Carreira

Funcionários parados no trânsito são um drama para empresas

Além do estresse, o caos urbano tem gerado prejuízos de bilhões para as empresas. Para não perder dinheiro e pessoas, é preciso criar uma nova estrutura

Christian Bustamante, Especialista de vendas da Cisco, RJ (Foto: André Valentim. Agradecimento à Confeitaria Colombo do forte de Copacabana)

Christian Bustamante, Especialista de vendas da Cisco, RJ (Foto: André Valentim. Agradecimento à Confeitaria Colombo do forte de Copacabana)

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Da Redação

Publicado em 13 de dezembro de 2013 às 12h37.

São Paulo - Mais de 90 quilômetros separam a casa do gestor de inovação Juan José Pereira, de 45 anos, do trabalho na Totvs, empresa de software, serviços e tecnologia. Todos os dias, ele pega um ônibus fretado em São José dos Campos, interior de São Paulo, com destino à capital e carrega na bagagem uma bicicleta dobrável, que usa para percorrer os três quilômetros finais.

Se ele pensa em mudar para mais perto? Nem por um segundo. Já morou bem próximo e a distância menor nunca significou ganho de tempo na prática. Pereira, que atualmente leva uma hora e meia para chegar ao trabalho, vê muitos colegas que moram em bairros vizinhos demorarem ainda mais tempo. E ele enxerga outras vantagens na sua escolha.

Além de se exercitar, vem e volta tranquilo, lendo um livro ou navegando na internet enquanto, lá fora, motoristas se estressam em um trânsito cada dia mais travado. “Uma vez, estávamos na estrada e ouvimos pelo rádio que existiam vários pontos de alagamento em São Paulo.

Para não ficar parado por horas, o grupo decidiu retornar, e trabalhei normalmente da minha casa”, diz ele, que tem notebook e celular fornecidos pela empresa. “Para driblar os congestionamentos, entro e saio mais cedo, antes dos horários de pico. E faço home office sempre que preciso. Não me vejo trabalhando em um lugar que não tenha essas políticas flexíveis.”

Pereira é o exemplo do trabalhador do futuro, que já deveria estar no alvo das companhias agora, no presente. Assim como um número crescente de profissionais, ele não olha apenas para a remuneração e o crescimento na carreira na hora de avaliar uma proposta ou de fazer a conta se deve se manter no emprego. Ele avalia a forma como irá trabalhar.

Essa é apenas uma das razões pelas quais as empresas já deveriam estar muito mais avançadas no movimento de tornar suas rígidas estruturas de trabalho mais flexíveis. Não a única.

Além da busca pela qualidade de vida dos profissionais, há outro forte motivo que, mais cedo ou mais tarde, vai obrigar as companhias a mudar de postura — o custo que um profissional parado no trânsito caótico das grandes cidades gera para os cofres corporativos.

A Fundação Getulio Vargas fez um estudo em São Paulo, que sedia 63% das multinacionais que operam no Brasil, sobre os custos de produtividade quando há funcionários parados no trânsito e, portanto, ociosos. Considerando o valor médio da hora de trabalho em 2000, a perda era de 7 bilhões de reais naquela época.


Em 2008, o prejuízo chegou a 26,6 bilhões, mais da metade de todo o orçamento da prefeitura da cidade previsto para 2013, de 42 bilhões. “Muita gente está viajando em média duas horas para chegar ao trabalho — e essa realidade não vai mudar no curto prazo.

Essa é uma oportunidade para as organizações, que podem fazer com que esse tempo seja produtivo”, diz Georges Darido, especialista sênior em transportes do Banco Mundial, instituição que está desenvolvendo um projeto piloto inspirador em dois centros empresariais paulistanos localizados entre a Marginal Pinheiros e a Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini — polos que abrigam 80 empresas e mais de 6 000 funcionários.

A região foi escolhida por concentrar o maior número de pessoas se deslocando sozinhas de carro, segundo a pesquisa Origem-Destino do Metrô, e, consequentemente, por apresentar um dos mais altos índices de congestionamento. Em parceria com as companhias, o Banco Mundial está mapeando os trajetos da população dos prédios, os horários e os meios utilizados.

Esses dados serão cruzados e ficarão disponíveis online para que as áreas de recursos humanos — que devem eleger um coordenador de mobilidade — consigam desenvolver políticas de carona e incentivo ao uso de transportes alternativos. 

Revolução digital

Para desenhar um modelo flexível e inteligente de trabalho que funcione bem para os dois lados — empresa e empregado —, é preciso investir em dois campos: tecnologia e cultura. A primeira é mais fácil.

“O investimento em tecnologias que permitam jornadas produtivas, independentemente do tempo e da distância, precisa fazer parte do plano estratégico”, afirma Marcelo Leite, diretor de novas tecnologias da Cisco. “E deve contemplar ações abrangentes, levando em conta os dispositivos como notebooks e smartphones adequados para o trabalho; a rede, preparada para compartilhar dados com qualidade e segurança; os aplicativos funcionais, como os de troca de mensagens de texto, áudio e vídeo; e o usuário, que precisa ser treinado para usar tudo isso.”


Na Cisco não existe baia fixa, porque tem mais gente do que mesa — e não há perdas na interação. A multinacional tem mais de 700 salas espalhadas pelo mundo com recursos de ponta para reuniões por videoconferência, que mais parecem presenciais. Além de reduzir o tempo gasto em deslocamentos, essa estrutura gera economia com viagens. E não é só.

Há ainda o ganho em produtividade. “Levo, em média, uma hora e meia no meu trajeto de casa para o trabalho ou para visitar um cliente”, diz Christian Bustamante, de 38 anos, especialista de vendas da Cisco no Rio de Janeiro. Ele optou por usar táxi para poder trabalhar no caminho com notebook e telefone equipados com 3G.

“Tenho acesso a todas as informações corporativas e, se preciso tirar alguma dúvida com outros especialistas, inclusive de áreas diferentes, entro no chat e em segundos alguém já me passa a informação. É até mais rápido do que se estivesse no escritório.”

Na Philips, outra empresa modelo em práticas flexíveis, 60% dos funcionários podem usar até 20% do tempo para exercer suas atividades fora da companhia. E 20% trabalham à distância por até 90% da jornada.

Os 20% restantes ocupam posições que exigem o cumprimento de horários fixos, como o pessoal das fábricas. Por isso, a sede, em Barueri, na Grande São Paulo, tem mesões coletivos em vez de estações individuais, o que gerou uma economia de espaço de 30%, mesmo abrigando 30% mais pessoas do que o antigo escritório

. “Nos Estados Unidos, muitas empresas de call center reduziram os gastos com megaestruturas colocando as equipes para trabalhar de casa”, diz Weber George Canova, vice-presidente de inovação e tecnologia da Totvs. 

“No Brasil, ainda é preciso vencer o custo do financiamento da infraestrutura remota, que pode sair mais caro do que concentrar os profissionais em um só local.”


Mudança de cultura

A falta de verba para investir em soluções que permitam o trabalho à distância é uma das causas (ou desculpa) que levam as companhias a manter práticas analógicas mesmo adotando um discurso digital. Mas o principal obstáculo para que essa mudança avance no cenário nacional é a cultura corporativa.

Enquanto não há meios efetivos para garantir que as companhias terão mais ganhos do que perdas com um modelo menos tradicional de gestão, muita gente segue engavetando seus projetos de flexibilidade. “O maior desafio não é a flexibilidade, mas a maturidade dos funcionários em lidar com isso.

Educá-los para que criem responsabilidade e gerenciem o tempo é uma arte que aprendemos com a experiência”, afirma Fernanda Soares, líder de desenvolvimento humano e organizacional do Grupo Digital Inc, empresa de serviços de internet que estende as políticas de horários flexíveis e home office a 100% do quadro. Quando entram na empresa, todos recebem um manual de boas-vindas, que inclui direitos e deveres e fica disponível online para consulta.

Outra questão a ser considerada é o treinamento dos gestores, para que passem a avaliar os empregados por resultado, e não pelo número de horas dedicadas ao serviço. É deles também a responsabilidade de identificar aqueles que são elegíveis a realizar parte do trabalho remotamente. E não basta avaliar a função.

Ela é determinante, claro, mas o perfil comportamental conta bastante. Pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, conduziram um estudo em uma organização de Xangai, na China, com empregados que trabalharam quatro dias por semana em casa e outros que executaram as tarefas o tempo todo no escritório.

O primeiro grupo apresentou maiores índices de felicidade e de produtividade — as pessoas atenderam a mais ligações e trabalharam mais horas porque fizeram intervalos curtos e ficaram menos doentes. Porém, algumas tiveram queda no rendimento e quase metade pediu para voltar ao esquema anterior — alegaram que se sentiam solitárias. 


 A atenção vale também para os workaholics, que tendem a trabalhar mais horas do que deveriam. “Às vezes, precisamos orientar o funcionário a dedicar menos tempo à carreira e a fazer um mix melhor entre vida pessoal e profissional”, diz Fernanda, do Grupo Digital Inc. Na Philips, os celulares dados ao grupo que trabalha até 20% longe do escritório são bloqueados depois do horário comercial.

O segundo passo é desenvolver sistemas de monitoramento. “Temos um manual com indicações de como ser assertivo, planilhas para planejamento semanal e mensal, relatórios e reuniões de acompanhamento de performance”, afirma Carlos Fragoso, de 29 anos, assessor comercial do Mercado Livre, grupo de compra e venda online. Ele trabalha no Rio de Janeiro e vai até a sede, em São Paulo, a cada três meses.

Um empurrão feminino

A fuga de mulheres que, no auge de sua produtividade, decidem abandonar as baias em busca de jornadas menos engessadas também vem forçando as empresas a mudar sua mentalidade e colocar na estratégia rotas flexíveis para sanar esse problema.

Segundo levantamento da consultoria Towers Watson realizado com 120 companhias brasileiras, 33% já oferecem horário flexível depois da licença-maternidade e 16% permitem home office durante e após o período de gestação. A Volvo definiu suas boas práticas nessa área em 2008: as funcionárias podem trabalhar em casa por até oito meses depois do término da licença, se a função permitir. Basta que combinem os termos com o gestor.

Ao mudar o modelo mental, as organizações começam a construir uma relação mais humana e individualizada, contemplando as necessidades de seus profissionais em vez de impor as mesmas regras a todos – e adotando, assim, uma gestão mais moderna.

Em 2007, Bustamante, da Cisco, por exemplo, precisou cuidar de um familiar hospitalizado durante um mês no meio de um projeto importante. O gestor permitiu que ele trabalhasse durante esse tempo de forma remota. “De nada adiantaria estar fisicamente no escritório e com a cabeça longe dali”, diz ele. 

É importante reforçar que flexibilizar, ou permitir o trabalho remoto, não significa distanciar as pessoas da cultura organizacional, mas incorporar aos valores da empresa relações e ambientes mais dinâmicos. Quando o Mercado Livre planejou a nova sede em São Paulo, inaugurada no ano passado, previu cibercafé com computadores e acesso à internet, lounge com tevês e videogame, salas de descompressão para um cochilo.


“Os funcionários podem usar as estruturas em qualquer horário”, afirma Helen Menezes, gerente de RH da companhia. “Para incentivar, orientamos que os próprios gestores deem o exemplo e utilizem os espaços.” Marcos Marins, de 43 anos, gerente-geral do Mercado Pago, a plataforma de pagamentos da organização, assina embaixo. “Quando reunimos a equipe em um ambiente descontraído, as pessoas se tornam mais participativas e criativas. Aprendi que pessoas felizes produzem melhor.”

O futuro é agora

Se você ainda não se convenceu de que a flexibilidade nas relações de trabalho é algo urgente e deve ser desenhado desde já, há ainda dois motivos para que comece a pensar seriamente no assunto: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Os dois megaeventos devem esquentar ainda mais essa discussão, e quem já tem um plano agora vai sair na frente. Segundo análise da empresa de recrutamento Robert Half,  32% das companhias no Brasil pretendem adotar políticas de horários flexíveis nos próximos 12 meses. E 19% querem oferecer o benefício do home office aos funcionários.

O governo e a iniciativa privada devem acelerar os investimentos em infraestrutura, como a tecnologia 4G e o aumento do número de pontos de rede Wi-Fi, facilitando o acesso das organizações às soluções digitais. E o volume de gente circulando pelas ruas vai impactar diretamente no dia a dia das corporações.

Só a Copa deve atrair 600 000 turistas, fora os brasileiros que se deslocarão para assistir aos jogos em casa ou nos estádios. De acordo com a previsão do Departamento de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo, isso deve gerar 5,9 milhões de viagens. Em 2010, o governo de Vancouver, no Canadá, montou um bem-sucedido plano em conjunto com as corporações para desafogar o trânsito durante os Jogos Olímpicos de Inverno.

“Vamos propor às cidades-sede da Copa uma iniciativa semelhante, para que utilizem o trabalho à distância como parte da estratégia de mobilidade”, diz Alvaro Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividade e professor da Business School, em São Paulo. Pois bem, o desafio está lançado e esse pode ser um bom teste para os mais céticos.

Aumentar a produtividade, manter a competitividade, atrair e reter talentos serão méritos das empresas conectadas. Não só em termos tecnológicos, mas também ideológicos: o século 21 é a era do trabalho sustentável para empregados, para as companhias e para o planeta.

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