Carreira

Doações requerem estratégia e o tempo dos funcionários

Se sua empresa quer conhecer os benefícios de praticar o bem, é preciso investir em uma boa estratégia e doar o tempo de seus funcionários

Funcionarios da DHL Express na entrega de pães em uma casa de apoio no complexo do Canindé, em São Paulo: diariamente, dois voluntários 
da empresa, além do motorista, praticam essa ação na capital paulista
 (Fabiano Accorsi)

Funcionarios da DHL Express na entrega de pães em uma casa de apoio no complexo do Canindé, em São Paulo: diariamente, dois voluntários da empresa, além do motorista, praticam essa ação na capital paulista (Fabiano Accorsi)

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Da Redação

Publicado em 19 de novembro de 2013 às 18h16.

No inverno, caixas grandes ficam disponíveis nos corredores da empresa para que seus funcionários doem agasalhos e cobertores. No Natal, um e-mail — não se sabe bem quem o enviou — convida as pessoas a participar da campanha das sacolinhas, que pretende presentear crianças carentes com roupas e brinquedos. Às vezes, um grupo de funcionários até se reúne para levar mantimentos a um asilo. Esses são os exemplos mais comuns de voluntariado corporativo no nosso país. Segundo a pesquisa “Perfil do Voluntariado Empresarial no Brasil” de 2010, do Conselho Brasileiro de Voluntariado Empresarial (CBVE), com a participação de 30 grandes empresas, campanhas de doação e ações pontuais são as atividades que mobilizam o maior número de voluntários, com 87,5% e 56,3% das respostas, seguidos de mutirões escolares, habitacionais e ambientais. Não é errado fazer doações. O erro está em acreditar que isso seja uma ação de voluntariado. O nome dessa prática, segundo Marcos Kisil, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), é caridade. “Doações de alimentos e campanhas do agasalho têm o seu valor, mas apenas resolvem o problema imediato”, afirma Kisil. “O que se espera do voluntariado corporativo é que ele seja um agente transformador social, com consequências permanentes.”

O problema é que, para evoluir dos programas pontuais para um mais estruturado, a empresa terá de despender tempo e dinheiro — duas palavras que incomodam os líderes na hora de fazer o planejamento. “Como qualquer outra iniciativa de RH, um programa estruturado de voluntariado terá um custo. Se a empresa transfere esse custo para o funcionário, isso não pode ser chamado de programa corporativo”, diz Kisil. O presidente do IDIS lembra ainda que, além do dinheiro e da infraestrutura, as empresas precisam estar preparadas para doar o tempo de seus funcionários para realizar as ações. E trata-se do tempo do expediente. “Voluntariado corporativo fora do horário de trabalho é uma grande mentira. Esse é o período que os funcionários têm para descansar”, diz.

A pediatra Vivian Blunk, gerente médica da farmacêutica GSK, está, desde julho, em Buenos Aires, na Argentina, trabalhando como voluntária na ONG Mundo Sano. Vivian está no grupo dos cinco brasileiros entre os 100 funcionários da GSK que participam (ou já participaram) do programa global Pulse, que, em parceria com organizações não governamentais, busca gerar uma mudança sustentável e sólida em comunidades carentes ao redor do mundo. Os voluntários escolhidos (a concorrência é grande) podem ficar de três a seis meses em missão trabalhando em tempo integral. O currículo de Vivian foi escolhido pela própria ONG, que tem um projeto de controlar ou erradicar doenças negligenciadas em países da América do Sul e da África. “Meu papel está sendo ajudar a estruturar o projeto, montando um planejamento estratégico e um manual operativo, e buscar dados estatísticos, além do desenvolvimento de alguns materiais de comunicação”, diz ela.

A DHL Express é outra empresa que libera seus funcionários durante o tempo de trabalho para atuar como voluntários. Diariamente, dois profissionais participam do programa Mesa Brasil, que acontece em parceria com o Sesc São Paulo há 12 anos.  Além dos voluntários, a empresa oferece um veículo exclusivo com motorista, para coletar alimentos excedentes nos 90 estabelecimentos doadores, entre padarias, supermercados e restaurantes da capital paulista. Após uma seleção, os produtos recolhidos são levados a asilos, albergues e instituições para crianças com câncer e deficientes. Apenas no primeiro semestre de 2012, cerca de 240 voluntários da transportadora distribuíram mais de 31 000 quilos de alimentos, beneficiando aproximadamente 30 000 pessoas por mês na cidade de São Paulo. A iniciativa brasileira recebeu no ano passado o prêmio Corporate Responsibility Award, entregue por Frank Appel, CEO da Deutsche Post DHL, grupo detentor da DHL Express.

Toda a logística do programa é controlada por um Comitê de Responsabilidade Social, formado por funcionários de todas as áreas da empresa. E são eles também os responsáveis por criar a escala e convocar os voluntários que se inscreveram para participar. A empresa se encarrega de divulgar a ação e os resultados obtidos para estimular a participação.  “O fato de termos escolhido algo que é totalmente a nossa cara, já que o que fazemos é coletar e entregar, trouxe ainda mais identificação”, diz Kelly El Kadi, diretora de RH. 

Como parte da missão

Ao estruturar um programa de voluntariado, a empresa deve montar uma ação atrelada à sua expertise, como no caso da DHL, ou fazer algo que corresponda à sua missão, como faz a Philips no Brasil há quase uma década. 

O programa global Fal@ando em Bem-Estar, da multinacional holandesa, busca ajudar crianças e adolescentes de escolas públicas a cuidar da saúde e da qualidade de vida por meio de visitas de funcionários às comunidades do entorno onde a empresa possui unidades. Na ocasião, os voluntários dão orientações sobre hábitos saudáveis, importância do exercício físico, orientação sexual e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidez não planejada. Nos dois anos de programa, mais de 1 000 funcionários já se envolveram em alguma ação, impactando a vida de mais de 8 000 crianças e adolescentes de 27 escolas em seis municípios brasileiros. 

Os familiares dos estudantes também podem participar do programa e recebem orientações de como economizar com as despesas do lar, trocando, por exemplo, as lâmpadas de casa por novos modelos que têm maior índice de eficiência energética. Ricardo Mutuzoc, gerente de sustentabilidade da Philips, atribui o sucesso do programa a fatores como a campanha anual de motivação, que inclui vídeos com o depoimento de quem já participou das ações, o envolvimento dos gestores e, principalmente, o alinhamento com os valores da empresa. “Um programa como esse precisa fazer sentido para o funcionário. A missão da Philips é levar bem-estar às pessoas por meio da inovação, ou seja, está tudo interligado”, diz ele.

Como parte do Fal@ando em Bem-Estar, foi criado também o Volunturismo, programa que oferece a oportunidade para funcionários das filiais da Philips no mundo de visitar outros países para prestar serviços de voluntariado. Em agosto deste ano, um grupo de 20 profissionais de nove países esteve no Rio de Janeiro para realizar ações em escolas públicas das comunidades Chapéu da Mangueira e Babilônia. Durante três dias, eles foram apresentados ao projeto Rio Sustentável, do qual a Philips é patrocinadora, conheceram um pouco mais sobre a realidade local e fizeram o trabalho de sensibilização. 

Relação ganha-ganha

Ajudar o outro faz bem — e não só para o outro. Tanto os profissionais que organizam os programas de voluntariado quanto os próprios voluntários dizem se sentir mais engajados, além de aprender a lidar com situações adversas e trabalhar melhor em equipe. Praticar o bem, portanto, traz um efeito positivo no clima e, consequentemente, nos negócios. “É um grande exercício de aprendizagem e sai mais barato do que mandar um grupo para fazer um MBA, estudar a teoria sem viver a prática”, explica Kisil, do IDIS. 

Para empresas que querem entrar no grupo das que praticam o bem de forma estruturada e sustentável, a orientação é procurar outras companhias que já estejam mais maduras no tema e formar parcerias. “Isso diminui os custos e potencializa os resultados”, diz Ricardo, da Philips. 

A fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, por exemplo, em parceria com a Dow e a ONG Habitat para a Humanidade, construiu e doou casas pré-fabricadas para 32 famílias de uma região de risco no Guarujá, litoral paulista. Mas o projeto não parou na doação. O grupo de trainees da Whirlpool — que desde 2010 dedica 20% do seu tempo à criação de projetos que agreguem valor ao Consulado da Mulher, ação social da marca Consul que assessora mulheres de comunidades carentes a gerar sua própria renda — elaborou um plano de negócios para essa comunidade. Daí saiu o projeto Lavanderia Solidária. “Esses trainees são os futuros líderes e para eles a ação social é tão importante quanto outro projeto dentro da sua área de atuação”, diz Lêda Boger, diretora executiva do programa. Começar cedo é uma forma de a empresa preparar um time todo de voluntários e contribuir na evolução dos negócios e de um país melhor.

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