Carreira

Relato de uma brasileira que estagiou no Noma

Meus 20 dias de estágio – com momentos em que quase desmaiei de fome – no melhor restaurante do mundo, o dinamarquês Noma

O restaurante do chef dinamarquês René Redzepi foi eleito pela respeitada revista britânica Restaurant como o melhor do mundo em 2010 e 2011 (Lisa Maree Williams/Getty Images)

O restaurante do chef dinamarquês René Redzepi foi eleito pela respeitada revista britânica Restaurant como o melhor do mundo em 2010 e 2011 (Lisa Maree Williams/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 10 de março de 2013 às 07h47.

São Paulo - A paulistana Renata Vanzetto aprendeu a lidar com pressão, gritaria – e até fome – no período em que estagiou no Noma, comandado pelo chef dinamarquês René Redzepi. O Noma foi eleito pela respeitada revista britânica Restaurant como o melhor do mundo em 2010 e 2011.

Da experiência, a chef – que comanda o restaurante Marakuthai, em São Paulo, com filial na cidade paulista de Ilhabela –, também tomou coragem para colocar em prática um novo projeto. De 5 de novembro a 25 de fevereiro de 2012, a jovem de 23 anos irá receber 18 clientes por noite no quintal de sua casa em Ilhabela, com um menu elaborado exclusivamente com produtos orgânicos de fornecedores locais. A seguir, ela explica o que o estágio no Noma tem a ver com o caminho que passa a seguir agora.

O negócio lá era guerra. O René (Redzepi) aparecia na cozinha e todo mundo tremia de medo. Nós entrávamos às 9 da manhã e saíamos depois da meia-noite. O turno somava quase 16 horas de trabalho e somente às 5 da tarde tínhamos um intervalo para o almoço. Então, eu comia um sanduíche enorme assim que acordava e, ao longo do dia, tomava uns dez cafés para enganar a fome.

Algumas vezes, cheguei a me segurar na bancada para não desmaiar. Outras, me escondi para mastigar o talo do agrião enquanto separava suas folhas. Todos os estagiários passavam mal e, em 20 dias, três de uma equipe de 25 desistiram.

Descobri o Noma pesquisando na internet e o que me chamou atenção foi sua proposta de uma cozinha mais natural. No ano passado, quando a Restaurant o elegeu o melhor do mundo, cresceu minha vontade de trabalhar lá. De início, tive receio porque sabia de conhecidos que haviam tentado e não receberam resposta.

Por isso, quando resolvi mandar um e-mail, apelei para o emocional e pedi pelo amor de Deus. Para a minha surpresa, chegou a mensagem de que eu poderia ir. Dois meses depois, embarquei para Copenhague, onde fiquei de 28 de junho a 17 de julho. Parece que eles procuram estagiários que tenham passado por lugares conceituados ou chefiem restaurantes.

Basicamente, o trabalho consistia em selecionar os alimentos que chegavam para a cozinha. Em vez de picar um maço de salsinha, por exemplo, como em qualquer restaurante, nós analisávamos folha por folha e se encontrássemos um ponto amarelinho, aquela folha já era separada.

O critério é o da qualidade absoluta, então, um trabalho que normalmente leva uma hora, no Noma requer dez vezes mais. Para mim, o pior foi quando tivemos que limpar uns caranguejos enormes. Quando terminei a primeira caixa, com mais ou menos 100, não conseguia nem fechar a mão de tanto que doía, mas fiquei aliviada porque achei que tinha acabado. Então o chef da seção disse: “Tem mais seis caixas”.


“Vocês não podem errar”

O legal é que, ainda que a seleção seja minuciosa, nada vai para o lixo. A salsinha que não está perfeita para decorar os pratos é utilizada em um iogurte de ervas, as frutas que não estão impecáveis são transformadas em sucos ou sobremesas para os funcionários. O dia em que vi o René mais transtornado foi quando alguém jogou fora uma carne que estava boa. Ele berrava que nunca iria admitir aquilo.

Todos os sábados, após o expediente, quem quisesse podia apresentar um prato pessoal à equipe. Depois da degustação, o René perguntava se estava na época de colheita dos ingredientes, se era possível obtê-los com os produtores locais.... Parecia uma prova. Lembro que a chef de confeitaria exibiu uma receita que acabou na lista para ser incluída no cardápio.

Era um doce de pepino, feito com fermento. O René gostou porque tinha várias texturas e temperaturas. Nesses sábados, consegui entender um pouco como funciona a cabeça do chef. Ele contou, por exemplo, o que o levou a criar um dos pratos mais tradicionais do restaurante: uma carne crua, com uma raiz ralada por cima. No auge da gastronomia molecular, com todo mundo aplicando química na cozinha, René propôs um prato para ser comido com as mãos. A ideia era proporcionar algo ancestral.

Em frente ao Noma, é possível ver o barco onde o René passa os dias pesquisando. Quando estava lá, ele queria criar uma casquinha comestível, que imitasse a concha do escargot, para que ele fosse servido dentro dela. Fazia dois meses que seus cozinheiros estavam no barco tentando produzir a encomenda e não conseguiam acertar a cor e o formato. Fui embora sem conhecê-los. Um dos chefs disse que eles só parariam quando chegassem à receita.

Todos os dias, havia reuniões antes do almoço e do jantar. O René sempre encerrava do mesmo modo: “Temos gente vindo de quilômetros de distância para comer aqui. Vocês não podem errar”. E eles não erram. Muitas vezes, questionei isso, mas vi que tem que ser assim. Todos os críticos estão avaliando seu trabalho.

Soube que, no dia seguinte ao da lista da Restaurant do ano passado, o site do Noma teve 150 mil acessos para fazer reservas. Todo dia 1oo restaurante abre o site para as reservas daquele mês e tudo se esgota em três minutos. Perguntei a um dos chefs como era antes de eles alcançarem o topo da lista e ele respondeu: “A gente era muito mais feliz, inclusive o René. Antigamente, depois do movimento, todos se jogavam no mar. Hoje, todos se jogam mortos na cama”.

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