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Rumo a Paris: Como ter um time de alto desempenho, segundo o técnico do rugby feminino brasileiro

As “Yaras” prometem chegar diferente nas Olimpíadas deste ano, de acordo com o treinador britânico Will Broderick. Entenda como uma boa liderança pode ajudar na mudança de mindset do time e na busca do pódio

Will Broderick, treinador da seleção brasileira feminina de Rugby Sevens: “Antes, o Brasil ia para os grandes eventos satisfeito de estar ali entre as melhores seleções. Atualmente, essa equipe vai para competir, ganhar e desafiar todos os adversários” (Bruno Ruas/Brasil Rugby/Divulgação)

Will Broderick, treinador da seleção brasileira feminina de Rugby Sevens: “Antes, o Brasil ia para os grandes eventos satisfeito de estar ali entre as melhores seleções. Atualmente, essa equipe vai para competir, ganhar e desafiar todos os adversários” (Bruno Ruas/Brasil Rugby/Divulgação)

Publicado em 9 de junho de 2024 às 09h00.

Última atualização em 9 de junho de 2024 às 13h15.

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O britânico Will Broderick, atual treinador da seleção brasileira feminina de rugby, conhecida como “Yaras”, vê o Rugby mais do que um esporte, uma missão.

Nascido em Chester, Broderick viveu boa parte da vida infância em um vilarejo rural no noroeste da Inglaterra. “Comecei a jogar rugby aos cinco anos no Winnington Park, clube tradicional do país, onde fiquei até os 21”, diz. Passou por outro clube inglês, o Sale Sharks, e depois teve experiência como treinador na Nova Zelândia. Chegou ao Brasil em 2014, já conciliando a carreira de atleta com outras funções. Jogou nas equipes de Lechuza, de Sorocaba (SP), e Band Saracens, da capital paulista. Teve também uma passagem pela seleção brasileira. “Fui convocado pela primeira vez em 2016 e, dois anos mais tarde, conquistei o título do Campeonato Sul-americano.”

O papel de treinador da seleção feminina de Rugby chegou em agosto de 2020 e neste ano a preparação está focada nos Jogos Olímpicos em Paris.

“Noto em termos de evolução a mentalidade e o orgulho das brasileiras de vestirem essa camisa. Antes, o Brasil ia para os grandes eventos satisfeito de estar ali entre as melhores seleções. Atualmente, essa equipe vai para competir, ganhar e desafiar todos os adversários”, diz o técnico.

Para entender como o britânico está trazendo alta performance para o time feminino de Rugby em um esporte que não é tão comum no Brasil, veja a entrevista completa que Will Broderick deu à EXAME.

Você sempre viveu pelo rugby. Quando descobriu essa paixão?

Tudo o que alcancei até hoje é por causa dos meus pais. Eles que me introduziram ao rugby, ainda bem jovem, aos cinco anos. À época, quando fui treinar pela primeira vez, nem sabia ao certo o que era o esporte. E, honestamente, nos primeiros anos nem gostava muito de estar lá. Mas segui treinando e teve um momento, lá pelos 12 anos, que descobri o amor pelo rugby. Isso se deu muito pelo meu desempenho, já vinha jogando bem no clube e na escola. Aos 16, já atuava pela equipe adulta e, quando decidi me mudar para a Nova Zelândia para estudar, jogar e treinar, tive apoio incondicional dos meus pais

Quando participou do seu primeiro jogo profissional como jogador?

O momento mais marcante para mim foi a estreia como jogador da seleção brasileira. Foi em 2016, na Bélgica, nossa primeira vitória em solo europeu. Lembro que estava no banco de reservas, sem grandes expectativas de entrar em campo, mas vi o meu companheiro se machucar com menos de 20 minutos e acabei entrando no jogo. Estava muito preparado mentalmente para esse momento e sinto que atuei bem, fazendo o que time esperava de mim. Foi muito especial, até porque a minha família estava presente no estádio.

Quais jogos mais marcaram a sua carreira como técnico?

Tenho vários momentos especiais como treinador, é difícil citar apenas um jogo. Para mim, é muito importante quando a equipe executa com perfeição o plano e a estratégia que foram traçados. Tivemos algumas vitórias bem marcantes em 2024, todas pelo Circuito Mundial. Duas contra a Irlanda, que é uma seleção tradicional, nas etapas de Vancouver (Canadá) e Los Angeles (EUA). Ganhamos também de Fiji, outra equipe muito forte, em Los Angeles. E, recentemente, derrotamos a África do Sul, em Madri (Espanha), em um jogo no qual o encaixe foi muito bom. Senti que o time estava bem, que a preparação para esta partida havia sido muito boa. Ou seja, não me refiro apenas ao desempenho, mas à execução do plano que foi construído.

Por que o rugby no Reino Unido é mais tradicional do que no Brasil?

Porque faz parte da cultura local. Você vê campos de Rugby no Reino Unido em todos os lugares, assim como os campos de futebol no Brasil. O Rugby é praticado nas escolas por lá, há uma tradição gigante. Os clubes têm uma parte social muito forte, envolvem as famílias, e as pessoas acabam se identificando com o esporte.

O que irá diferenciar a seleção brasileira feminina de rugby nos Jogos Olímpicos deste ano? Qual seleção tende a ter um ótimo desempenho este ano?

Nosso plano será apresentar algo diferente ao público, mas prefiro não revelar agora. Queremos estar preparados taticamente para cada jogo, com algumas ferramentas diferentes. Mas o que noto, em termos de evolução, são a mentalidade e o orgulho das brasileiras de vestirem essa camisa. Antes, o Brasil ia para os grandes eventos satisfeito de estar ali entre as melhores seleções. Atualmente, essa equipe vai para competir, ganhar e desafiar todos os adversários. Houve uma mudança de mentalidade das jogadoras e da comissão técnica. Fizemos isso várias vezes em 2024 e, quando não ganhamos as partidas, pressionamos estas seleções até o limite. Isso é algo bem expressivo.

Em relação às outras seleções, diria que a França é uma das favoritas a brigar por medalha. Está competindo em casa, diante de sua torcida, e acredito que vá apresentar um nível alto em termos técnicos.

Qual é a origem do nome "Yaras"?

O time de rugby brasileiro, tanto o masculino e o feminino, eram conhecidos globalmente como os "tupis". Em 2014, por não se sentirem representadas pelo símbolo, o time feminino adotou o nome 'Yaras', nome indígena que significa guerreira e mulher forte. Essa é a imagem que o time feminino de rugby que passar no campo.

Will Broderick, treinador da seleção brasileira feminina de Rugby Sevens: "Todas precisam se sentir valorizadas, mesmo aquelas que não estão jogando" (Bruno Ruas/Brasil Rugby/Divulgação)

Gosta de viver no Brasil?

São Paulo é uma cidade incrível, com muitas opções de lazer. Mas costumo dizer que viver em uma cidade grande é um desafio e tanto, ainda mais para uma pessoa que nasceu em uma área rural da Inglaterra e que está acostumada com o campo, a natureza, o silêncio e um ritmo de vida mais tranquilo. Aqui é mais difícil de relaxar e desligar, estou mais habituado a ficar com o pé descalço na grama, dormir sem qualquer tipo de barulho e a ver poucas pessoas. É isso que me relaxa.

O 10º lugar geral na liga foi o melhor resultado já alcançado pelas “Yaras” desde que o Brasil se tornou uma seleção da 1ª divisão mundial. O time somou seu recorde de vitórias. Foram 11 vitórias brasileiras ao longo das 7 etapas da temporada, contra 8 obtidas na temporada 2022-23 do Circuito. Quais são as dicas para ter um time de alto desempenho?

A primeira delas é se importar profundamente com cada integrante da sua equipe, querendo ajudá-las, investindo nelas como atletas e pessoas. Cada uma tem seu valor dentro de uma equipe e suas próprias necessidades. Então, todas precisam se sentir valorizadas, mesmo aquelas que não estão jogando, ver que o líder se importa com elas.

A segunda é confiança. As jogadoras e o staff precisam acreditar no que você está falando. Se você diz algo, você executa. Se você oferece ajuda, tem de dar o máximo. Todos precisam confiar nas suas explicações, mostrar que isso é para o bem do grupo. O líder precisa ser sincero e estar aberto a ouvir.

O terceiro ponto é o trabalho. Não tem como fugir disso. Você precisa estar pronto, saber que será o primeiro a chegar e o último a ir embora; ser o exemplo; estar pronto para entregar mais do que o outro.

A quarta tática é olhar para si próprio e entender que ainda está aprendendo as coisas. O momento que você pensa saber tudo é quando você para de crescer. E é fundamental para a equipe que você siga crescendo, evoluindo como profissional.

E, por último, conhecer seus pontos cegos. Ser humilde para reconhecer que não sabe tudo, que precisa de ajuda, que vai atrás de profissionais que podem te ajudar. A seleção feminina de rugby vem tendo sucesso este ano porque trouxemos mais profissionais para a equipe e passamos a melhorar em áreas que apresentávamos algumas carências.

Quais lições de sua carreira você poderia compartilhar para quem deseja seguir a vida de atleta?

Não tem muito segredo, é esforço. Grandes esforços geram grandes recompensas. Dessa forma, pode ser que você se torne o melhor atleta do mundo ou a melhor versão de si mesmo. É preciso trabalhar forte e sacrificar algumas coisas, caso realmente queira se desenvolver.

Além disso, estar aberto a aprender. Costumo dizer que somos eternos estudantes, em busca de novos aprendizados. Se você parar de evoluir, alguém tomará o seu lugar.

E outro ponto importante é ter atenção aos detalhes. É fácil olhar para o todo, mas poucos percebem que são as pequenas coisas que fazem a diferença no seu dia a dia. Um jogador precisa cuidar da alimentação, ter uma rotina de descanso, fazer um trabalho mental, enfim, tudo isso você precisa estar disposto a fazer.

Yaras em Madri: última etapa do Circuito Mundial de rugby sevens. 1° de junho de 2024 - Brasil 38x7 Polônia (World Rugby/Divulgação)

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