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O Open Finance está chegando ao Brasil... você está preparado?

Entenda do que se trata esse novo movimento e porque ele representa uma nova fase para o mercado financeiro local

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Bruno Diniz

Publicado em 23 de outubro de 2020 às, 19h06.

No início de setembro, o Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou em uma Live realizada com o empresário Abílio Diniz, que o então chamado Open Banking, projeto atualmente em processo de implementação faseada no país, terá o seu nome alterado para Open Finance em função de sua maior abrangência de escopo comparado com a ideia predecessora.

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Talvez você não saiba, mas esse movimento mencionado por Campos Neto representa um alinhamento direto com um conceito criado no Reino Unido e que vem ganhando força mundo afora, além de demonstrar a ambição do regulador local em posicionar o Brasil entre os países mais avançados do mundo em relação à como os cidadãos poderão tomar controle sobre os seus dados financeiros nas mais diferentes esferas do mercado. 

A jornada do Open Banking ao Open Finance 

O embrião do Open Banking surgiu na União Europeia há mais de cinco anos, a partir de uma regulamentação chamada PSD2 (Payments Services Directive 2) que, entre outras coisas, exigia que os bancos adotassem APIs (interfaces de programação de aplicações) abertas, possibilitando que os dados da conta de um cliente (tais como histórico de transações e informações cadastrais) fossem portabilizados para outras instituições devidamente reguladas de forma fácil e segura, caso o cliente assim quisesse e autorizasse. 

Deste modo, o usuário de produtos e serviços financeiros poderia ter maior poder sobre os seus dados e obter benefícios tangíveis ao permitir que fintechs, por exemplo, tivessem acesso ao histórico de suas informações mantidas nas grandes instituições e, em contrapartida, entregassem ofertas bancárias mais personalizadas e baratas, além de novas soluções capazes de proporcionar uma melhor gestão de suas finanças. 

No Reino Unido, esse conceito foi abraçado pelas autoridades locais e teve particular avanço após uma investigação conduzida pelo órgão britânico de concorrência de mercado (chamado Competition and Markets Authority – CMA), na qual constatou que o mercado de bancos de varejo por lá não era tão competitivo ou inovador quanto deveria ser. 

Para avançar na resolução desta questão, foi criada em 2016 uma entidade sem fins lucrativos chamada Open Banking Implementation Entity (OBIE), que ficou incumbida de criar e implementar todos os padrões e a infraestrutura necessária para que o Open Banking acontecesse da forma mais estruturada possível, indo além do escopo inicialmente proposto pela União Europeia com o PSD2.

No ano de 2018 o Open Banking teve seu início no território britânico, impulsionando todo um ecossistema de provedores de serviços que entregam novas soluções baseadas em dados compartilhados entre instituições bancárias e fintechs para mais de 2 milhões de usuários até o momento, abrangendo tanto pessoas físicas quanto pequenos negócios.    

À medida que o “sistema bancário aberto” avançava no país, as autoridades locais passaram a vislumbrar a possibilidade de expandir os benefícios do compartilhamento de dados autorizado pelo consumidor para o mercado financeiro como um todo, indo além das informações de conta e dos serviços de pagamento inicialmente contemplados e movendo para produtos como investimentos, seguros, previdência, hipotecas, dentre outros. 

Esse novo conceito foi então batizado de Open Finance e um grupo de conselheiros e especialistas foi criado em julho de 2019 pela FCA (Financial Conduct Authority), a autoridade financeira local, com o intuito de discutir e avaliar os potenciais impactos e desafios desta nova empreitada. 

Como resultado destas discussões, a FCA abriu uma consulta pública sobre o tema em meados de dezembro de 2019, buscando ouvir a opinião da sociedade sobre aspectos como incentivos, viabilidade, custos, interoperabilidade, coesão e clareza nos direitos de dados dos participantes dentro deste ambiente mais abrangente. 

O prazo final para resposta da consulta havia sido definido para o dia 17 de março de 2020, contudo, em função da pandemia do novo coronavírus, teve sua data limite estendida para 1 de outubro do mesmo ano. A expectativa agora é de que um documento final contendo os próximos passos deste tema seja publicado no início de 2021, marcando o início efetivo do processo de implementação do Open Finance britânico. 

Entre as novas soluções já vislumbradas pelo regulador nesse novo ambiente estão: Ferramentas de gerenciamento financeiro com capacidade de realizar uma análise mais holística dos clientes, provendo insights e conselhos profundamente alinhados à sua realidade; Trocas automatizadas de provedores de serviços, reduzindo os atritos existentes atualmente em processos semelhantes; e avaliações de crédito mais precisas, resultando na identificação de produtos de crédito adequados.

Certamente esses são apenas alguns exemplos mais óbvios levantados em um primeiro momento, tratando-se apenas da ponta do iceberg em termos de potencial de desenvolvimento de novas soluções neste cenário.  

As finanças abertas no cenário global 

Algumas autoridades ao redor do mundo também consideram avançar para o contexto do Open Finance. 

A Comissão Europeia emitiu um relatório chamado “Digital Finance Strategy” no final de setembro de 2020, no qual, dentre outras coisas, estabelece o Open Finance como um dos pilares para sua estratégia de modernização, estímulo à inovação e competição no setor financeiro dentro da Zona do Euro. 

Outros países como o México e a Austrália já preveem essa evolução de paradigma em suas regulamentações e estão em diferentes estágios de implementação rumo a um sistema financeiro aberto.   

No sentido de buscar um desenvolvimento global do Open Finance, que potencialize os benefícios para seus usuários e reúna as melhores práticas, entidades sem fins lucrativos como a FDATA (Financial Data & Technology Association) tem atuado próxima às autoridades reguladoras, governos e o setor de serviços financeiros em todo o mundo, desempenhando um papel importante no ecossistema. 

Outra interessante iniciativa criada com o objetivo de impulsionar a adoção das finanças abertas é o Global Open Finance Centre of Excellence (GOFCoE), composto por um laboratório de pesquisa e um ambiente de testes para regulamentações e tecnologias orientadas a dados, situado na Universidade de Edimburgo, na Escócia, e amparado pelo supercomputador mantido na instituição. Esforços como esses são essenciais em um ambiente financeiro cada vez mais colaborativo e dinâmico que teremos daqui por diante. 

Oportunidades e desafios para o nosso país 

O Brasil entra para a vanguarda internacional ao desenvolver uma regulamentação que contempla um amplo espectro de soluções financeiras, tão abrangente quanto o escopo da próxima fase britânica, algo que tem o potencial de ampliar o acesso à produtos e serviços mais baratos, transparentes e personalizados. Adicionalmente, abre oportunidades para empreendedores desenvolverem negócios inovadores utilizando essa possibilidade, que está prevista para estar disponível a partir de outubro de 2021. 

Pelo fato de alguns produtos financeiros envolvidos nessa etapa se encontrarem além da competência do Banco Central, será necessário um esforço colaborativo com outras autoridades, tais como a SUSEP e a CVM, o que poderá adicionar uma maior complexidade na entrega do Open Finance por aqui. Por outro lado, a prioridade e foco que está sendo dado a esse assunto pelo Banco Central nos dá bons indicativos de que todos os melhores esforços estão sendo empregados para que a entrega aconteça dentro do prazo estabelecido.  

Outro desafio que não deve ser subestimado é o trabalho de conscientização que precisará ser realizado pelos reguladores e pelos agentes do mercado para garantir que os usuários tenham confiança no sistema e entendam de forma clara os benefícios que serão obtidos por meio do compartilhamento de seus dados financeiros. 

Nesse processo de transição, esses usuários pouco a pouco se darão conta de que a vida financeira deles deixará de ser uma relação linear e pouco flexível com apenas um grande banco para se transformar em uma relação múltipla com diferentes provedores (tanto alternativos quanto tradicionais). Os bancos também precisarão entender essa realidade e atuar de forma proativa na oferta de soluções customizadas e inovadoras (deles próprios ou de terceiros) para manter o seu cliente por perto. 

Entrar no jogo do Open Finance apenas para cumprimento de requisitos regulatórios ou atuar de forma reativa e com baixo engajamento junto à sua base de usuários pode ser uma decisão muito cara para um incumbente nesse novo ambiente. 

A atividade financeira está se tornando, cada vez mais, um jogo no qual o processamento e a análise de dados são elementos críticos para o sucesso. Estamos mais perto do que nunca de vermos valiosos conjuntos de dados transitando livremente por todo o mercado, destravando um grande potencial que pode revolucionar a indústria. 

Paralelamente, veremos os consumidores habilitados e capazes de alavancar a utilização de suas informações em benefício próprio, levando-os a tomarem melhores decisões e assumirem o controle total de suas vidas financeiras. Tempos interessantes e transformadores estão chegando para o mercado financeiro brasileiro. E você, está preparado?