Engenharia brasileira em crise: as razões por trás da falta de profissionais
Redução de formandos e desinteresse pela área agravam a falta de engenheiros no país. Veja as soluções que especialistas propõem
EXAME Solutions
Publicado em 17 de dezembro de 2024 às 16h05.
Última atualização em 17 de dezembro de 2024 às 16h13.
O Brasil enfrenta uma redução significativa no número de engenheiros formados, o que gera impactos em setores estratégicos como infraestrutura, tecnologia e energia. Segundo o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), entre 2014 e 2020, houve uma queda de 44,5% nas matrículas em cursos presenciais de engenharia nas universidades particulares.
Esse déficit contrasta com a crescente demanda em áreas como engenharia de software, ambiental e civil. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizado em 2023, estima que o Brasil tenha um déficit de 75 mil engenheiros.
Os desafios na educação básica e no ensino superior
A crise começa na educação básica. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022 revelou que 70% dos estudantes brasileiros de 15 anos têm dificuldades com problemas matemáticos simples. Para Humberto Casagrande, CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), a falta de aplicação prática e a abordagem rígida contribuem para o desinteresse dos jovens pela engenharia.
gênios conseguem ser engenheiros. A maioria
das oportunidades está nas áreas de Ciências e Exatas"Humberto Casagrande, CEO do CIEE
Para que o Brasil ponha fim à escassez de engenheiros, especialistas como José Eduardo Frascá Poyares Jardim, presidente do Instituto de Engenharia, defende mudanças estruturais: “A solução passa pela valorização do ensino de exatas e pela modernização dos currículos universitários”, diz ele. “O essencial é entregar à sociedade engenheiros prontos para o desempenho de suas funções em um mundo de mudanças tecnológica e multidisciplinar.”
Impactos no mercado e a baixa presença feminina
Outro ponto crítico é a desindustrialização, que reduz oportunidades na área. José Roberto Cardoso, professor titular da Poli-USP, afirma que o encolhimento da indústria, principal empregadora de engenheiros, reflete diretamente a queda de interesse pela profissão.
No entanto, ele ressalta que o lançamento do novo PAC, com investimentos previstos de R$ 1,4 trilhão, pode demandar cerca de 350 mil novos engenheiros nos próximos anos, desafiando as universidades a atender essa demanda. Atualmente, o país forma apenas 50 mil engenheiros por ano.
Outra boa notícia é a expectativa que essa atração de engenheiros passe pelo aumento da presença feminina. Hoje, apenas 20% dos estudantes e profissionais são mulheres, segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).
Professora da FEI, Michelly de Souza destaca a influência de preconceitos culturais, nos quais muitas meninas são desencorajadas, desde cedo, a seguir a carreira em exatas. “Precisamos mudar essa narrativa e mostrar que a engenharia é uma área acessível para todos, independentemente de gênero”, diz ela.
um papel crucial na solução de problemas globais,
como a descarbonização e as crises climáticas"José Carlos de Souza Junior, do Instituto Mauá
Uma nova imagem da engenharia
A modernização da engenharia e sua conexão com outras áreas são fundamentais para atrair novos estudantes. O professor José Carlos de Souza Junior, superintendente de Desenvolvimento Institucional e Acadêmico do Instituto Mauá, enfatiza que a disciplina deixou de ser apenas técnica e passou a integrar aspectos humanos e colaborativos, conectando-se com áreas como psicologia, direito e meio ambiente.
“Precisamos mostrar que a engenharia tem um papel crucial na solução de problemas globais, como a descarbonização e as crises climáticas”, destaca o professor.
A universidade, segundo ele, precisa trabalhar para tornar o aprendizado menos traumático e mais envolvente. “Queremos mostrar que física, matemática e engenharia podem ser apaixonantes. É esse encantamento que precisamos levar para os jovens”, defende.
Um dos maiores desafios identificados para enfrentar esse déficit é mudar a visão tradicional de que a engenharia é inacessível ou exclusiva para quem tem facilidade com exatas. “A mensagem precisa ser: se você quer resolver problemas da sociedade, a engenharia é para você, independentemente de sua habilidade inicial em física ou matemática”, diz Vagner Barbeta, reitor do Centro Universitário FEI.
Apesar das críticas recorrentes sobre a defasagem de alunos em disciplinas como matemática e física, a universidade adota uma visão equilibrada. “Os alunos chegam com habilidades diferentes. Talvez faltem fundamentos em alguns pontos, mas trazem competências como trabalho em grupo e produção de vídeos, que são essenciais no mercado atual”, ressalta.
Iniciativas para atrair mais estudantes
Em novembro, o CIEE reuniu representantes do Instituto Mauá, Mackenzie, FEI e Poli-USP no Instituto de Engenharia, em São Paulo, para assinar um memorando de Entendimentos (MOU) para formalizar a colaboração entre as partes e partir para ações de combate ao déficit de engenheiros no país.
“O número de formados neste ano é próximo do número de engenheiros formados há dez anos. É essencial que unamos os esforços para colhermos os frutos de um trabalho que não tem sido pequeno. Todos ganham com isso: a engenharia e a sociedade de uma forma geral”, explica Renato Meneghetti Peres, coordenador dos cursos de Engenharia Química e Engenharia de Materiais do Mackenzie.
Também presente no evento, o atual secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, Vahan Agopyan, ressaltou a importância de desmistificar as ciências exatas para os jovens. “Muitos jovens veem as ciências exatas como algo extremamente difícil e inacessível. Precisamos informar e formar esses jovens adequadamente para que eles possam desenvolver raciocínio lógico e aprender a aplicar conceitos matemáticos em situações práticas.”
Para contribuir com a mudança desse cenário, além de conectar jovens estudantes a oportunidades de trabalho, o CIEE lançou o programa Jornada CIEE, uma iniciativa para aumentar o interesse pela Matemática nos primeiros anos escolares. Por meio de um ambiente gamificado na ilha fictícia de Mátika, os estudantes são desafiados a resolver problemas matemáticos para ajudar seus habitantes e coletar pistas necessárias para restaurar uma inteligência artificial que controlava todos os cálculos da ilha.