Esqueletos de animais queimados no Pantanal vão para Museu Nacional
Parceria de biólogos com o museu é antiga e, durante a tragédia pantaneira, pesquisadores ajudaram nos trabalhos de mitigação
Agência O Globo
Publicado em 22 de dezembro de 2021 às 08h30.
Esqueletos de animais que morreram nas queimadas ocorridas no Pantanal no ano passado irão recompor parte do acervo do Museu Nacional, que pegou fogo em 2018. A doação foi feita pela Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, que teve 93% de sua área incendiada, com a morte de centenas de animais.
O museu, por sua vez, perdeu mais de 400 espécies de mamíferos de diferentes regiões do mundo destinadas à exposição quando pegou fogo em 2018, alguns com mais de um século.
Por enquanto, são cerca de 200 ossadas doadas. A bióloga Cristina Cuiabália, gerente de Pesquisa e Meio Ambiente do Polo Socioambiental Sesc Pantanal, afirma que a parceria com o museu é antiga e, durante a tragédia pantaneira, os pesquisadores da instituição ajudaram nos trabalhos de mitigação. Desde setembro de 2020 é feito o diagnóstico do impacto causado à fauna da reserva.
"Houve duas tragédias e sem a conexão delas a sociedade jamais teria acesso a informações. Nunca vamos esquecê-las", afirma o biólogo Luiz Flamarion, que estuda o Pantanal desde 1999 e é pesquisador pelo Museu Nacional.
Em setembro de 2020, ainda durante as queimadas, mais de 30 pesquisadores do Museu Nacional começaram uma varredura na reserva, com registro e coleta de carcaças de animais mortos, como queixadas, jacarés e macacos-prego.
Só destas três espécies, mais de 20 mil indivíduos morreram. O estudo de propagação do incêndio, segundo Cristina, mostrou que a propagação do fogo dentro da reserva foi seis vezes mais lenta do que nas áreas externas, onde as queimadas foram iniciadas.
O trabalho dos brigadistas retardou o incêndio em algumas partes, dando mais chance para a fuga dos animais. Foram colocados 160 cochos, abastecidos por caminhão-pipa, e distribuídas 30 toneladas de frutas e ovos para alimentar bichos sobreviventes.
Algumas imagens chocam. Flamarion conta que em algumas áreas foram achadas amontoadas carcaças de cervo e antas, misturadas: "Foram encurralados pelo fogo, queimados juntos", disse.
Pequenos animais, quando sobrevivem a situação como essa, viram alvo de gaviões. Muitos não são diretamente atingidos pelas chamas, mas não resistem ao solo superquente e à temperatura alta, expostos ao sol. A vegetação é abrigo.
Dentro da reserva não foram achadas onças-pintadas ou pardas queimadas, por exemplo. Cristina acredita que elas são mais resilientes e versáteis na fuga, pois correm, pulam e nadam.
Câmeras flagram animais
Entre os esqueletos destinados ao Museu Nacional estão tamanduás-bandeira, antas, queixadas e catitus, por exemplo. Todas as espécies de mamíferos de porte — da cotia para cima — são importantes para o museu.
A regeneração das paisagens da RPPN já começou, mas só a natureza será capaz de determinar o ritmo. Para acelerar o processo, o Sesc Pantanal fez acordo com duas comunidades, de Barão do Melgaço e Poconé, para a formação de viveiros de muda, num trabalho que é, ao mesmo tempo, social e ambiental. Muitas das espécies vegetais não são encontradas no mercado, apenas na natureza. A partir de janeiro, com a estação ainda chuvosa, começam a ser plantadas na reserva espécies como Manduvi, usadas pelas araras-azuis nos ninhos.
Flamarion ressalta que a diferença entre as duas tragédias, do museu e do Pantanal, é que, na primeira, o que foi perdido é irrecuperável; já a natureza se regenera.
"Lá (no museu) se jogou fora grande parte da história do país, mas o poder de regeneração do Pantanal é grande, embora a gente nunca vá saber com exatidão o que se perdeu para sempre."
O monitoramento vai ajudar na prevenção e, com o apoio do Instituto Chico Mendes, estão sendo feitas queimadas controladas fora do período de seca, para evitar que o fogo atinja áreas mais vulneráveis e de difícil regeneração, caso as queimadas persistam na região.
Muitos animais retornaram à reserva e já há registros deles com filhotes, como onças-pardas e pintadas. Cerca de 20 armadilhas fotográficas estão montadas, e a meta é chegar a 120 equipamentos. Ao todo, 40 mil vídeos foram feitos. Ainda há, porém, poucos registros de primatas, uma das populações mais atingidas.
"Não é triste de andar ali, não é assim. Os organismos vivos se deslocam. O impacto foi monstruoso, mas ainda tem onças, queixadas e cotias com filhotes", diz o biólogo.