Por que a quebra do SVB assusta? Não, não é pela semelhança com 2008
A combinação de dinheiro escasso e decisões irracionais é razão para ter cautela desde os tempos da savana
Da Redação
Publicado em 13 de março de 2023 às 14h11.
Por que a quebra do SVB assusta? Não por trazer à memória o início da crise de 2007-2008, que começou com a falência de uma empresa desconhecida. Naquela época, os bancos se endividavam para alimentar uma bolha imobiliária. Houve um quê de fraude no episódio. Quando a festa acabou, além do empobrecimento geral porque o preço das moradias havia caído, ficou o gosto amargo de ver uma fortuna em impostos ser utilizada para evitar que a mistura de irresponsabilidade e cegueira produzisse uma depressão comparável à de 1929. O mundo mudou para sempre e, de certo modo, pagamos o preço até hoje.
O problema agora tem natureza um pouco diferente. O SVB recebia depósitos de empresas e aplicava os recursos em títulos de longo prazo do tesouro americano. Nem o rótulo da Maizena é mais conservador do que isso. Só que, por muito tempo, os juros estiveram baixíssimos (por causa da crise). Como o preço dos títulos é inversamente proporcional à taxa de juro, o SVB pagou caro pelos papeis que carregava. A alta do juro para controlar a inflação fez com que o valor de mercado desses ativos caísse.
Inicialmente a perda é apenas contábil, pois o papel não precisava ser vendido. Basta, porém, um pinguinho de desconfiança para fazer a clientela começar a sacar recursos. Para honrar os saques, o SVB foi obrigado a realizar as perdas, reforçando a motivação para sacar. Na crise imobiliária, os preços das casas estavam descolados da realidade. Dessa vez, no entanto, os títulos na carteira do SVB vendidos com prejuízo voltarão a valer no futuro o que foi inicialmente contratado. No que tange à queda dos preços dos títulos públicos, o SVB não era insolvente.
O FED tem atuado decisivamente para conter a propagação do problema de iliquidez (que, nesse momento, afeta também bancos semelhantes ao SVB). Além de criar linhas de financiamento com contrapartida em ativos de qualidade, o FED garantiu que os depósitos dos clientes (tipicamente empresas) serão honrados, evitando transformar a falta de dinheiro em algo mais sério. Idealmente, no futuro, alguma instituição assumirá o negócio e as coisas tenderão a voltar ao normal.
Isso significa que está tudo resolvido? Longe disso. A coisa assusta por duas razões fundamentais. Primeiro, porque não é por acaso que o SVB enfrentou problemas de liquidez. Todos os bancos centrais relevantes do planeta estão elevando juros. Além disso, o FED está revertendo a política de “afrouxamento quantitativo” em que, basicamente, imprimia dólares para comprar títulos públicos e privados para baixar também as taxas de juros de prazo longo. Não há economista capaz de estimar as consequências da mãe de todas as reversões de política monetária.
Isso gera desconfiança e a outra perna do problema tem a ver justamente com a nossa propensão a desconfiar, de um lado, e um negócio que depende crucialmente de confiança e de liquidez do outro. Quando o dinheiro começa a sumir, as pessoas perdem a vontade de estudar tabelas e prestar atenção em argumentos, por mais razoáveis que eles sejam. Dizem que 95% de nossas reações são baseadas em emoções, um padrão universal e arraigado, desenvolvido na savana. Quando a boataria começa a correr, o algoritmo é vender antes e tentar entender depois.
O dinheiro está curto para todos. Há uma infinidade de empréstimos que faziam sentido há um tempo e que hoje não parecem tão sólidos. Não podia ser diferente. A ideia de enxugar a liquidez é justamente produzir uma recessão. Não por maldade, mas porque o mundo funciona melhor quando as pessoas não se lembram que a inflação existe. Sendo assim, a esperança de uma “desinflação imaculada” não faz sentido. Haverá mais episódios como esse do SVB. E todo mundo sabe disso. E isso afeta o crédito. E com menos crédito não há crescimento. E sem crescimento algumas empresas quebram.
Não há motivo para grande preocupação enquanto o ativo colateral for um título do governo americano. Há outra coisa que, por enquanto, traz algum alívio. A queda de valor de mercado de ativos de boa qualidade é corrigida automaticamente, na medida em que os agentes passam a esperar um aprofundamento da recessão. Mas vai saber que micos estão circulando por aí depois de mais de uma década de dinheiro gratuito.
Como a política monetária atua com defasagens longas e variáveis, estimar os seus impactos é mais arte que ciência. E as recessões, quando surgem, às vezes criam vida própria. Essa combinação de dinheiro escasso, ignorância e irracionalidade é razão para ter cautela, como na época em que o grande desafio era fugir do tigre-dentes-de-sabre.
Por que a quebra do SVB assusta? Não por trazer à memória o início da crise de 2007-2008, que começou com a falência de uma empresa desconhecida. Naquela época, os bancos se endividavam para alimentar uma bolha imobiliária. Houve um quê de fraude no episódio. Quando a festa acabou, além do empobrecimento geral porque o preço das moradias havia caído, ficou o gosto amargo de ver uma fortuna em impostos ser utilizada para evitar que a mistura de irresponsabilidade e cegueira produzisse uma depressão comparável à de 1929. O mundo mudou para sempre e, de certo modo, pagamos o preço até hoje.
O problema agora tem natureza um pouco diferente. O SVB recebia depósitos de empresas e aplicava os recursos em títulos de longo prazo do tesouro americano. Nem o rótulo da Maizena é mais conservador do que isso. Só que, por muito tempo, os juros estiveram baixíssimos (por causa da crise). Como o preço dos títulos é inversamente proporcional à taxa de juro, o SVB pagou caro pelos papeis que carregava. A alta do juro para controlar a inflação fez com que o valor de mercado desses ativos caísse.
Inicialmente a perda é apenas contábil, pois o papel não precisava ser vendido. Basta, porém, um pinguinho de desconfiança para fazer a clientela começar a sacar recursos. Para honrar os saques, o SVB foi obrigado a realizar as perdas, reforçando a motivação para sacar. Na crise imobiliária, os preços das casas estavam descolados da realidade. Dessa vez, no entanto, os títulos na carteira do SVB vendidos com prejuízo voltarão a valer no futuro o que foi inicialmente contratado. No que tange à queda dos preços dos títulos públicos, o SVB não era insolvente.
O FED tem atuado decisivamente para conter a propagação do problema de iliquidez (que, nesse momento, afeta também bancos semelhantes ao SVB). Além de criar linhas de financiamento com contrapartida em ativos de qualidade, o FED garantiu que os depósitos dos clientes (tipicamente empresas) serão honrados, evitando transformar a falta de dinheiro em algo mais sério. Idealmente, no futuro, alguma instituição assumirá o negócio e as coisas tenderão a voltar ao normal.
Isso significa que está tudo resolvido? Longe disso. A coisa assusta por duas razões fundamentais. Primeiro, porque não é por acaso que o SVB enfrentou problemas de liquidez. Todos os bancos centrais relevantes do planeta estão elevando juros. Além disso, o FED está revertendo a política de “afrouxamento quantitativo” em que, basicamente, imprimia dólares para comprar títulos públicos e privados para baixar também as taxas de juros de prazo longo. Não há economista capaz de estimar as consequências da mãe de todas as reversões de política monetária.
Isso gera desconfiança e a outra perna do problema tem a ver justamente com a nossa propensão a desconfiar, de um lado, e um negócio que depende crucialmente de confiança e de liquidez do outro. Quando o dinheiro começa a sumir, as pessoas perdem a vontade de estudar tabelas e prestar atenção em argumentos, por mais razoáveis que eles sejam. Dizem que 95% de nossas reações são baseadas em emoções, um padrão universal e arraigado, desenvolvido na savana. Quando a boataria começa a correr, o algoritmo é vender antes e tentar entender depois.
O dinheiro está curto para todos. Há uma infinidade de empréstimos que faziam sentido há um tempo e que hoje não parecem tão sólidos. Não podia ser diferente. A ideia de enxugar a liquidez é justamente produzir uma recessão. Não por maldade, mas porque o mundo funciona melhor quando as pessoas não se lembram que a inflação existe. Sendo assim, a esperança de uma “desinflação imaculada” não faz sentido. Haverá mais episódios como esse do SVB. E todo mundo sabe disso. E isso afeta o crédito. E com menos crédito não há crescimento. E sem crescimento algumas empresas quebram.
Não há motivo para grande preocupação enquanto o ativo colateral for um título do governo americano. Há outra coisa que, por enquanto, traz algum alívio. A queda de valor de mercado de ativos de boa qualidade é corrigida automaticamente, na medida em que os agentes passam a esperar um aprofundamento da recessão. Mas vai saber que micos estão circulando por aí depois de mais de uma década de dinheiro gratuito.
Como a política monetária atua com defasagens longas e variáveis, estimar os seus impactos é mais arte que ciência. E as recessões, quando surgem, às vezes criam vida própria. Essa combinação de dinheiro escasso, ignorância e irracionalidade é razão para ter cautela, como na época em que o grande desafio era fugir do tigre-dentes-de-sabre.