Crise na ciência não se deve só à falta de recursos
Além da escassez de recursos, debate apontou a falta de recursos e de visão estratégica como problemas que dificultam a competitividade na área
Victor Caputo
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 10h35.
A crise de financiamento pela qual a ciência brasileira atravessa atualmente não se deve apenas à falta de recursos, mas de visão estratégica e de uma política de Estado que compreenda a necessidade de aumentar os investimentos no setor para assegurar a competitividade e promover o desenvolvimento econômico e social do país.
A avaliação foi feita por participantes do encontro “É o fim? Um debate sobre os rumos da ciência no Brasil e inspirações de Berlim”, realizado no dia 1º de fevereiro no espaço de eventos da Fnac Paulista.
O evento, que fez parte das atividades do Berlin Science Communication Award, promovido pela Humboldt-Universität zu Berlin e financiado pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG), com apoio do Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF), reuniu pesquisadores e jornalistas científicos para debater sobre o cenário atual e as perspectivas da ciência no Brasil.
“Os investimentos federais em ciência no Brasil nos últimos anos vêm despencando em queda livre, independentemente do governo”, disse Helena Nader, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
De acordo com dados apresentados por Nader, 31,6% das despesas financeiras e primárias do Brasil em 2015, por exemplo, foram com amortização de dívida e 8,7% com o pagamento de juros, e somente 5,8% relacionadas a despesas discricionárias, que são aquelas que o Estado pode ou não executar, de acordo com a previsão de receitas.
Nessa categoria de despesas estão incluídos os setores de educação, saúde, defesa e ciência e tecnologia. Esse último recebeu apenas 5,6% do total de recursos destinados para o pagamento de despesas discricionárias em 2015. “[O baixo investimento em ciência e tecnologia] representa uma opção do Estado brasileiro”, avaliou Nader.
A opinião foi compartilhada por Paulo Artaxo, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
O orçamento geral da União em 2018 deverá ser 1,7% maior do que o de 2017. O orçamento para custeio e investimento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), contudo, deverá sofrer um corte de 56%, também em relação a 2017, comparou Artaxo.
“Há quem diga que o problema da ciência brasileira é a falta de recursos, como se fosse uma questão de contabilidade. Mas não é. O que aconteceu é que mudaram as prioridades”, afirmou. A crise pela qual a ciência brasileira passa também não é exclusiva do setor e faz parte da crise do Estado como um todo, ponderou o pesquisador.
“A crise não é só da ciência brasileira, mas do Estado. Portanto, a ciência brasileira não vai sair dessa crise enquanto o país também não sair da crise institucional na qual está imerso”, disse Artaxo.
Falta de engajamento
Na avaliação de Herton Escobar, jornalista de ciência do jornal O Estado de S. Paulo e colaborador da revista Science, os cientistas brasileiros devem valorizar a divulgação científica e se comunicar mais diretamente com a sociedade, por meio de plataformas de mídia social, e não delegar toda essa responsabilidade para a mídia tradicional.
Segundo ele, essa ação é importante para obter maior engajamento público na defesa da ciência e evitar a falta de apoio popular para a ciência. “Quando havia dinheiro disponível para fazer ciência no Brasil, não fazia diferença se a sociedade dava valor para essa atividade. A partir do momento que temos uma situação crítica, como a que estamos vivendo hoje, os cientistas viram que era preciso o apoio da sociedade, ir à Brasília, pedir mais recursos e mostrar que a ciência é importante, mas a sociedade não respondeu”, disse Escobar.
A dificuldade de se fazer divulgação científica de qualidade e engajar a sociedade brasileira na defesa da ciência foram ponderadas pelos participantes do debate.
“55% da população brasileira não completou o ensino médio. Essa população não vai procurar na internet ou ler jornal para se informar sobre ciência. Ela se informa pela televisão”, disse Nader. “Antes de pensarmos em internacionalização das universidades, é preciso trazer o brasileiro para dentro da escola e promover a cidadania.”