Ciência

A novela da covid-19: como ficam as vacinas com as novas variantes?

Variante britânica e africana preocupam cientistas ao redor do mundo ao diminuírem a eficácia de imunizantes aprovados. Enquanto isso, novamente, a ciência corre contra o tempo

Vacina: farmacêuticas já estão testando eficácia contra as novas cepas (Bloomberg/Getty Images)

Vacina: farmacêuticas já estão testando eficácia contra as novas cepas (Bloomberg/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 13 de fevereiro de 2021 às 07h49.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2021 às 15h44.

Vacina: farmacêuticas já estão testando eficácia contra as novas cepas (Getty Images/Xinhua News Agency/Bloomberg)

A revelação de que a vacina da farmacêutica AstraZeneca com a Universidade de Oxford tem uma eficácia menor contra a variante sul-africana acendeu um alerta nos cientistas nessa semana. A campanha de vacinação mal começou a engatar, e vem ficando claro que existe um risco de as novas cepas do coronavírus driblarem os anticorpos produzidos pelas vacinas atuais. Ainda que os imunizantes sejam eficazes para reduzir o número de mortes e de pacientes internados (que é justamente o benefício mais importante das vacinas), o novo grande desafio da ciência mundial em 2021 é acompanhar e combater as novas mutações do coronavírus.

Atualmente, foram reconhecidas três variantes consideradas as mais transmissíveis, de acordo com estudos preliminares: a britânica, a sul-africana e a brasileira. Todas elas têm em comum a mutação N501Y (também apelidada de “Nelly”), que faz com que as cepas sejam mais contagiosas.

Segundo cientistas britânicos, o coronavírus está passando por mudanças genéticas “preocupantes”, que podem alterar diretamente a eficácia de um imunizante – o que não significa que elas deverão deixar de funcionar, mas sim que precisarão passar por atualizações constantes.

Quais são as mutações atuais?

A mutação Nelly está atualmente nas variantes B1351 (sul-africana), P1 (brasileira) e B117 (britânica) e ela tem a capacidade de ligar as proteínas spike (das espículas) do vírus mais facilmente às células humanas, ficando mais infecciosa.

Antes de a variante B1351 (sul-africana) se tornar dominante, os testes realizados no início do estudo da vacina Oxford/AstraZeneca na África do Sul apresentavam 75% de eficácia para redução de riscos em uma única dose. No início de novembro, em meio aos testes, a cepa começou a se espalhar pelo país e mudou completamente os resultados: ao final, o resultado foi uma eficácia de 22%, chegando bem abaixo dos 60% esperados para aprovação.

De acordo com o epidemiologista Dr. Eric Feigl-Ding, sul-africanos previamente infectados e com anticorpos para a cepa antiga não tinham qualquer proteção contra a B1351, mesmo em casos graves. Ela carrega ainda uma segunda mutação: a E484K, que tem capacidade de escapar dos anticorpos neutralizantes, e que também é encontrada na variante brasileira P1.

A B117, cepa britânica que é de 35% a 45% mais transmissível, foi identificada em meados de dezembro e se tornou dominante no Reino Unido em menos de dois meses. De acordo com a OMS, ela já foi detectada em 80 países, incluindo os Estados Unidos, onde a expectativa é que ela se torne dominante até 23 de março. Lá, a cepa está crescendo 7% por dia e dobrando seu número de casos a cada 9,8 dias, o que vem preocupando cientistas do país e afora.

A variante brasileira P1 foi encontrada em Manaus entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, quando uma alta nos casos fez com que pesquisadores testassem amostras e descobrissem a presença da cepa em 42% delas. Anteriormente, um estudo havia estimado que até 76% da cidade já havia sido contaminada, sugerindo uma probabilidade de imunidade alta na população.

Os pesquisadores descobriram que a cepa "contém uma constelação única de mutações definidoras de linhagem" que poderia estar associada a "um aumento na transmissibilidade ou propensão para reinfecção de indivíduos". A P1 foi um dos fatores para o colapso do sistema de saúde em Manaus no meio de janeiro, com falta de leitos e até mesmo de oxigênio hospitalar.

Como frear as variantes?

Existem planos de algumas farmacêuticas para tentar conter as novas cepas. A britânica GlaxoSmithKline e a alemã CureVac fecharam um acordo de 180 milhões de dólares (por volta de 954 milhões de reais) para desenvolver uma nova geração de vacinas eficazes contra as novas variantes. Uma tarefa complicada, mas que já funcionou em outros casos, como a da gripe, que precisa ser atualizada ano após ano exatamente pela capacidade de mutação do vírus.

A vacina usará a tecnologia do RNA mensageiro, ou mRNA, como as da Pfizer/BioNTech e da Moderna, e deve estar pronta para distribuição em 2022, dependendo da aprovação das agências regulatórias. A expectativa é que ela sirva como uma segunda camada de proteção para aqueles que já foram vacinados e também uma opção para os que ainda não foram.

Outras companhias já estão testando os imunizantes existentes para descobrir o quanto elas são eficazes contra as novas variantes. A da AstraZeneca com a universidade britânica de Oxford tem uma eficácia estimada de 75%, ante 84% para cepas mais antigas e cerca de 10% contra a encontrada na África do Sul. As americanas Johnson & Johnson e Novavax descobriram que seus imunizantes também são menos eficazes contra a cepa.

Um vírus em constante evolução

Um caso extremamente raro causou preocupação. Um homem que tinha câncer e foi infectado pela covid passou por um tratamento que, no caso dele, acabou gerando mutações letais do SARS-CoV-2 – por conta de sua doença e do tratamento escolhido, seu sistema imunológico foi consideravelmente enfraquecido. Ele recebeu o antiviral remdesivir e, depois, doses de plasma convalescente (que são anticorpos retirados do sangue dos recuperados). Após 102 dias, o paciente faleceu.

Segundo pesquisadores da Universidade de Cambridge, a população viral em sua corrente sanguínea passou por mudanças pouco tempo depois do tratamento com o remdesivir, mas, depois de cada dose do plasma convalescente, as amostras coletadas estavam dominadas com uma série de mutações na espícula do vírus.

Uma das mutações encontradas no paciente foi capaz de enfraquecer a potência dos anticorpos no plasma convalescente, ao mesmo tempo em que reduziu a infectividade da covid-19. De acordo com os pesquisadores, o plasma convalescente precisa ser utilizado com cuidado no tratamento de pessoas imunocomprometidas.

Até mesmo o coronavírus tem "sofrido" com as suas próprias mudanças. Com as evoluções, o coronavírus está cedendo pequenos pedaços de seu genoma e causando mudanças na proteína viral que os anticorpos enfrentam. Essa mudança, chamada de "eliminação", já foi identificada em mais de mil vírus na região da espícula da covid-19, segundo um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh.

Outras análises feitas sobre essa eliminação mostraram que algumas cresceram de forma independente por diversas vezes, e algumas foram espalhadas de pessoa para pessoa. Isso significa que mesmo um anticorpo potente contra o Sars-CoV-2 não poderia impedir a infecção pelas espículas virais. Mas, segundo a revista científica Nature, "as misturas de anticorpos coletados de pessoas que se recuperaram da covid-19 podem desativar as variantes do vírus que passaram por eliminações".

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