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O empreendedorismo vem de um estado de espírito, de uma postura na vida, afirma Sybelle Ban

Na coluna desta semana, conheça a história de Sybelle Ban - Member of the Board of Directors at Sotreq S/A

O empreendedorismo vem de um estado de espírito, de uma postura na vida, afirma Sybelle Ban

Publicado em 20 de outubro de 2023 às 11h31.

Os acontecimentos que forjaram a pessoa que eu sou hoje sempre foram intensos. E grande parte do que vivi até aqui é fruto da minha veia empreendedora, algo que trago desde pequena. Acredito que aprender está intrinsecamente ligado ao movimento, a enxergar as oportunidades e agir com as ferramentas que estiverem à disposição. O empreendedorismo vem de um estado de espírito, de uma postura na vida, de uma mente programada a abraçar as oportunidades. E elas podem ser grandes ou mínimas.

Aprendi muito sobre isso com meus pais. Filha de pai húngaro que sobreviveu a duas guerras, ele me ensinou algo que nunca esquecerei: você pode perder tudo, mas se tiver bagagem cultural, tem condições de chegar aonde quiser. Foi assim que meu pai, Charles Ban, que falava diversas línguas e tinha um arsenal de conhecimento incrível, desembarcou no Brasil como maestro e trabalhou como caixeiro-viajante para sobreviver, aliando a base cultural com o trabalho árduo e constante. Resultado: dentro de poucos anos conquistou uma condição financeira capaz de proporcionar ótima qualidade de vida para toda a família. Ele foi um grande mentor, ainda que invisível ou não titulado desta forma. Acompanhar seu crescimento e a forma como levou as adversidades foi muito motivador em todos os aspectos.

De minha mãe a inspiração veio pelo fato de ter sido, desde muito jovem, uma mulher à frente do tempo. Brasileira do estado do Espírito Santo, se mudou para o Rio de Janeiro para fazer faculdade e ali conheceu meu pai, conversando em francês. Já casada, foi fiscal do Ministério da Educação e Cultura (MEC), e, por sua ética e dedicação, era conhecida por todos como “fiscal-caxias”. E nada a parava. Já com sessenta anos de idade resolveu fazer mestrado em Filosofia, trabalhando a tese de ideologia de valores.

E tudo isso se impregnou muito forte em mim, bem como a ética e a pontualidade. Ambos tinham posicionamentos ideológicos distintos do padrão vigente e baseados em valores fortes e bem definidos. Cresci ouvindo muitas histórias, sem saber que, na verdade, estas eram grandes óperas. E mesmo com seu peso quase trágico, estas memórias tingiram minha infância com o gosto pelos clássicos. E este padrão familiar era difícil de sustentar socialmente, tamanha a diferença frente às minhas amigas. Mas, com o tempo, aprendi a valorizar essa diferença cultural que marcaria definitivamente minha vida, especialmente pelo pensamento crítico e a abertura para o novo.

Flexibilidade e adaptabilidade: características que fazem a diferença

Nasci em São Paulo, no bairro do Brooklin, mas não fiquei ali por muito tempo. Em razão do trabalho de meu pai, mudávamos constantemente. Ainda pequena, morei em São José do Rio Preto/SP, e, posteriormente, em Nova Friburgo/RJ e Niterói/RJ, onde a família fixou o negócio. Estas sucessivas chegadas e partidas me obrigaram a semear frutos diversas vezes e a reiniciar e fazer novas amizades de tempos em tempos. Contudo, este obstáculo transformou-se em força, pois desenvolveu em mim flexibilidade e capacidade de adaptação, algo que, na hora, não tinha sabedoria para enxergar, mas que hoje percebo como algo espetacular.

Desta família forte e quase caótica veio o ímpeto por trabalhar, mesmo sem necessidade financeira. Aos quinze anos estudava em um colégio de freiras e participava do grupo de jovens. Aos sábados, investia parte do dia para fazer assistência social, visitando famílias carentes. Nossa tarefa não era levar recursos e sim ouvir e dar um pouco de conforto àquelas pessoas com histórias de vida tão diferentes das minhas.

Aos dezessete anos entrei na Universidade Federal Fluminense (UFF) e comecei o curso de Psicologia. Coincidentemente neste período, devido à falta de professores de Língua Portuguesa no país, houve uma brecha no MEC – Ministério da Educação e Cultura - que avalizava pessoas com base no desempenho no vestibular para darem aulas desta disciplina em escolas públicas. E lá fui eu.

Ali compreenderia a enorme responsabilidade que assumira. Foi neste momento também que descobri a paixão pelo papel de educadora e expandi o nível de oratória, que muito me valeu e vale profissionalmente. E mesmo com os diversos entraves, principalmente pelo fato daqueles alunos de 5ª e 6ª série serem todos bem mais velhos que eu, consegui fazer conexão com eles e desenvolver assim meus soft skills – habilidades interpessoais. Quando olho para trás e revejo esta passagem, logo penso: estava a fim mesmo de trabalhar, de empreender na vida. Não foi uma experiência longa, porque logo a faculdade exigiu de mim o período integral. Mas foi um grande aprendizado de empatia.

Siga sua intuição e invista naquilo que completa você

Ao longo dos cinco anos da graduação procurei diferentes estágios. Dentre eles, a Clínica Dr. Eiras, onde trabalhei com pacientes psicóticos. Ali aprendi a lidar com a resiliência ao ver um trabalho de meses junto a um paciente sucumbir frente à reincidência de internações. Também desenvolvi a humildade de ter em mente que existiam fatos que não dependiam exclusivamente de mim; e que, de minha parte, caberia fazer tudo o que fosse possível dentro do que estivesse ao meu alcance.

O outro estágio foi na Escola Miraflores de Niterói/RJ, onde auxiliava professores a lidarem com o comportamento de crianças e adolescentes. Depois migrei para a empresa Arsa, responsável pela construção do Aeroporto Internacional e ali tive a oportunidade de passar por todas as áreas de recursos humanos. E dessa experiência veio o primeiro convite de trabalho, apenas um mês após a minha graduação.

Minha contratação não foi algo bem aceito pelo meu pai, que queria que eu continuasse investindo no mestrado e disse que cortaria a mesada caso eu assumisse o emprego. Porém, a ideia de iniciar profissionalmente me atraía, fosse da maneira que fosse, e lá fui eu, ganhando bem menos do que a mesada, mas feliz pela oportunidade que se abria no horizonte.

Entre as colegas de faculdade, o meu SIM também causou estranhamento, pois na época a ênfase era a clínica, e trabalhar dentro de uma empresa era considerado uma traição ideológica. Mas, acreditando ser o melhor para mim, mantive os planos e segui em frente. O que não imaginava é que aquela “causalidade” estaria traçando meu destino profissional. E a formação como psicóloga, que parecia pouco adequada, em muito ajudaria a percorrer os meandros e armadilhas organizacionais.

Seja um vendedor de ideias

Comecei na Dataprev – empresa de tecnologia e informações da Previdência Social - a convite de uma ex-supervisora de estágio. Talvez em parte a tenha impactado o fato de espontaneamente ter decidido trabalhar em horário integral no período das férias da faculdade, mesmo com a bolsa se mantendo a mesma, uma vez que a demanda era grande e poderia ajudar.

No início estranhei o ritmo lento da empresa, pois vinha de uma vida de muitas atividades, estágios diversos, aulas, grupos de estudos e, de repente, a rotina empresarial se impunha. Achei que não conseguiria permanecer muito tempo por ali. Mas, com um pouco de paciência e dedicação encontrei o espaço onde agregaria valor e ficaria por doze anos.

Os desafios eram inúmeros para entregarmos a qualificação dos técnicos do antigo SINPAS – em um novo sistema operacional, e tudo foi acontecendo em nível nacional. Pouco mais de um ano depois assumiria a primeira posição gerencial, aos 21 anos – gerência de apoio metodológico. Quatro anos depois, fui indicada para substituir o superintendente que assumiria um novo cargo dentro da empresa, e aceitei sair da zona de conforto com alegria. Aprendi muito nestes anos dentro de uma empresa majoritariamente masculina e focada no aspecto técnico. Ali iniciei a carreira de vendedora de ideias, o que é bem mais complexo do que vender produtos tangíveis.

Eu sempre trabalhei com homens, engenheiros na sua maioria, e muitos deles mecanicistas, com pensamentos cartesianos de causa e efeito. E o desafio era vender a ideia de desenvolvimento de pessoas e lideranças, quebrar o argumento de: sempre foi assim e deu certo, por que reinventar?, ressaltando sempre que é importante ter uma equipe motivada e engajada, e não baseada no “comando”, um estilo de liderança coercitivo. Aos poucos, fui quebrando este paradigma e os resultados foram surgindo.

Fiz uma carreira bem-sucedida na Dataprev – empresa de tecnologia e informações da Previdência Social -, e saí no auge, porque havia entendido que meu tempo ali estava no fim e pouco teria a crescer seguindo naquela posição. Era hora de encontrar novos horizontes.

Conheça seus pares e abra oportunidades para a equipe contribuir

E foi neste momento que surgiu o convite para a companhia Sotreq, onde ingressei como gerente geral de desenvolvimento de pessoas, sendo a única mulher na empresa em um cargo de gestão. Nos primeiros meses, viajei para todas as filiais para conhecer os diretores regionais e a receptividade foi espetacular. Diferente do padrão vigente do RH anterior, que trabalhava à base do SIM ou NÂO, eu passava a mensagem de que tínhamos que pensar juntos. E assim tinha uma visão melhor das armadilhas e construía o pensamento junto com eles em vez de dizer o que cada um deveria ou não fazer.

Hoje, 34 anos depois, atuo como conselheira da Sotreq e da SotreqPar, sou acionista minoritária do grupo e presidente do Instituto Social Sotreq. Neste percurso, estive à frente de áreas como ambiente humano, marketing, suprimentos, trading e co-located na unidade de mineração. Galguei a posição de estrategista aos poucos. Tudo foi acontecendo espontaneamente e sempre que podia me colocava à disposição para contribuir. Quando me dei conta, estava à frente como estrategista e na posição de CSO – Chief Strategy Officer.

Posso dizer que nível de exposição pessoal foi alto na vida profissional. Numa ocasião em que assumi uma posição desafiadora e complexa, ouvi meu líder dizer: Não sei se você foi corajosa ou ingênua ao aceitar esse desafio. Acredito que as duas palavras me definem: a coragem para enfrentar o que se apresenta, com o gosto pelo novo. Sem dúvida, algumas vezes aceitei desafios de modo até meio ingênuo, mas com muita energia e assim dava certo. Creio que o modelo paterno daquele que venceu partindo do zero moldou o espírito corajoso e de estar sempre disposta a uma boa luta.

Outra característica que acredito ser um diferencial na minha maneira de ser na vida é a sinceridade. Por exemplo, no trabalho, quando sou indagada como estão indo as coisas tenho por hábito discorrer sobre o que vai bem e o que não vai, da mesma forma. Acredito que este modo de ser inspira confiança.

O líder conecta e sabe transitar entre diferentes estilos de liderança

Outro dia li algo que resume muito o que penso sobre liderança: “Um grande líder é um treinador, não um gerenciador de tarefas. Ele ajuda a conectar o trabalho das pessoas ao seu propósito, pensa sobre metas específicas, quais os objetivos e como todo o trabalho se encaixa.”

Para ser um grande líder é preciso investir em autoconhecimento, além do conhecimento humano e nos soft skills – habilidades interpessoais -, baseado, é claro, nas competências de um líder. Por exemplo: saber manejar os diferentes estilos de liderança, dependendo da ocasião e da maturidade do colaborador, desenvolver competências como visão estratégica, foco no cliente, leitura de cenários, engajamento e colaboração, gestão do clima organizacional, dentre outras habilidades.

Fuja das armadilhas da liderança

Creio que a maior armadilha como líder seja cercar-se de pessoas pouco brilhantes, para não haver sombra. Se pensa dessa forma, saiba que nem você, nem o time vão crescer. Isso vale para não desenvolver um sucessor, ou seja, não dará chance para você crescer também.

Uma outra armadilha é a disputa pela propriedade de ideias e projetos. Muitas vezes podemos construir uma terceira via a partir das nossas ideias associadas e de outros. Mas o ego muitas vezes não deixa o profissional sequer ouvir a outra proposta e buscar as convergências para que aquela ideia vá adiante e beneficie o todo.

Outra questão é o profissional apertar-se na cadeira. Ou seja, não executar algo porque não está no seu escopo. Ora, você pode expandir a sua cadeira, sem atropelar colegas é claro, mas contribuindo para que os resultados sejam alcançados.

O medo de errar é fatal também. A inovação dificilmente vem sem tentativas frustradas. O velho refrão só não erra quem não faz é bastante verdadeiro. Mas isso exige algum nível de coragem e capacidade de admitir os erros e aprender com eles.

Por fim diria que outro grande erro seria não se empoderar, assumindo alguns riscos viáveis, é claro, com foco em realizar as entregas como se a empresa fosse sua. Saia da armadilha do não sou pago para isso.

Invista em ações que façam a diferença

O voluntariado é um capítulo de destaque na minha vida. Muito jovem já me dedicava à assistência social, como citei anteriormente. E esta vontade de contribuir veio muito influenciada pelos valores repassados dentro da família. Em 9 de junho de 2005, com muita alegria ajudei a fundar o Instituto Social Sotreq – iSSO, que hoje tem presença em 90% do país atuando em qualificação profissional, enriquecimento educacional, inclusão digital e ações socioambientais, do qual tenho a honra de ser presidente, dezoito anos após a sua criação. Hoje dedico 40% do meu tempo ao instituto.

Também na esteira do voluntariado sou conselheira do Tergar International, uma ONG baseada em Minneapolis – cidade mais populosa do estado norte-americano de Minnesota -, voltada a difundir a meditação em todo o mundo. Participei como mentora de jovens menos favorecidos no Programa Raízes da Fundação Dom Cabral e hoje sigo no FDC Angels – rede de investidores apoiadores de iniciativas promissoras. Por fim, estou iniciando uma formação internacional de um ano, o Meditation Teacher Program, que irá me motivar ainda mais na busca pelo autodesenvolvimento, cuja capacitação pretendo aplicar de modo voluntário em comunidades menos favorecidas.

Tenha a rede de apoio como sua aliada para o sucesso

A rede de apoio, seja ela qual for, é fundamental. E ela pode ser pai, mãe ou um amigo de confiança. Eu fui construindo novas redes de apoio e este processo foi muito importante. Um dos livros que estou lendo agora relata, inclusive, sobre essa questão da cooperação e do networking. Recordo-me também de um curso que fiz, na London Business School, onde era abordado sobre mudar o sentido da Competition para Co-competition, ou seja, você vai junto com seu competidor em algumas brechas. E trago isso para minha vida. Você tem a sua ideia e você quer que seja sua a vencedora. E às vezes a ideia do outro pode ser tão boa quanto a sua. Se ele tiver mais chance, deixe-o ir, porque o importante é o fluxo seguir, o projeto ser implantado. Isso tem a ver com colaboração e rede de apoio.

Tome posse do sucesso

A energia para você vencer na vida, é sua. Você não precisa - nem deve - seguir o bando. Passamos a vida buscando pertencimento e algumas vezes sabotando nosso próprio talento por esta razão. Se você não encarar a sua vida com força e com vontade, o fluxo não acontece. Não adianta apontar o dedo para fora, para tentar encontrar um culpado. Você é o proprietário do seu sucesso e do seu insucesso - e só você.

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Aprendi muito sobre isso com meus pais. Filha de pai húngaro que sobreviveu a duas guerras, ele me ensinou algo que nunca esquecerei: você pode perder tudo, mas se tiver bagagem cultural, tem condições de chegar aonde quiser. Foi assim que meu pai, Charles Ban, que falava diversas línguas e tinha um arsenal de conhecimento incrível, desembarcou no Brasil como maestro e trabalhou como caixeiro-viajante para sobreviver, aliando a base cultural com o trabalho árduo e constante. Resultado: dentro de poucos anos conquistou uma condição financeira capaz de proporcionar ótima qualidade de vida para toda a família. Ele foi um grande mentor, ainda que invisível ou não titulado desta forma. Acompanhar seu crescimento e a forma como levou as adversidades foi muito motivador em todos os aspectos.

De minha mãe a inspiração veio pelo fato de ter sido, desde muito jovem, uma mulher à frente do tempo. Brasileira do estado do Espírito Santo, se mudou para o Rio de Janeiro para fazer faculdade e ali conheceu meu pai, conversando em francês. Já casada, foi fiscal do Ministério da Educação e Cultura (MEC), e, por sua ética e dedicação, era conhecida por todos como “fiscal-caxias”. E nada a parava. Já com sessenta anos de idade resolveu fazer mestrado em Filosofia, trabalhando a tese de ideologia de valores.

E tudo isso se impregnou muito forte em mim, bem como a ética e a pontualidade. Ambos tinham posicionamentos ideológicos distintos do padrão vigente e baseados em valores fortes e bem definidos. Cresci ouvindo muitas histórias, sem saber que, na verdade, estas eram grandes óperas. E mesmo com seu peso quase trágico, estas memórias tingiram minha infância com o gosto pelos clássicos. E este padrão familiar era difícil de sustentar socialmente, tamanha a diferença frente às minhas amigas. Mas, com o tempo, aprendi a valorizar essa diferença cultural que marcaria definitivamente minha vida, especialmente pelo pensamento crítico e a abertura para o novo.

Flexibilidade e adaptabilidade: características que fazem a diferença

Nasci em São Paulo, no bairro do Brooklin, mas não fiquei ali por muito tempo. Em razão do trabalho de meu pai, mudávamos constantemente. Ainda pequena, morei em São José do Rio Preto/SP, e, posteriormente, em Nova Friburgo/RJ e Niterói/RJ, onde a família fixou o negócio. Estas sucessivas chegadas e partidas me obrigaram a semear frutos diversas vezes e a reiniciar e fazer novas amizades de tempos em tempos. Contudo, este obstáculo transformou-se em força, pois desenvolveu em mim flexibilidade e capacidade de adaptação, algo que, na hora, não tinha sabedoria para enxergar, mas que hoje percebo como algo espetacular.

Desta família forte e quase caótica veio o ímpeto por trabalhar, mesmo sem necessidade financeira. Aos quinze anos estudava em um colégio de freiras e participava do grupo de jovens. Aos sábados, investia parte do dia para fazer assistência social, visitando famílias carentes. Nossa tarefa não era levar recursos e sim ouvir e dar um pouco de conforto àquelas pessoas com histórias de vida tão diferentes das minhas.

Aos dezessete anos entrei na Universidade Federal Fluminense (UFF) e comecei o curso de Psicologia. Coincidentemente neste período, devido à falta de professores de Língua Portuguesa no país, houve uma brecha no MEC – Ministério da Educação e Cultura - que avalizava pessoas com base no desempenho no vestibular para darem aulas desta disciplina em escolas públicas. E lá fui eu.

Ali compreenderia a enorme responsabilidade que assumira. Foi neste momento também que descobri a paixão pelo papel de educadora e expandi o nível de oratória, que muito me valeu e vale profissionalmente. E mesmo com os diversos entraves, principalmente pelo fato daqueles alunos de 5ª e 6ª série serem todos bem mais velhos que eu, consegui fazer conexão com eles e desenvolver assim meus soft skills – habilidades interpessoais. Quando olho para trás e revejo esta passagem, logo penso: estava a fim mesmo de trabalhar, de empreender na vida. Não foi uma experiência longa, porque logo a faculdade exigiu de mim o período integral. Mas foi um grande aprendizado de empatia.

Siga sua intuição e invista naquilo que completa você

Ao longo dos cinco anos da graduação procurei diferentes estágios. Dentre eles, a Clínica Dr. Eiras, onde trabalhei com pacientes psicóticos. Ali aprendi a lidar com a resiliência ao ver um trabalho de meses junto a um paciente sucumbir frente à reincidência de internações. Também desenvolvi a humildade de ter em mente que existiam fatos que não dependiam exclusivamente de mim; e que, de minha parte, caberia fazer tudo o que fosse possível dentro do que estivesse ao meu alcance.

O outro estágio foi na Escola Miraflores de Niterói/RJ, onde auxiliava professores a lidarem com o comportamento de crianças e adolescentes. Depois migrei para a empresa Arsa, responsável pela construção do Aeroporto Internacional e ali tive a oportunidade de passar por todas as áreas de recursos humanos. E dessa experiência veio o primeiro convite de trabalho, apenas um mês após a minha graduação.

Minha contratação não foi algo bem aceito pelo meu pai, que queria que eu continuasse investindo no mestrado e disse que cortaria a mesada caso eu assumisse o emprego. Porém, a ideia de iniciar profissionalmente me atraía, fosse da maneira que fosse, e lá fui eu, ganhando bem menos do que a mesada, mas feliz pela oportunidade que se abria no horizonte.

Entre as colegas de faculdade, o meu SIM também causou estranhamento, pois na época a ênfase era a clínica, e trabalhar dentro de uma empresa era considerado uma traição ideológica. Mas, acreditando ser o melhor para mim, mantive os planos e segui em frente. O que não imaginava é que aquela “causalidade” estaria traçando meu destino profissional. E a formação como psicóloga, que parecia pouco adequada, em muito ajudaria a percorrer os meandros e armadilhas organizacionais.

Seja um vendedor de ideias

Comecei na Dataprev – empresa de tecnologia e informações da Previdência Social - a convite de uma ex-supervisora de estágio. Talvez em parte a tenha impactado o fato de espontaneamente ter decidido trabalhar em horário integral no período das férias da faculdade, mesmo com a bolsa se mantendo a mesma, uma vez que a demanda era grande e poderia ajudar.

No início estranhei o ritmo lento da empresa, pois vinha de uma vida de muitas atividades, estágios diversos, aulas, grupos de estudos e, de repente, a rotina empresarial se impunha. Achei que não conseguiria permanecer muito tempo por ali. Mas, com um pouco de paciência e dedicação encontrei o espaço onde agregaria valor e ficaria por doze anos.

Os desafios eram inúmeros para entregarmos a qualificação dos técnicos do antigo SINPAS – em um novo sistema operacional, e tudo foi acontecendo em nível nacional. Pouco mais de um ano depois assumiria a primeira posição gerencial, aos 21 anos – gerência de apoio metodológico. Quatro anos depois, fui indicada para substituir o superintendente que assumiria um novo cargo dentro da empresa, e aceitei sair da zona de conforto com alegria. Aprendi muito nestes anos dentro de uma empresa majoritariamente masculina e focada no aspecto técnico. Ali iniciei a carreira de vendedora de ideias, o que é bem mais complexo do que vender produtos tangíveis.

Eu sempre trabalhei com homens, engenheiros na sua maioria, e muitos deles mecanicistas, com pensamentos cartesianos de causa e efeito. E o desafio era vender a ideia de desenvolvimento de pessoas e lideranças, quebrar o argumento de: sempre foi assim e deu certo, por que reinventar?, ressaltando sempre que é importante ter uma equipe motivada e engajada, e não baseada no “comando”, um estilo de liderança coercitivo. Aos poucos, fui quebrando este paradigma e os resultados foram surgindo.

Fiz uma carreira bem-sucedida na Dataprev – empresa de tecnologia e informações da Previdência Social -, e saí no auge, porque havia entendido que meu tempo ali estava no fim e pouco teria a crescer seguindo naquela posição. Era hora de encontrar novos horizontes.

Conheça seus pares e abra oportunidades para a equipe contribuir

E foi neste momento que surgiu o convite para a companhia Sotreq, onde ingressei como gerente geral de desenvolvimento de pessoas, sendo a única mulher na empresa em um cargo de gestão. Nos primeiros meses, viajei para todas as filiais para conhecer os diretores regionais e a receptividade foi espetacular. Diferente do padrão vigente do RH anterior, que trabalhava à base do SIM ou NÂO, eu passava a mensagem de que tínhamos que pensar juntos. E assim tinha uma visão melhor das armadilhas e construía o pensamento junto com eles em vez de dizer o que cada um deveria ou não fazer.

Hoje, 34 anos depois, atuo como conselheira da Sotreq e da SotreqPar, sou acionista minoritária do grupo e presidente do Instituto Social Sotreq. Neste percurso, estive à frente de áreas como ambiente humano, marketing, suprimentos, trading e co-located na unidade de mineração. Galguei a posição de estrategista aos poucos. Tudo foi acontecendo espontaneamente e sempre que podia me colocava à disposição para contribuir. Quando me dei conta, estava à frente como estrategista e na posição de CSO – Chief Strategy Officer.

Posso dizer que nível de exposição pessoal foi alto na vida profissional. Numa ocasião em que assumi uma posição desafiadora e complexa, ouvi meu líder dizer: Não sei se você foi corajosa ou ingênua ao aceitar esse desafio. Acredito que as duas palavras me definem: a coragem para enfrentar o que se apresenta, com o gosto pelo novo. Sem dúvida, algumas vezes aceitei desafios de modo até meio ingênuo, mas com muita energia e assim dava certo. Creio que o modelo paterno daquele que venceu partindo do zero moldou o espírito corajoso e de estar sempre disposta a uma boa luta.

Outra característica que acredito ser um diferencial na minha maneira de ser na vida é a sinceridade. Por exemplo, no trabalho, quando sou indagada como estão indo as coisas tenho por hábito discorrer sobre o que vai bem e o que não vai, da mesma forma. Acredito que este modo de ser inspira confiança.

O líder conecta e sabe transitar entre diferentes estilos de liderança

Outro dia li algo que resume muito o que penso sobre liderança: “Um grande líder é um treinador, não um gerenciador de tarefas. Ele ajuda a conectar o trabalho das pessoas ao seu propósito, pensa sobre metas específicas, quais os objetivos e como todo o trabalho se encaixa.”

Para ser um grande líder é preciso investir em autoconhecimento, além do conhecimento humano e nos soft skills – habilidades interpessoais -, baseado, é claro, nas competências de um líder. Por exemplo: saber manejar os diferentes estilos de liderança, dependendo da ocasião e da maturidade do colaborador, desenvolver competências como visão estratégica, foco no cliente, leitura de cenários, engajamento e colaboração, gestão do clima organizacional, dentre outras habilidades.

Fuja das armadilhas da liderança

Creio que a maior armadilha como líder seja cercar-se de pessoas pouco brilhantes, para não haver sombra. Se pensa dessa forma, saiba que nem você, nem o time vão crescer. Isso vale para não desenvolver um sucessor, ou seja, não dará chance para você crescer também.

Uma outra armadilha é a disputa pela propriedade de ideias e projetos. Muitas vezes podemos construir uma terceira via a partir das nossas ideias associadas e de outros. Mas o ego muitas vezes não deixa o profissional sequer ouvir a outra proposta e buscar as convergências para que aquela ideia vá adiante e beneficie o todo.

Outra questão é o profissional apertar-se na cadeira. Ou seja, não executar algo porque não está no seu escopo. Ora, você pode expandir a sua cadeira, sem atropelar colegas é claro, mas contribuindo para que os resultados sejam alcançados.

O medo de errar é fatal também. A inovação dificilmente vem sem tentativas frustradas. O velho refrão só não erra quem não faz é bastante verdadeiro. Mas isso exige algum nível de coragem e capacidade de admitir os erros e aprender com eles.

Por fim diria que outro grande erro seria não se empoderar, assumindo alguns riscos viáveis, é claro, com foco em realizar as entregas como se a empresa fosse sua. Saia da armadilha do não sou pago para isso.

Invista em ações que façam a diferença

O voluntariado é um capítulo de destaque na minha vida. Muito jovem já me dedicava à assistência social, como citei anteriormente. E esta vontade de contribuir veio muito influenciada pelos valores repassados dentro da família. Em 9 de junho de 2005, com muita alegria ajudei a fundar o Instituto Social Sotreq – iSSO, que hoje tem presença em 90% do país atuando em qualificação profissional, enriquecimento educacional, inclusão digital e ações socioambientais, do qual tenho a honra de ser presidente, dezoito anos após a sua criação. Hoje dedico 40% do meu tempo ao instituto.

Também na esteira do voluntariado sou conselheira do Tergar International, uma ONG baseada em Minneapolis – cidade mais populosa do estado norte-americano de Minnesota -, voltada a difundir a meditação em todo o mundo. Participei como mentora de jovens menos favorecidos no Programa Raízes da Fundação Dom Cabral e hoje sigo no FDC Angels – rede de investidores apoiadores de iniciativas promissoras. Por fim, estou iniciando uma formação internacional de um ano, o Meditation Teacher Program, que irá me motivar ainda mais na busca pelo autodesenvolvimento, cuja capacitação pretendo aplicar de modo voluntário em comunidades menos favorecidas.

Tenha a rede de apoio como sua aliada para o sucesso

A rede de apoio, seja ela qual for, é fundamental. E ela pode ser pai, mãe ou um amigo de confiança. Eu fui construindo novas redes de apoio e este processo foi muito importante. Um dos livros que estou lendo agora relata, inclusive, sobre essa questão da cooperação e do networking. Recordo-me também de um curso que fiz, na London Business School, onde era abordado sobre mudar o sentido da Competition para Co-competition, ou seja, você vai junto com seu competidor em algumas brechas. E trago isso para minha vida. Você tem a sua ideia e você quer que seja sua a vencedora. E às vezes a ideia do outro pode ser tão boa quanto a sua. Se ele tiver mais chance, deixe-o ir, porque o importante é o fluxo seguir, o projeto ser implantado. Isso tem a ver com colaboração e rede de apoio.

Tome posse do sucesso

A energia para você vencer na vida, é sua. Você não precisa - nem deve - seguir o bando. Passamos a vida buscando pertencimento e algumas vezes sabotando nosso próprio talento por esta razão. Se você não encarar a sua vida com força e com vontade, o fluxo não acontece. Não adianta apontar o dedo para fora, para tentar encontrar um culpado. Você é o proprietário do seu sucesso e do seu insucesso - e só você.

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