McConnell, da The Lancet: Se faltam dados, o veto à Sputnik está correto
Para o microbiologista e editor-chefe da prestigiada revista científica que publicou o estudo da vacina russa, os fabricantes não forneceram todas as informações à Anvisa
André Lopes
Publicado em 28 de abril de 2021 às 17h44.
Última atualização em 28 de abril de 2021 às 22h38.
Antes de serem distribuídas, as vacinas aprovadas contra a covid-19 passaram por avaliações rigorosas de especialistas, geralmente, por meio da publicação deestudos em revistascientíficas que promovem a avaliação feita por pares.Mas mesmo agora queos laboratóriosjáconcluíramesse processo e os imunizantes já estãosendo aplicados em massa,ainda existem dúvidas que pairam sobre o funcionamento dos antivírus.
Em uma tentativa de elucidar as controvérsias, a Elsevier, líder global em informações especializadas em ciência e saúde, e que detém a revista cietífica The Lancet ,está promovendo desde está quarta-feira, 28, uma série de debates para fornecer informações sobre vacinas.A participação é gratuita e as inscrições podem ser feitas no site da Elsevier. O debate terá perguntas abertas aos participantes e tradução simultânea em português.
O mediador do evento John MacConell , editor-chefe da The Lancet, concedeu uma entrevista à EXAME, e falou s obre a segurança dos imunizantes, o desempenho do Brasil com a campanha de vacinação e da polêmica entorno do veto da Anvisa sobre a vacina russa Sputnik V. Veja os principais trechos:
Quem foi vacinado em 2021 ainda corre algum risco ?
Nenhuma vacina é 100% eficaz. Inevitavelmente, enquanto o vírus SARS-CoV-2continuarcirculandoem todo o mundo, algumas pessoas vacinadasvãoadoecere morrer.Pois asformas mutantes do vírus podemsimescapar da proteçãogeradapela vacinação. No entanto,é amelhorferramentaque temos até agoraeque, para todas as variantes do vírus, vai proteger a maioria das pessoas decasosgraves e da morte.
As campanhas de vacinação contra covid-19 terão de ser feitas anualmente? As evidências já indicam como será o futuro pós-pandemia?
Precisaremos monitorar as mutações do coronavíruse modificar as vacina da mesma forma que adaptamos as vacinas contra agripesazonal às variações nos vírus da influenza. Felizmente, a tecnologia usada para fazer as vacinascontra covid-19é mais adaptável do que ausada rotineiramente para fazer as da gripe. Atualizar a receitavaiser um processo mais simples. Já a frequência da revacinação dependerá de como o vírus evoluir. Pode ser anual ou com menos frequência. A melhor política ainda é vacinar o máximo possível da população mundial e o mais rápido possível, para reduzir a quantidade de vírus circulante e, portanto, o potencial de mutação.
A imunização no Brasil está ficando para trás em relação ao resto do mundo? Qual é o potencial do país e m se tornar um centro de novas variantes do coronavírus?
Alguns países latino-americanos, como Chilee Uruguai, estão bem avançados em seus programas de vacinação e são comparáveis às nações que lideram o caminho, como Israel e EUA.Em comparação, o Brasil e alguns vizinhos estão bem para trás. Entretanto, há países populosos do sul da Ásia em que os programas de vacinação estão ainda pior que no Brasil, o mesmo no continente africano. Como eu disse anteriormente, a melhor maneira de reduzir as chances de novas variantes é vacinar a população mundial o mais rápido possível. O nacionalismo da vacina não interessa a nenhum país.
O imunizante russo Sputnik V, que teve um estudo de caso publicado na The Lancet, foi barrado pela Anvisa e o fabricante está relutante sobre a decisão da agência dizendo que foi a única que agiu dessa forma. A negativa da Anvisa faz sentido?
No ensaio de fase 3 da vacina Sputnik V publicado pela The Lancet, ela teve uma eficácia de cerca de 92%, com um bom perfil de segurança. No entanto, é meu entendimento que os fabricantes do Sputnik V não forneceram àAnvisaas informaçõesque foram solicitadas.Se faltam dadosimportantes,a Anvisa tem motivossuficientes para barrar a aprovação da vacina.
Qual vai ser o legado deixado pelo fluxo acelerado de pesquisa de vacinas?
Acho que estaremos mais bem preparados em termos de tecnologia para uma próxima pandemia.Além das pandemias causadas por vírus que ainda não conhecemos, a maior ameaça de doenças infecciosas enfrentada pela humanidade são as bacterianas resistentes aos antibióticos, que deve causar um número de mortes anuais maior do que covid-19 por meados deste século. Minha esperança é que os avanços propiciados possam ser voltados para a prevenção de doenças bacterianas por imunização, em vez de tentar tratá-las com antibióticos.