Capacidade para assumir desafios é lapidada nas primeiras fases da vida
Histórias êxitos dos executivos também possuem inúmeros percalços, mas estes são relegados por se pensar que o lado positivo, o sucesso, deve sobressair
Da Redação
Publicado em 14 de agosto de 2021 às 10h00.
Última atualização em 9 de setembro de 2021 às 11h45.
Por: Fabiana Monteiro
João Pedro Paro Neto, Presidente Mastercard Brasil e Cone Sul*
Após chegar ao nível profissional no qual me encontro, consigo identificar três fatos marcantes, que lapidaram minha personalidade e produziram a essência de quem sou. O primeiro deles foi deixar a terra natal, Colina de 16 mil habitantes, para estudar em Barretos. As duas cidades ficam no interior do estado de São Paulo, ambas pacatas, contudo Barretos é mais desenvolvida em relação à cidade onde nasci. Essa primeira mudança foi impactante, sofri ao ter de enfrentar a rotina de uma cidade maior do que a que morava. Precisei de tempo para me adaptar e aprender a lidar com situações jamais vividas.
Já o segundo fato ocorreu quando fui morar nos Estados Unidos. Ainda com pouca vivência de mundo, aceitei a experiência e mergulhei em uma cultura muito distinta da qual estava habituado desde a infância. Cursar o high school - fase escolar equivalente ao ensino médio no Brasil - sem nunca ter estudado inglês, foi o meu grande desafio. Entretanto, tive muito apoio da minha família norte-americana, logo no começo do intercâmbio ganhei de minha mãe americana um dicionário para aprender mais rápido o novo idioma. Eu tinha pressa, precisava me comunicar com a máxima desenvoltura possível porque, do contrário, seria reprovado na escola, assim ficaria distante de alcançar minha meta.
Essa experiência tornou-se um marco em minha vida, já que não é tarefa fácil, para um rapaz de cidade pequena, integrar-se a novos hábitos, regras sociais específicas, cuidar de si. Tive de adequar, inclusive, a forma de alimentar-me porque, aos finais de semana, não havia churrasco, basicamente consumia fast-food. Foi uma experiência incrível e bastante enriquecedora do ponto de vista pessoal e cultural.
Por fim, o terceiro fato marcante na minha formação surgiu quando retornei do exterior para morar em São Paulo com a responsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos. Aprendi, nessa fase, novas coisas, cotidianas, tal cozinhar porque precisava cuidar de meus irmãos, fazer compra no mercado de maneira consciente, controlar quaisquer recursos disponíveis com bom senso, em resumo, manter-me à frente da administração do lar. Assim, iniciava-se, de fato, a vida adulta de responsabilidades e maiores desafios.
Todas essas experiências foram complexas, todavia não as critico porque elas trouxeram-me ensinamentos valiosos e uma formação humana ímpar. Hoje, costumo brincar com minha mãe lembrando-a do quanto ela colocou-me em “enrascadas”. Na verdade, foi exatamente por causa das múltiplas experiências adquiridas bem cedo no decorrer da vida que formei a personalidade capaz de conquistar os objetivos traçados até agora. Sempre busco meus propósitos com afinco, sem me importar com o nível de dificuldade ou mesmo me prender em negócios deixados para trás.
Histórias repletas de êxitos também possuem inúmeros percalços, mas estes são relegados a segundo plano por se pensar que apenas o lado positivo, o sucesso, deve sobressair e aparecer nos holofotes. Dessa forma, é de fundamental importância saber lidar com vitórias e derrotas, já que ambas são naturais a qualquer trajetória. Quanto mais aprendemos com os tropeços, maior é a chance de crescimento, superação e confiança rumo a novas conquistas.
Enfim, o conhecimento adquirido no processo é constituído por vitórias e derrotas, sempre haverá uma pedra no meio do caminho, todo propósito passa por obstáculos, isso é normal, às vezes, somos derrotados pelo simples fato de estarmos despreparados e, nesse contexto, para mim, ser competitivo tem maior relevância do que ganhar ou perder. Em qualquer situação, nada é mais frustrante do que sair mal numa disputa. Por isso, trabalho as minhas frustrações de forma a pensar que posso até ser derrotado várias vezes, entretanto dedico-me a jogar cada vez melhor, com crescente habilidade, concentração e discernimento sobre o ambiente de negócios e suas regras.
Desvendando o mundo dos negócios
Nos últimos anos, o universo corporativo tem se tornado muito complexo, com situações bem mais desafiadoras em comparação às encontradas num passado não tão distante. Aqui, na Mastercard, conquistamos alguns clientes só depois de vários anos trabalhando duro. Devido à globalização mundial, ser executivo hoje é uma atividade extremamente complexa, inclusive por conta da imensa quantidade de informação disponível. Se antes era possível tomar decisões em poucos minutos, agora, precisa-se de algumas horas de trabalho em pesquisa e análise antes de definir algo.
Atualmente, tenho um know-how conquistado por meio de inúmeras experiências com resultados bastante positivos. Tive grandes exemplos ao longo dessa jornada e cito como grande mentor Fabio Barbosa. Em 2005, quando trabalhei no ABN Amro Group; ele, na época, CEO do Banco Real, decidiu vender sua seguradora para a Tokio Marine Seguradora, a qual nos chamou para ficar à frente dos processos de integração. Então, na condição de um dos membros da diretoria do banco, permaneci inteirado de cada detalhe, lembro-me de interagir na criação do novo modelo de negócios, de dar ideias à elaboração do logotipo e, de forma geral, colaborar no processo que levou a Tokio Marine ao patamar de destaque em seu nicho de mercado. Mesmo sendo um trâmite longo e complexo, foi prazeroso participar da construção de uma companhia diferente das concorrentes. Tal êxito só foi possível porque houve muita paixão e profissionalismo na execução do projeto. Por isso, passei a ser funcionário da Tokio Marine.
Aliás, por trás de cases bem-sucedidos, sempre há profissionais trabalhando com alegria e disposição porque amam aquilo que executam. Dessa maneira, sucesso, para mim, é fazer as pessoas felizes. Outro dia, aqui na Mastercard, reencontrei, por acaso, um rapaz que foi meu estagiário no Banco Boa Vista, ele agradeceu-me por ter salvado sua carreira, porque, naquela época, convenci-o a desistir da demissão. Depois disso, o jovem relatou que ascendeu na carreira e, agora, está adquirindo experiência internacional na Colômbia. Não tinha ideia do quão importante foi aquela minha atitude, mas sei que a fiz pensando no ser humano e profissional em formação, com olhar fraterno. Mesmo eu sendo brincalhão, com fama de contador de histórias e agregador, tenho plena consciência da maneira como trato as pessoas porque transformá-las está entre meus propósitos de vida.
Cabe aqui ressaltar também que, durante a minha carreira, também encontrei quem estivesse disposto a fazer o mesmo por mim, uma das razões pelas quais tenho tanto prazer em ajudar os semelhantes, precisamos ser bons exemplos para que outros sigam. Para exemplificar, lembro-me de quando era estagiário na área de engenharia em 1983, sonhava trabalhar em banco e, certo dia, um profissional desse segmento foi à empresa em que eu trabalhava ministrar palestra sobre os serviços de sua instituição financeira. Depois de assistir à apresentação, revelei a ele meu desejo e fui convidado a visitá-lo no escritório no dia seguinte. Fui até lá, conversarmos e acabei contratado pelo Itaú. Daí em diante, a vida tomou rumo, aprendi a realizar com qualidade o novo serviço e, aos poucos, comecei a ganhar projeção dentro e fora do banco, até o momento que recebi uma proposta melhor para continuar desenvolvendo minha carreira em outra empresa. Tentei sair, mas meu primeiro mentor, Carlos, impediu-me.
Tempos depois, ele chamou-me para dizer que eu deveria ir ao escritório do doutor Sérgio, braço direito de Olavo Setúbal, dono do Itaú. Minha missão resumia-se a entregar-lhe um documento. Cumpri a tarefa de forma rápida, permaneci cerca de dois minutos na sala dele, e, ao sair, a secretária avisou-me que eu deveria voltar no dia seguinte. No segundo encontro, o doutor Sérgio comunicou-me que eu começaria, no dia seguinte, a trabalhar com ele e minha primeira incumbência seria abrir a conta de 20 clientes. Não fazia a menor ideia de como proceder, mas aprendi e, aos poucos, vi que, com determinação e atenção aos detalhes, poderia superar aquele desafio tão difícil naquele momento da minha carreira.
Com vários contatos em mãos, iniciei o desafio. O primeiro possível cliente demorou meses para agendar a reunião e dispensou-me em menos de cinco minutos. Em outra empresa, era proibido entrar qualquer contato do banco. Na lista, havia contas de grandes empresas nacionais e com grande dificuldade de acesso, mas, com muito esforço, alcancei meu objetivo em oito meses e, a partir disso, minha carreira disparou. Logo, surgiu outro desafio: a empresa de leasing do Itaú ocupava a vigésima posição no ranking do setor e minha incumbência era reverter essa situação. Assim, assumi o controle desse setor e, após um ano e meio, ele era o primeiro colocado do segmento. Diante desses desafios, vejo o quanto a figura do doutor Sérgio foi importante, posso dizer que ele foi meu segundo mentor. Com ele aprendi três lições: descobrir talentos, ser detalhista e sempre acreditar que nada está perdido.
Outra história interessante ocorreu quando estava no Citibank, em 1996, e um amigo insistia veementemente para eu trabalhar com ele no Banco Boa Vista Interatlântico, segundo ele essa experiência seria ótima para mim. Ele conseguiu convencer até a minha esposa, por fim, acabei aceitando a proposta. No primeiro dia de trabalho, ele mostrou-me uma carta do Banco Central informando que aquela instituição financeira deveria ser vendida no prazo máximo de seis meses ou seria fechada. Meu amigo escondeu tal detalhe quando fez a proposta, mesmo assim, resolvi enfrentar a situação ao invés de criticá-lo. Para tal empreitada, usei tudo o que sabia para elaborar a proposta de venda e, naquele instante, tive consciência do quão amplo era meu conhecimento. Deu tudo certo, o banco foi vendido e, mais tarde, passei a trabalhar no Real Seguros, onde passei por situação semelhante à vivenciada na Tokio Marine, por isso estava tranquilo e certo de como deveria conduzir o processo. A partir disso, os fatos foram se desenrolando naturalmente, não me sentia mais ansioso porque estava consciente de minha capacidade de gestão. A comprovação de que havia vencido importante etapa da carreira veio durante uma conversa com ícones do setor financeiro, os quais legitimaram meu desempenho profissional. Entre eles estava Lázaro Brandão, do Bradesco, e Pedro Moreira Salles, na época do Unibanco.
Mesmo com tanta bagagem, não me sinto completo, ainda há muito a aprender sobre as pessoas, elas são meu interesse principal. Leio sobre o tema, escuto especialistas e sempre há algo novo e interessante a ser usado para aprimorar as relações. Em minha opinião, quem pretende seguir carreira executiva deve desenvolver três atributos indispensáveis às trajetórias bem-sucedidas: montar uma equipe de ponta com total confiança e sinergia, manter o foco na conquista de metas e aprimorar a comunicação, fundamental não apenas para transmitir mensagens, mas também para saber lhe lidar com cada profissional, visto que há características peculiares que devem ser respeitadas segundo os perfis.
Como podem perceber, a comunicação é o meu ponto-chave, graças ao meu intercâmbio nos Estados Unidos, adquiri bastante conhecimento, em especial durante uma aula de speech (discurso) com o professor Robert Lang, que me ajudou de maneira decisiva na minha trajetória por que eu era muito tímido, não sabia falar em grupo, mas ele se empenhou para que eu passasse a me expressar de forma estruturada, afinal, como alguém interessado na área comercial poderia progredir sem se comunicar de maneira eficiente? Assim, durante toda a vida, inscrevi-me em cursos que acreditava serem úteis no sentido de acelerar o aprendizado e dinamizar a trajetória profissional. O resultado de tal empenho é nítido. Hoje, não só domino a comunicação no contato diário, mas também com frequência ministro palestras no Brasil e no exterior.
Tendências
Eu vejo a tecnologia como sinônimo de inovação e esse tema vem ditando regras, não apenas no ambiente de negócios, mas também na forma como a sociedade desenvolve-se. As mudanças ocorridas, nas últimas décadas, levaram a competitividade a um nível jamais visto anteriormente. Prova disso, está na imensa quantidade de empresas que faliram tão rápido quanto outras que surgiram para conquistar o protagonismo num mundo digital conectado e complexo em suas singularidades. Levando em consideração tal cenário, posso afirmar que o atual papel de qualquer empresa é inovar de forma constante. Não há como continuar apostando em soluções bem-sucedidas no passado porque elas não atendem às atuais necessidades de um mercado cada vez mais exigente para ter sua rotina facilitada em meio a tantas tarefas a serem executadas no período de 24 horas.
Dessa forma, a ideia principal é gerar experiências, tendo em vista fazer o cliente sentir-se melhor usando seu produto ou serviço. Recentemente, fizemos aqui, na Mastercard, experiências com certo jogo virtual acionado a partir da aquisição de créditos e conseguimos autorizar o pagamento deles quando o cliente apenas pisca o olho, sem que ele precise mudar de tela e usar as mãos. O desafio do CEO frente a rápidas mudanças de cenário consiste em criar para a empresa atributos capazes de mantê-la relevante por longo tempo. É necessário fazer apostas, algumas dão certo; outras, não. Por isso, o cargo de CEO não é ocupado eternamente, mas só enquanto sua leitura das tendências, bem como a participação da empresa levarem ao crescimento almejado.
Mesmo devidamente inserido no mercado internacional, não há em nosso país eficiência equivalente às nações mais desenvolvidas. É frustrante ver a situações se repetindo durante décadas sem que tenham surgido governantes aptos a tomar decisões capazes de reverter características negativas incrustrada na personalidade de grande parte da população. Vejo em todas as classes sociais elevada resistência a qualquer medidor de eficiência porque tal ferramenta de gestão incomoda imensamente. Apesar disso, nossa flexibilidade surge como diferencial competitivo no mundo inteiro devido à capacidade do indivíduo em se adaptar a novas situações. Assim, tenho conseguido expatriar talentos que trabalham conosco para diversos lugares do planeta porque sei que eles vão se adequar às realidades com as quais terão de interagir.
Nosso legado
Em relação ao legado, já me sinto bem feliz em ser ouvido pelas pessoas ao meu redor, isso é sinal de que há algo a ser transmitido. As histórias são inspiradoras e, ao contá-las, é possível passar mensagens, incentivar ou até consolar quando for oportuno, razão pela qual é comum colegas de trabalho virem conversar comigo agradecendo algo feito por mim em favor deles. Quanto mais puder ajudar o ser humano, mais vou me sentir feliz e ver que contribuí de maneira efetiva na vida de alguém. Quando entrei na Mastercard em 2008, a companhia era bastante diferente do que é agora e esse é outro fato marcante porque colaborei efetivamente no seu desenvolvimento. Trata-se de escrever a história com o objetivo de entregar uma companhia bem melhor em comparação ao momento de minha chegada aqui.
A família é outro ponto de suma importância no meu dia a dia, dou muito valor à união, adoro encontros familiares, ver todos conversando animadamente. Fiquei viúvo, casei-me novamente, e minhas três famílias se dão bem, talvez essa seja a prova de que agrego aos outros a harmonia. Independentemente do ambiente no qual esteja inserido, encanta-me transformar as pessoas e, vale observar: sou humilde, pois sento numa mesa com peão ou com barão com a mesma naturalidade. Após anos de trabalho, deixo a mensagem de otimismo com a certeza de que tudo é possível, depende apenas de nós. Se você tem um sonho, busque-o, dedicando-se ao máximo, sem desistir. Se momentos difíceis surgirem – e eles virão – você irá se perguntar: “até quando devo tentar? ”, a resposta é: “até conseguir”. Não desista dos seus sonhos, não desista de você.
*Graduado em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e com especialização em Advanced Executive pela Kellogg School of Management (Northwestern University), João Pedro é Presidente da Mastercard Brasil desde setembro de 2013 e é membro do comitê executivo para a região da América Latina e Caribe e do Advisor Board da Mastercard. Antes de se juntar à Mastercard, trabalhou no ABN Amro, Citibank, Tokio Marine entre outros. Começou sua carreira no Itaú e passou por diversas funções ligadas às áreas de Produtos, Marketing, Vendas etc. João Pedro é membro do conselho da Amcham e do Pacto Pelo Esporte, presidente da ABEMF e vice-presidente da Abecs.
Por: Fabiana Monteiro
João Pedro Paro Neto, Presidente Mastercard Brasil e Cone Sul*
Após chegar ao nível profissional no qual me encontro, consigo identificar três fatos marcantes, que lapidaram minha personalidade e produziram a essência de quem sou. O primeiro deles foi deixar a terra natal, Colina de 16 mil habitantes, para estudar em Barretos. As duas cidades ficam no interior do estado de São Paulo, ambas pacatas, contudo Barretos é mais desenvolvida em relação à cidade onde nasci. Essa primeira mudança foi impactante, sofri ao ter de enfrentar a rotina de uma cidade maior do que a que morava. Precisei de tempo para me adaptar e aprender a lidar com situações jamais vividas.
Já o segundo fato ocorreu quando fui morar nos Estados Unidos. Ainda com pouca vivência de mundo, aceitei a experiência e mergulhei em uma cultura muito distinta da qual estava habituado desde a infância. Cursar o high school - fase escolar equivalente ao ensino médio no Brasil - sem nunca ter estudado inglês, foi o meu grande desafio. Entretanto, tive muito apoio da minha família norte-americana, logo no começo do intercâmbio ganhei de minha mãe americana um dicionário para aprender mais rápido o novo idioma. Eu tinha pressa, precisava me comunicar com a máxima desenvoltura possível porque, do contrário, seria reprovado na escola, assim ficaria distante de alcançar minha meta.
Essa experiência tornou-se um marco em minha vida, já que não é tarefa fácil, para um rapaz de cidade pequena, integrar-se a novos hábitos, regras sociais específicas, cuidar de si. Tive de adequar, inclusive, a forma de alimentar-me porque, aos finais de semana, não havia churrasco, basicamente consumia fast-food. Foi uma experiência incrível e bastante enriquecedora do ponto de vista pessoal e cultural.
Por fim, o terceiro fato marcante na minha formação surgiu quando retornei do exterior para morar em São Paulo com a responsabilidade de cuidar dos irmãos mais novos. Aprendi, nessa fase, novas coisas, cotidianas, tal cozinhar porque precisava cuidar de meus irmãos, fazer compra no mercado de maneira consciente, controlar quaisquer recursos disponíveis com bom senso, em resumo, manter-me à frente da administração do lar. Assim, iniciava-se, de fato, a vida adulta de responsabilidades e maiores desafios.
Todas essas experiências foram complexas, todavia não as critico porque elas trouxeram-me ensinamentos valiosos e uma formação humana ímpar. Hoje, costumo brincar com minha mãe lembrando-a do quanto ela colocou-me em “enrascadas”. Na verdade, foi exatamente por causa das múltiplas experiências adquiridas bem cedo no decorrer da vida que formei a personalidade capaz de conquistar os objetivos traçados até agora. Sempre busco meus propósitos com afinco, sem me importar com o nível de dificuldade ou mesmo me prender em negócios deixados para trás.
Histórias repletas de êxitos também possuem inúmeros percalços, mas estes são relegados a segundo plano por se pensar que apenas o lado positivo, o sucesso, deve sobressair e aparecer nos holofotes. Dessa forma, é de fundamental importância saber lidar com vitórias e derrotas, já que ambas são naturais a qualquer trajetória. Quanto mais aprendemos com os tropeços, maior é a chance de crescimento, superação e confiança rumo a novas conquistas.
Enfim, o conhecimento adquirido no processo é constituído por vitórias e derrotas, sempre haverá uma pedra no meio do caminho, todo propósito passa por obstáculos, isso é normal, às vezes, somos derrotados pelo simples fato de estarmos despreparados e, nesse contexto, para mim, ser competitivo tem maior relevância do que ganhar ou perder. Em qualquer situação, nada é mais frustrante do que sair mal numa disputa. Por isso, trabalho as minhas frustrações de forma a pensar que posso até ser derrotado várias vezes, entretanto dedico-me a jogar cada vez melhor, com crescente habilidade, concentração e discernimento sobre o ambiente de negócios e suas regras.
Desvendando o mundo dos negócios
Nos últimos anos, o universo corporativo tem se tornado muito complexo, com situações bem mais desafiadoras em comparação às encontradas num passado não tão distante. Aqui, na Mastercard, conquistamos alguns clientes só depois de vários anos trabalhando duro. Devido à globalização mundial, ser executivo hoje é uma atividade extremamente complexa, inclusive por conta da imensa quantidade de informação disponível. Se antes era possível tomar decisões em poucos minutos, agora, precisa-se de algumas horas de trabalho em pesquisa e análise antes de definir algo.
Atualmente, tenho um know-how conquistado por meio de inúmeras experiências com resultados bastante positivos. Tive grandes exemplos ao longo dessa jornada e cito como grande mentor Fabio Barbosa. Em 2005, quando trabalhei no ABN Amro Group; ele, na época, CEO do Banco Real, decidiu vender sua seguradora para a Tokio Marine Seguradora, a qual nos chamou para ficar à frente dos processos de integração. Então, na condição de um dos membros da diretoria do banco, permaneci inteirado de cada detalhe, lembro-me de interagir na criação do novo modelo de negócios, de dar ideias à elaboração do logotipo e, de forma geral, colaborar no processo que levou a Tokio Marine ao patamar de destaque em seu nicho de mercado. Mesmo sendo um trâmite longo e complexo, foi prazeroso participar da construção de uma companhia diferente das concorrentes. Tal êxito só foi possível porque houve muita paixão e profissionalismo na execução do projeto. Por isso, passei a ser funcionário da Tokio Marine.
Aliás, por trás de cases bem-sucedidos, sempre há profissionais trabalhando com alegria e disposição porque amam aquilo que executam. Dessa maneira, sucesso, para mim, é fazer as pessoas felizes. Outro dia, aqui na Mastercard, reencontrei, por acaso, um rapaz que foi meu estagiário no Banco Boa Vista, ele agradeceu-me por ter salvado sua carreira, porque, naquela época, convenci-o a desistir da demissão. Depois disso, o jovem relatou que ascendeu na carreira e, agora, está adquirindo experiência internacional na Colômbia. Não tinha ideia do quão importante foi aquela minha atitude, mas sei que a fiz pensando no ser humano e profissional em formação, com olhar fraterno. Mesmo eu sendo brincalhão, com fama de contador de histórias e agregador, tenho plena consciência da maneira como trato as pessoas porque transformá-las está entre meus propósitos de vida.
Cabe aqui ressaltar também que, durante a minha carreira, também encontrei quem estivesse disposto a fazer o mesmo por mim, uma das razões pelas quais tenho tanto prazer em ajudar os semelhantes, precisamos ser bons exemplos para que outros sigam. Para exemplificar, lembro-me de quando era estagiário na área de engenharia em 1983, sonhava trabalhar em banco e, certo dia, um profissional desse segmento foi à empresa em que eu trabalhava ministrar palestra sobre os serviços de sua instituição financeira. Depois de assistir à apresentação, revelei a ele meu desejo e fui convidado a visitá-lo no escritório no dia seguinte. Fui até lá, conversarmos e acabei contratado pelo Itaú. Daí em diante, a vida tomou rumo, aprendi a realizar com qualidade o novo serviço e, aos poucos, comecei a ganhar projeção dentro e fora do banco, até o momento que recebi uma proposta melhor para continuar desenvolvendo minha carreira em outra empresa. Tentei sair, mas meu primeiro mentor, Carlos, impediu-me.
Tempos depois, ele chamou-me para dizer que eu deveria ir ao escritório do doutor Sérgio, braço direito de Olavo Setúbal, dono do Itaú. Minha missão resumia-se a entregar-lhe um documento. Cumpri a tarefa de forma rápida, permaneci cerca de dois minutos na sala dele, e, ao sair, a secretária avisou-me que eu deveria voltar no dia seguinte. No segundo encontro, o doutor Sérgio comunicou-me que eu começaria, no dia seguinte, a trabalhar com ele e minha primeira incumbência seria abrir a conta de 20 clientes. Não fazia a menor ideia de como proceder, mas aprendi e, aos poucos, vi que, com determinação e atenção aos detalhes, poderia superar aquele desafio tão difícil naquele momento da minha carreira.
Com vários contatos em mãos, iniciei o desafio. O primeiro possível cliente demorou meses para agendar a reunião e dispensou-me em menos de cinco minutos. Em outra empresa, era proibido entrar qualquer contato do banco. Na lista, havia contas de grandes empresas nacionais e com grande dificuldade de acesso, mas, com muito esforço, alcancei meu objetivo em oito meses e, a partir disso, minha carreira disparou. Logo, surgiu outro desafio: a empresa de leasing do Itaú ocupava a vigésima posição no ranking do setor e minha incumbência era reverter essa situação. Assim, assumi o controle desse setor e, após um ano e meio, ele era o primeiro colocado do segmento. Diante desses desafios, vejo o quanto a figura do doutor Sérgio foi importante, posso dizer que ele foi meu segundo mentor. Com ele aprendi três lições: descobrir talentos, ser detalhista e sempre acreditar que nada está perdido.
Outra história interessante ocorreu quando estava no Citibank, em 1996, e um amigo insistia veementemente para eu trabalhar com ele no Banco Boa Vista Interatlântico, segundo ele essa experiência seria ótima para mim. Ele conseguiu convencer até a minha esposa, por fim, acabei aceitando a proposta. No primeiro dia de trabalho, ele mostrou-me uma carta do Banco Central informando que aquela instituição financeira deveria ser vendida no prazo máximo de seis meses ou seria fechada. Meu amigo escondeu tal detalhe quando fez a proposta, mesmo assim, resolvi enfrentar a situação ao invés de criticá-lo. Para tal empreitada, usei tudo o que sabia para elaborar a proposta de venda e, naquele instante, tive consciência do quão amplo era meu conhecimento. Deu tudo certo, o banco foi vendido e, mais tarde, passei a trabalhar no Real Seguros, onde passei por situação semelhante à vivenciada na Tokio Marine, por isso estava tranquilo e certo de como deveria conduzir o processo. A partir disso, os fatos foram se desenrolando naturalmente, não me sentia mais ansioso porque estava consciente de minha capacidade de gestão. A comprovação de que havia vencido importante etapa da carreira veio durante uma conversa com ícones do setor financeiro, os quais legitimaram meu desempenho profissional. Entre eles estava Lázaro Brandão, do Bradesco, e Pedro Moreira Salles, na época do Unibanco.
Mesmo com tanta bagagem, não me sinto completo, ainda há muito a aprender sobre as pessoas, elas são meu interesse principal. Leio sobre o tema, escuto especialistas e sempre há algo novo e interessante a ser usado para aprimorar as relações. Em minha opinião, quem pretende seguir carreira executiva deve desenvolver três atributos indispensáveis às trajetórias bem-sucedidas: montar uma equipe de ponta com total confiança e sinergia, manter o foco na conquista de metas e aprimorar a comunicação, fundamental não apenas para transmitir mensagens, mas também para saber lhe lidar com cada profissional, visto que há características peculiares que devem ser respeitadas segundo os perfis.
Como podem perceber, a comunicação é o meu ponto-chave, graças ao meu intercâmbio nos Estados Unidos, adquiri bastante conhecimento, em especial durante uma aula de speech (discurso) com o professor Robert Lang, que me ajudou de maneira decisiva na minha trajetória por que eu era muito tímido, não sabia falar em grupo, mas ele se empenhou para que eu passasse a me expressar de forma estruturada, afinal, como alguém interessado na área comercial poderia progredir sem se comunicar de maneira eficiente? Assim, durante toda a vida, inscrevi-me em cursos que acreditava serem úteis no sentido de acelerar o aprendizado e dinamizar a trajetória profissional. O resultado de tal empenho é nítido. Hoje, não só domino a comunicação no contato diário, mas também com frequência ministro palestras no Brasil e no exterior.
Tendências
Eu vejo a tecnologia como sinônimo de inovação e esse tema vem ditando regras, não apenas no ambiente de negócios, mas também na forma como a sociedade desenvolve-se. As mudanças ocorridas, nas últimas décadas, levaram a competitividade a um nível jamais visto anteriormente. Prova disso, está na imensa quantidade de empresas que faliram tão rápido quanto outras que surgiram para conquistar o protagonismo num mundo digital conectado e complexo em suas singularidades. Levando em consideração tal cenário, posso afirmar que o atual papel de qualquer empresa é inovar de forma constante. Não há como continuar apostando em soluções bem-sucedidas no passado porque elas não atendem às atuais necessidades de um mercado cada vez mais exigente para ter sua rotina facilitada em meio a tantas tarefas a serem executadas no período de 24 horas.
Dessa forma, a ideia principal é gerar experiências, tendo em vista fazer o cliente sentir-se melhor usando seu produto ou serviço. Recentemente, fizemos aqui, na Mastercard, experiências com certo jogo virtual acionado a partir da aquisição de créditos e conseguimos autorizar o pagamento deles quando o cliente apenas pisca o olho, sem que ele precise mudar de tela e usar as mãos. O desafio do CEO frente a rápidas mudanças de cenário consiste em criar para a empresa atributos capazes de mantê-la relevante por longo tempo. É necessário fazer apostas, algumas dão certo; outras, não. Por isso, o cargo de CEO não é ocupado eternamente, mas só enquanto sua leitura das tendências, bem como a participação da empresa levarem ao crescimento almejado.
Mesmo devidamente inserido no mercado internacional, não há em nosso país eficiência equivalente às nações mais desenvolvidas. É frustrante ver a situações se repetindo durante décadas sem que tenham surgido governantes aptos a tomar decisões capazes de reverter características negativas incrustrada na personalidade de grande parte da população. Vejo em todas as classes sociais elevada resistência a qualquer medidor de eficiência porque tal ferramenta de gestão incomoda imensamente. Apesar disso, nossa flexibilidade surge como diferencial competitivo no mundo inteiro devido à capacidade do indivíduo em se adaptar a novas situações. Assim, tenho conseguido expatriar talentos que trabalham conosco para diversos lugares do planeta porque sei que eles vão se adequar às realidades com as quais terão de interagir.
Nosso legado
Em relação ao legado, já me sinto bem feliz em ser ouvido pelas pessoas ao meu redor, isso é sinal de que há algo a ser transmitido. As histórias são inspiradoras e, ao contá-las, é possível passar mensagens, incentivar ou até consolar quando for oportuno, razão pela qual é comum colegas de trabalho virem conversar comigo agradecendo algo feito por mim em favor deles. Quanto mais puder ajudar o ser humano, mais vou me sentir feliz e ver que contribuí de maneira efetiva na vida de alguém. Quando entrei na Mastercard em 2008, a companhia era bastante diferente do que é agora e esse é outro fato marcante porque colaborei efetivamente no seu desenvolvimento. Trata-se de escrever a história com o objetivo de entregar uma companhia bem melhor em comparação ao momento de minha chegada aqui.
A família é outro ponto de suma importância no meu dia a dia, dou muito valor à união, adoro encontros familiares, ver todos conversando animadamente. Fiquei viúvo, casei-me novamente, e minhas três famílias se dão bem, talvez essa seja a prova de que agrego aos outros a harmonia. Independentemente do ambiente no qual esteja inserido, encanta-me transformar as pessoas e, vale observar: sou humilde, pois sento numa mesa com peão ou com barão com a mesma naturalidade. Após anos de trabalho, deixo a mensagem de otimismo com a certeza de que tudo é possível, depende apenas de nós. Se você tem um sonho, busque-o, dedicando-se ao máximo, sem desistir. Se momentos difíceis surgirem – e eles virão – você irá se perguntar: “até quando devo tentar? ”, a resposta é: “até conseguir”. Não desista dos seus sonhos, não desista de você.
*Graduado em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e com especialização em Advanced Executive pela Kellogg School of Management (Northwestern University), João Pedro é Presidente da Mastercard Brasil desde setembro de 2013 e é membro do comitê executivo para a região da América Latina e Caribe e do Advisor Board da Mastercard. Antes de se juntar à Mastercard, trabalhou no ABN Amro, Citibank, Tokio Marine entre outros. Começou sua carreira no Itaú e passou por diversas funções ligadas às áreas de Produtos, Marketing, Vendas etc. João Pedro é membro do conselho da Amcham e do Pacto Pelo Esporte, presidente da ABEMF e vice-presidente da Abecs.