Flávio Augusto da Silva: "Não senti falta de formação acadêmica, mas isso não quer dizer que não senti falta de estudar" (Divulgação)
Claudia Gasparini
Publicado em 11 de agosto de 2016 às 10h26.
São Paulo — Em meados dos anos 1990, Flávio Augusto da Silva era um jovem pobre, nascido na periferia do Rio de Janeiro, com um plano “infalível” para ficar rico: abrir uma escola de inglês. O detalhe é que, aos 23 anos de idade, ele só tinha ensino médio e contava apenas com o dinheiro do cheque especial para começar a empreitada.
A aposta incerta virou a Wise Up, empresa que Flávio vendeu em 2013 por 877 milhões de reais para a Abril Educação, atual Somos Educação, e que recomprou no ano passado.
Há três anos, o bilionário brasileiro também se tornou dono do Orlando City Soccer Club, clube de futebol profissional dos Estados Unidos, que entrou para a primeira divisão norte-americana e contratou o meia brasileiro Kaká.
Além de comandar outras iniciativas, como a startup meuSucesso.com e o fundo T-BDH Capital, Flávio lançou dois livros, “Geração de Valor” e “Geração de Valor 2”, que se tornaram os títulos de negócios mais vendidos nos respectivos anos em que foram publicados.
Sua história e suas ideias fazem sucesso entre os jovens: uma recente pesquisa da Cia de Talentos revelou que o empresário está entre os líderes mais admirados pelos novos ingressantes no mercado de trabalho em 2016.
Em conversa exclusiva com EXAME.com, Flávio falou das competências que mais pesaram para o seu sucesso e seus atuais desafios profissionais, além dos conselhos que daria para quem está começando a carreira agora.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
EXAME.com - Você passou no vestibular de grandes universidades, como Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e UFF (Universidade Federal Fluminense), mas trancou sua matrícula e nunca voltou para a faculdade. Em algum momento você sentiu falta de formação acadêmica?
Flávio Augusto da Silva - Não, até porque creio que nenhuma graduação poderia ter atendido às necessidades que eu tive durante a minha trajetória. Mas isso não quer dizer que eu não tenha sentido falta de estudar. Não acredito que alguém possa se desenvolver profissionalmente sem buscar informações e se qualificar. Só que isso pode ser feito de várias formas, não só da convencional.
Sou muito inquieto, então a todo momento estou atrás de conhecimentos para realizar o que eu quero. Hoje temos uma facilidade imensa para acessar informações, graças à internet. Outro ponto é que eu gosto muito de conversar com as pessoas, absorver as referências que elas trazem, e tirar minhas próprias conclusões.
EXAME.com - O que é mais decisivo para uma carreira de sucesso: ter um excelente repertório técnico ou boas habilidades comportamentais, como liderança e resiliência?
Flávio Augusto da Silva - Eu diria que há algo que antecede qualquer competência técnica ou comportamental. É o propósito. Em primeiro lugar, você precisa saber qual é a sua missão. Se um profissional está fazendo o que quer da sua vida, não precisará se sacrificar, ele trabalhará até 12 horas por dia com um sorriso no rosto.
Dito isso, eu acredito que o comportamental pesa muito mais do que o técnico. A informação, em si, você acha facilmente num site, num livro, num curso. Mas o que você faz diante do desemprego, da morte de um familiar, da traição de um colega de trabalho? O comportamento diante das adversidades define se você vai longe ou não. Gosto da frase "Entre a faca e o queijo, eu fico com a fome". A faca e o queijo são o técnico, a fome é o comportamental. Se você tem fome, vai atrás de todo o resto.
EXAME.com - Em 1995, quando fundou a escola de inglês Wise Up, você só tinha ensino médio e não falava uma palavra do idioma. Em 2013, vendeu o negócio por quase 900 milhões de reais para a Abril Educação, atual Somos Educação. Olhando para trás, quais foram as competências que fizeram você chegar lá?
Flávio Augusto da Silva - A Wise Up me desafiou de várias formas diferentes. Eu tinha 23 anos quando abri a escola. Eu e minha esposa não tínhamos dinheiro. Tínhamos o suficiente para segurar o primeiro mês da empresa, mas precisávamos gerar faturamento para pagar os compromissos do mês seguinte. Costumo dizer que não recomendo isso para ninguém! Não havia família nem ninguém que pudesse nos ajudar. Mas eu acreditava naquele projeto e acreditava que eu era capaz. Deu certo. Naquele primeiro momento, o comportamental influenciou muito, porque precisei ter muita coragem.
É claro que eu tinha algum conhecimento técnico de vendas, porque já tinha trabalhado com isso, e minha esposa também tinha alguma experiência com finanças. Mas isso não era suficiente. Muita coisa, da burocracia à gestão de pessoal, nós só fomos aprender fazendo. De qualquer forma, nós nos mantivemos sempre muito confiantes.
EXAME.com - O espírito empreendedor só é necessário para quem é dono do próprio negócio? Ou também é importante para um funcionário?
Flávio Augusto da Silva - Empreender definitivamente não é uma exclusividade de quem tem um negócio. Tem a ver com ser protagonista, fazer diferença, construir alguma coisa dentro do espaço que você ocupa. É claro que algumas empresas dão mais espaço para isso, outras dão menos. Mas esse é um valor que merece ser cultivado.
Mesmo o funcionário de uma grande empresa precisa olhar além da tarefa, isto é, entender o espaço que ela ocupa dentro dos processos e como contribui para os objetivos da companhia. Assim, ele não vai trabalhar pela tarefa em si, mas pelo resultado. Quem pensa assim já começou a agir como um empreendedor. O próximo passo é questionar certas tarefas, propor novos processos. É preciso estar orientado para os resultados, mesmo que a empresa não peça isso.
EXAME.com - Você ainda enfrenta percalços na sua carreira?
Flávio Augusto da Silva - Sim, muitos. As dificuldades estão sempre conosco. Quando uma pessoa se propõe a crescer, tudo fica difícil. Se as coisas estão fáceis, é porque a sua carreira está estagnada.
Um dos meus maiores desafios atuais é administrar o tempo. Por 18 anos, eu só tive que cuidar da Wise Up. Em 2013, vendi a escola, mas comprei um clube de futebol, o Orlando City, que foi para a primeira divisão dos EUA. Passamos a ter uma média de 33 mil torcedores por jogo, contratamos o Kaká, o time começou a bombar. Comecei a ter uma demanda de trabalho que não existia antes. Depois fundei uma startup de desenvolvimento de empreendedores, a MeuSucesso.com. Em dezembro de 2015, comprei a Wise Up de volta. Hoje preciso cuidar da escola, da startup, do clube de futebol. Preciso fazer mais com a mesma quantidade de tempo, porque o meu dia continua tendo 24 horas. É um desafio enorme.
EXAME.com - Uma recente pesquisa da Cia de Talentos revelou que você está entre os líderes mais admirados pelos jovens em 2016. Qual conselho daria para quem está começando a carreira?
Flávio Augusto da Silva - Questione. Não sou um opositor da educação formal, mas um dos pontos fracos dela é a pouca abertura para isso. O jovem precisa questionar seus objetivos, as suas forças e suas fraquezas, para definir sua missão de vida. O que você faria de graça e feliz, para o resto da sua vida? O que você quer produzir para si mesmo, para sua família e para a sociedade? Quando começa a questionar, uma hora você encontra as respostas, ainda que não sejam as definitivas.
Isso é muito melhor do que só seguir o fluxo, a linha de montagem. Talvez nesse processo de questionamento você será tachado de “garoto-problema”, desajustado. Eu mesmo fui expulso duas vezes da escola. Mas tudo começa assim, é uma fase que passa. O importante é saber: você quer trabalhar para pagar as suas contas e pronto? Você só vai encontrar respostas se for atrás delas. E é bom começar cedo, porque o tempo passa, e passa muito rápido.