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Conheça Lysa, cão-guia robô que tem impactado a vida de pessoas com deficiência visual

Criado por Neide Sellin, a missão de Lysa é ajudar na mobilidade de pessoas com deficiência visual ou problemas de saúde

Neide Sellin com Lysa, o cão-guia robô que tem impactado a vida de pessoas com deficiência visual
Neide Sellin com Lysa, o cão-guia robô que tem impactado a vida de pessoas com deficiência visual

Conheci a convidada deste Papo de Tubarões no Shark Tank. É uma mulher incrível, educadora, profunda conhecedora de tecnologia e criou um produto maravilhoso, do qual sou parceira agora com muito orgulho. É Neide Sellin, que criou a Lysa, um cão-guia robô que tem ajudado a impactar a vida de muitas pessoas com deficiência visual.

Quem é a Neide?

Sou empreendedora, mãe e amante da tecnologia, adoro estudar, principalmente sobre robótica, que é minha paixão. A Lysa nasceu há mais de 10 anos, quando eu lecionava numa escola onde havia alunos com deficiência visual e desenvolvi o projeto para criar uma oportunidade de ajudá-los. A Lysa foi idealizada em 2014 e começou a ser desenvolvida em 2018.

Então isso veio antes de se falar de Inteligência Artificial, de robótica, de robôs? Naquela época você já vislumbrou a possibilidade de transformar um robozinho num cão guia?

Veio também com inspiração nos cães guias, de seu trabalho incondicional deles em ajudar seus donos, na dificuldade que essas pessoas têm de se locomoverem dentro dos espaços. Foi um combo com a tecnologia e, naquela época, não tínhamos todas ferramentas que temos hoje. Sem falar que o treinamento de um cão guia demora cerca de dois anos, com um custo é elevado, de cerca de 80 mil reais. Além disso é preciso fazer um acompanhamento permanente desses cães enquanto estiverem fazendo o processo de guias. O tempo máximo, conforme o protocolo, é de oito anos. Ou seja, ele acaba atuando como guia por somente uns seis anos.

Também tem uma fila muito grande para conseguir um cão guia.As instituições fazem o cadastro das pessoas com deficiência visual que precisam de um acompanhamento. Os cães guias não são vendidos, são doados, o que é mais um motivo que leva a haver uma lista gigantesca para conseguir um. No Brasil, a lista de espera tem 6,5 milhões de pessoas e no mundo, 253 milhões.

Então existe um grande mercado para a Lysa. Como você teve a ideia, como começou a desenhar?

Eu fiz o protótipo na escola em que eu lecionava, no Espírito Santo, usando peças alternativas junto com meus alunos. Chamei um grupo de 20 pessoas com deficiência visual para testarem esse protótipo e muitas delas comentaram que iriam fazer uma poupança para poder comprar o robô quando ele fosse comercializado.  Isso mexeu muito comigo. Cheguei a pensar em parar, porque me sentia como se estivesse criando uma expectativa que talvez não fosse chegar às pessoas. Mas isso virou uma missão: porque os participantes do grupo falaram que iria transformar a vida deles. O processo de locomoção de pessoas com deficiência visual é muito complexo e é muito emocionante ver o impacto da Lysa na vida das pessoas. Minha missão com a Lysa, nosso cão guia robô, é ajudar pessoas com deficiência visual, melhorar mobilidade de idosos e pessoas com problemas de saúde que precisam de acompanhamento

É muito difícil fazer esse tipo de pesquisa no Brasil. Nos conhecemos em 2017 na primeira temporada do Shark Tank e até hoje estamos lutando para viabilizar o projeto. E essa é uma tecnologia sempre em desenvolvimento, até porque surgem novas ideias e a Lysa vai se tornando um cão cada vez mais sofisticado.

Todo produto tecnológico leva muito tempo para chegar ao mercado e ter escala. Aqui no Brasil não temos ecossistema de produção de componentes, de produção em escala, de embarcar a tecnologia: o processo de desenvolvimento é muito longo. Mais ainda: sou mulher, no Brasil, do Espírito Santo: há várias delimitações geográficas e financeiras. Mas conseguimos grandes parceiros, principalmente o governo, que investiu muito no nosso projeto e até conseguimos colocar nele tecnologias que são usadas em carros autônomos no Brasil. Apesar de todo esse tempo, tenho os pés no chão, me inspiro nas histórias de outras empresas e vejo que estamos no caminho certo.

Compartilhe um momento marcante dessa trajetória da Lysa

Participar do Shark Tank. A minha expectativa era zero porque eu ainda estava num projeto embrionário. Também foi um desafio me expor, porque os pesquisadores preferem ficar nos bastidores. Apresentar o projeto no programa me tirou da zona de conforto, principalmente pelo desafio que foi o medo de ninguém entender essa minha paixão. A emoção que tive, quando todos os sharks quiseram entrar no projeto, foi uma potência muito grande, um super incentivo, passei a acreditar mais em mim e ganhei visibilidade. Até hoje as pessoas lembram desse programa. Depois vieram as premiações. A mais impactante foi a da Cartier, logo depois do Shark Tank, que continua investindo no projeto, acompanhando, fazendo conexões. A Cartier faz encontros com todas as mulheres premiadas em diversos países, promovendo uma troca muito importante para todas.

Qual é a sua missão por trás da Lysa, o que você quer?

Quero fazer diferença no mundo com as tecnologias, porque muitas vezes elas são relacionadas com coisas negativas, mas elas contribuem com Saúde, Meio Ambiente, com o Planeta. Essa é a minha missão com a Lysa: não ajudar somente as pessoas com deficiência visual, mas melhorar mobilidade de idosos, pessoas com problemas de saúde.

Você passou por um momento muito desafiador como empreendedora e como mulher, mas conseguiu equilibrar as coisas. Como você concilia vida, trabalho e como superou tudo?

Foi quando meu filho de cinco anos teve câncer. Embora você ainda não fosse sócia do projeto, liguei para contar e, em nenhum momento você desacreditou do projeto, em mim. E decidiu entrar no projeto mesmo assim. Esse foi um marco importante na minha vida pessoal e de empreendedora, pois foi quando aprendi a lidar com momentos de muita pressão. Aquele momento foi muito desafiador e hoje, mesmo diante de qualquer dificuldade, sei que já passei por coisas piores.

Só para contextualizar o tamanho do desafio, eu tinha acabado de passar pelo Shark, recebi o prêmio da Cartier, tive muitas ideias para expandir a Lysa e logo em seguida descobri a doença do meu filho. Foi uma luta muito difícil, hoje ele está bem e consegui conciliar tudo. Passar por esse processo de um filho oncológico é muito pesado, muito mais para nós do que para eles. Mas ele sempre me motivava e muitas vezes, quando eu estava me sentindo muito pesada, ia para a empresa e aquilo me tirava um pouco daquela situação difícil. Uma coisa foi ajudando a outra. Mas confesso que pensei em desistir. No fim tudo deu certo: ele sarou e a Lysa está indo de vento em popa.

Agora estamos entrando no mercado de forma mais organizada. Sou da opinião que deveríamos fazer primeiro o modelo mais simples para poder escalar mais rápido e fazer o autônomo para as pessoas poderem comprar um ou outro. O que você quer fazer?

Hoje a Lysa consegue trabalhar nos dois espaços, tanto numa forma manual como na autônoma. Mas hoje, por segurança e monetização, delimitamos nosso negócio para B2B e isso me machuca muito como pessoa, porque meu sonho é ver a Lysa no B2C, com acesso a todos. Hoje temos mais de 500 pessoas aguardando e todos os dias recebemos pedidos para utilizar a Lysa e isso, se por um lado me impulsiona, por outro torna a tomada de decisões mais difícil.  Há poucos dias fui a uma empresa que tem 50 pessoas com deficiência visual para fazer a implantação da Lysa autônoma e foi lindo ver que reconhece o espaço, navega, leva a pessoa onde ela quer ir.

Nas ruas o problema não é do robô, porque ainda temos muitos desafios para todos, como falta de sinalização, de rebaixamentos, de acessibilidade.  São muitos os desafios, mas facilita muito saber que a Lysa já pode caminhar dentro de espaços controlados. Estou pesquisando e testando constantemente modelos mais robustos, para que possamos ir com segurança. Por enquanto ela tem sido um sucesso no Brasil todo, em aeroportos, empresas, museus, shoppings, principalmente nas empresas que se preocupam muito com a experiência de seus funcionários e de seus clientes.

Qual o futuro? O que você está pensando para o futuro da Lysa?

Ir para as ruas. Hoje temos desafios técnicos como as coordenadas de GPS nas ruas, que não chegam em alguns lugares ou chegam a ter uma diferença de mais de 5 metros. Temos que corrigir isso para poder levar com perfeição uma pessoa com deficiência visual para a porta de uma loja, por exemplo. Estamos estudando fazer essa correção com o uso de antenas, para elas possam chegar nesses pontos mais estratégicos sem aquela diferença do GPS.

E se você quisesse dar um conselho para essa enormidade de empreendedores que acompanham o Papo de Tubarões?

O primeiro é ser resiliente, entender que empreender não é um emprego, que temos que lutar 24 horas por dia, que temos altos e baixos. Se gostar constância, não empreenda, olhe para si, saiba quem você é e seu nível de resistência. Depois fazer um plano de negócios, ver outras oportunidades e formas de viabilizar o projeto financeiramente. No caso da Lysa, grandes investidores não acreditavam tanto porque não viam maturidade num projeto que ainda não estava no mercado. Esse mercado pedia o produto, mas não pagava e acaba virando um ciclo. O diferencial é olhar outras fontes de receita, como fomentos, prêmios.

Aliás, os prêmios podem ser uma grande fonte de receita. Quantos você ganhou? Recebeu inclusive um prêmio como uma das tecnologias mais impactante no mundo.

Eu ganhei 11 prêmios. Esse que você fala foi em Singapura, onde ficamos entre as Top 3 tecnologias de mobilidade do mundo, dentro de uma categoria chamada “Cidades Inteligentes”, que teve quase 5 mil inscritos. Isso foi uma grande honra: eu, uma brasileira, receber um prêmio em Singapura e concorrer com grandes empresas de tecnologia da Ásia e dos Estados Unidose eu, brasileira, concorri com essas empresas.