minha tese. É uma pessoa sempre muito ocupada com trabalho, envolvido em milhões de projetos ao mesmo tempo e com uma ética do trabalho super exemplar. Tanto ele, quanto David Card. Card era o tipo de profissional que era o primeiro a chegar no departamento e último a sair, inclusive nos finais de semana. Geraram resultados porque eles colocaram a energia máxima que eles tinham para influenciar o trabalho acadêmico. Então foi essa minha trajetória, que começou com o PB. O PB é outra pessoa que também é incrível e exemplo de dedicação na profissão.
[1] Link: https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/sergio-pinheiro-firpo/
[2] Link: https://davidcard.berkeley.edu/papers/njmin-aer.pdf
[3] Link: https://www.jstor.org/stable/2937954
[4] Link: https://economics.mit.edu/files/8273
Por Jorge Ikawa (colaborou Marianne Ribeiro Cruz)
Conversamos com Sergio Firpo [1], Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, professor titular da Cátedra Instituto Unibanco no Insper e Elected Fellow da Econometric Society, sobre os trabalhos dos professores David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens, premiados com o Nobel de Economia deste ano.
1) O Prêmio Nobel de Economia deste ano para David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens ressaltou a importância do uso de experimentos naturais para gerar respostas importantes para a sociedade, como o efeito da educação sobre a renda futura, por exemplo. Uma das grandes dificuldades para se responder a perguntas como essa é a atribuição de causalidade. Como você avalia a importância desses pesquisadores para disseminar conceitos relacionados à ideia de atribuição causal e ao uso de metodologias para mensuração de impacto?
Sergio Firpo: Um problema comum na Economia, e em Ciências Sociais no geral, é a dificuldade de isolar efeitos causais. Em muitos casos, você possui duas variáveis correlacionadas e gostaria de estabelecer uma relação causal de uma variável sobre a outra ou, mais especificamente, de uma intervenção sobre um indicador de interesse. Essa intervenção pode ser uma política pública, uma ação de uma firma ou até o ato de um indivíduo, por exemplo.
Imagine que você esteja olhando, por exemplo, a correlação entre salário e educação. Não está claro que você está identificando o efeito da educação sobre salário. Se você olhar somente para essas duas variáveis, você não consegue estabelecer relação causal. Isso porque pode haver uma outra variável, como habilidade ou alguma outra característica importante, que afete tanto a educação quanto o salário. Neste exemplo, a habilidade deve afetar tanto o número de anos de estudo quanto o salário que a pessoa vai receber. Dessa forma, você pode encontrar uma correlação positiva entre salário e educação sem que necessariamente você esteja identificando o efeito de um ano a mais de estudo, por exemplo, sobre o salário.
Ter métodos que te permitam identificar esse efeito causal são muito importantes para que possamos pensar em políticas públicas. Os economistas por muito tempo pensaram em métodos para identificar esse efeito sem necessariamente precisar recorrer a experimentos. Experimentos, seguindo uma tradição da medicina, são o padrão ouro para se estabelecer uma relação causal. Por exemplo, quando se quer saber se uma droga tem efeito sobre um indicador de saúde, posso aleatorizar quem recebe a droga, construindo um grupo de controle que vai receber um placebo. Ao final, comparo um grupo com outro. O fato de ter aleatorizado permite identificar o efeito causal da droga sobre o indicador de saúde de interesse.
Em ciências sociais, é muito difícil você ter esse tipo de possibilidade de experimentação. Passou a se tornar mais comum e o Prêmio Nobel foi dado em 2019 para Esther Duflo, Banerjee e Michael Kremer por conta do esforço deles em difundir experimentos, sobretudo em países em desenvolvimento, para que se possa pensar em políticas que reduzam a pobreza nesses países. Ao mesmo tempo, a gente não tem apenas dados experimentais, a gente tem também o que se chama de dados observacionais. E uma questão que se apresenta é como usar esses dados para estabelecer relações de causa e efeito. Isso é algo que se discute muito, sobretudo em Econometria.
Os economistas, por muito tempo, se preocuparam em identificar e estimar os parâmetros que vêm diretamente de modelos econômicos. O que se percebeu é que, para você identificar certas relações causais, talvez você não precise de toda a sequência que vem desde os parâmetros estruturais ou desde o modelo econômico mais completo. Você pode identificar os efeitos causais de certas políticas com base em certas premissas sobre as quais esses dados foram gerados. O que os ganhadores do Prêmio Nobel deste ano fizeram foi desenvolver esse tipo de metodologia. Um grande nome que está faltando nesse prêmio certamente é o de Donald Rubin, professor emérito de estatística na Universidade de Harvard, com quem o Guido Imbens e o Joshua Angrist têm trabalhos que são super importantes.
Esses professores desenvolveram e popularizaram diversas metodologias, desde o método de diferenças-em-diferenças com Card e Krueger nos estudos de salário mínimo [2], os trabalhos de Joshua Angrist e diversos coautores com variáveis instrumentais [3], até mais recentemente, com os trabalhos que podem ser entendidos como precursores da metodologia de regressão descontínua como, por exemplo, o trabalho do Angrist e Victor Lavy [4] de 1999. Esses trabalhos são super relevantes e até hoje se usa esse arsenal de metodologias para se identificar efeitos causais de políticas.
2) Muitos de seus trabalhos utilizam instrumentais para mensuração de impacto que também são frequentes nas obras de David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens. Poderia dar um exemplo de estudo desenvolvido por você neste sentido?
Sergio Firpo: O Guido Imbens foi meu orientador no doutorado. Em minha tese, que é uma tese metodológica, eu olho para o efeito de tratamento ao longo da distribuição, o efeito tratamento quantílico. Eu estava pensando ali como você consegue identificar esses efeitos causais, mas ao longo da distribuição, e não os efeitos médios. Então ele tem um tremendo efeito e boa parte da minha produção teórica está relacionada a isso, à distribuição de efeitos do tratamento. Os meus trabalhos mais aplicados também se beneficiam de toda essa literatura, assim como a maior parte dos trabalhos empíricos em Microeconomia hoje. É difícil você ver um trabalho que não use diferenças-em-diferenças, o método de variáveis instrumentais ou uma regressão descontínua. Dos meus trabalhos aplicados, todos utilizaram de alguma forma esses métodos. É raro eu ter feito alguma coisa que não tenha usado algum desses métodos que eu descrevi. Tenho alguns outros trabalhos que não são diretamente ligados à produção deles, como a metodologia de controle sintético, uma metodologia relevante e também recente, que uso bastante nos meus trabalhos.
3) Por fim, você teve uma vivência próxima a um dos premiados, já que Guido W. Imbens foi seu orientador. Poderia falar um pouco sobre a influência dele na sua carreira acadêmica?
Sergio Firpo: Há duas pessoas que foram super influentes na minha carreira acadêmica, ou melhor, têm sido, na verdade. Antes de falar do Guido Imbens, preciso falar do PB, o Ricardo Paes de Barros, meu colega hoje do Insper, meu orientador no mestrado e que sempre me serviu como um modelo inspirador na profissão. O interesse dele por temas sociais no âmbito de desigualdade, pobreza e mercado de trabalho acabaram me levando para tentar entender as relações no mercado de trabalho, nas diversas variáveis econômicas e estabelecer um rigor para identificar esse efeito. Foi depois que eu fiz a dissertação com o PB, que eu fui parar em Berkeley. Fui parar em Berkeley por conta do David Card na época. Eu queria uma coisa rigorosa entre Economia e Econometria e lá parecia ser o local ideal. Além de ter o departamento de estatística do lado, acabei fazendo um mestrado de estatística lá. Então foi um momento em que eu sabia o que eu queria estudar. Eu queria entender melhor os determinantes de pobreza, desigualdade e pensar em métodos que permitissem avaliar efeitos de políticas sobre essas variáveis.
O Guido chegou em Berkeley no final de 2001, se não me engano. Ele veio da UCLA. Ele havia sido professor em Harvard, na UCLA e foi para Berkeley como professor associado na época por um período pequeno. Ele saiu logo, alguns anos depois de eu ter terminado o doutorado. Eu fui trabalhar com ele, eu tinha interesse em regressão quantílica. Minha interação com ele foi bastante intensa nesse período curto em que tivemos contato. Ele sempre me permitiu muito acesso ao tempo dele e a gente conversava muito sobre minha tese. É uma pessoa sempre muito ocupada com trabalho, envolvido em milhões de projetos ao mesmo tempo e com uma ética do trabalho super exemplar. Tanto ele, quanto David Card. Card era o tipo de profissional que era o primeiro a chegar no departamento e último a sair, inclusive nos finais de semana. Geraram resultados porque eles colocaram a energia máxima que eles tinham para influenciar o trabalho acadêmico. Então foi essa minha trajetória, que começou com o PB. O PB é outra pessoa que também é incrível e exemplo de dedicação na profissão.
[1] Link: https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/sergio-pinheiro-firpo/
[2] Link: https://davidcard.berkeley.edu/papers/njmin-aer.pdf