Burnout: síndrome já afeta um em cada cinco brasileiros (Westend61/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 9 de fevereiro de 2020 às 10h21.
Última atualização em 9 de fevereiro de 2020 às 16h09.
São Paulo - Um robô virtual acompanha diariamente o humor dos funcionários de uma empresa. Uma plataforma oferece terapia on-line e presencial. Um selo indica as companhias que cuidam do bem-estar de seus colaboradores. Aos poucos, iniciativas ligadas à saúde mental no trabalho começam a se destacar no Brasil para fazer frente ao cenário de crescente ansiedade e esgotamento causado pelo trabalho que caracterizam a síndrome conhecida como burnout.
A síndrome já afeta um em cada cinco brasileiros, como revelou recentemente uma pesquisa coordenada pela psiquiatra Carmita Abdo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). São profissionais exaustos, que já não se identificam com o que fazem e acabam bloqueados em suas funções - paralisados e “queimados” pelo
burnout.
A crise econômica acompanhada de piora no mercado de trabalho e a pressão pela conexão 24 horas estão associados a uma explosão de casos, que agora estimula serviços que tentam controlar essa escalada.
Nos últimos meses, a start-up Vittude viu dobrar as procuras diárias de empresas por sua plataforma, que conecta gente em busca de terapia a psicólogos via internet ou em encontros presenciais. A proposta nasceu em 2016, alguns anos depois que sua fundadora e diretora executiva, Tatiana Pimenta, teve experiências frustrantes com profissionais do setor em meio a um tratamento para depressão
Algumas empresas começam a contratar o serviço com um olhar preventivo - conta Tatiana. - Além de isso gerar um retorno financeiro, porque pessoas felizes e engajadas dificilmente adoecem, as empresas conseguem atrair talentos mais facilmente ao cuidarem de seus funcionários. Diminui o número de pessoas que pedem para sair e também o sinistro médico.
Além do contato com o terapeuta, a Vittude promove um programa de saúde com painéis e discussões com psicólogos dentro das empresas. Temas como inteligência emocional, saúde mental, resiliência, estresse e ansiedade são frequentes. Em um ano e meio, mais de 170 funcionários da empresa Resultados Digitais se inscreveram no programa. Isso equivale a 25% do quadro de funcionários da companhia, do ramo de marketing digital
Tivemos vários relatos, por escrito e abertos em eventos ou vídeos, de pessoas trazendo o impacto positivo da psicoterapia para suas vidas pessoais e profissionais. E tem sido crescente o número de pessoas que já buscam a consultoria de bem-estar e psicólogos na plataforma de forma preventiva, como um cuidado com sua saúde emocional e mental da mesma forma que muitos fazem com alimentação e exercícios físicos - conta Anderson Nielson, diretor da área de talentos da Resultados Digitais.
Além do burnout, os funcionários revelaram casos de depressão e ansiedade, ainda mais comuns. Parte é associada ao trabalho, diz Nielson, mas também surgem questões pessoais, afetivas e familiares que acabam impactando no campo profissional.
A empresa tem ainda uma psicóloga interna, terceirizada, que faz triagem e direcionamento das abordagens.
Em contextos de muito crescimento e mudança, dar às pessoas suporte para que possam gerenciar suas situações de estresse e ansiedade já demonstra ser um fator de melhora em clima organizacional, engajamento e com impacto na percepção das pessoas sobre a relevância e impacto do seu trabalho - acrescenta Nielson.
De olho nessa expansão, a Hisnëk, start-up que atende empresas como Nokia e Alelo, lançou uma robô virtual para acompanhar a saúde mental de funcionários de empresas. Ela interage com as pessoas: pergunta como estão se sentindo e acompanha as emoções ao longo do tempo.
Relatos muito frequentes de tristeza e cansaço, por exemplo, acendem um alerta de que há tendência de depressão ou burnout à vista.
Conseguimos identificar colaboradores em risco, o que é fundamental para que recebam cuidado efetivo o quanto antes. Se a empresa não cuidar desse colaborador, ele pode acabar saindo afastado. E, para a empresa, ainda custa mais caro - conta Carol Dassie, diretora executiva e fundadora da Hisnëk.
A robô, explica, também pode sugerir conversas com especialistas e fazer os agendamentos:
- É uma demanda crescente, que não tem faixa etária nem classe social. Empresas de pequeno a grande porte têm procurado. O que acontece dentro das companhias é um reflexo de como a sociedade está
A falta de cuidado também dói no bolso. Depressão e transtorno de ansiedade, que podem estar associadas a casos de burnout, custam US$ 1 trilhão por ano à economia global, apontou um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) há três anos. Além disso, afastamentos por transtornos mentais costumam ser mais longos.
Uma torção no tornozelo pode deixar o funcionário longe do trabalho por uma semana, mas uma depressão geralmente leva a uma licença mais longa. No Brasil, essa discussão ainda engatinha, mas pode evoluir.
Há uma fronteira sendo atravessada - diz Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil). - As empresas têm sido mais cuidadosas de maneira geral. Em situações que fogem do comportamento natural do profissional, como queda de desempenho, muitas empresas já começam a ver que pode ser uma questão de saúde, e se aproximam para ver o que está acontecendo.
Recentemente, a ABRH-Brasil e a Aliança para Saúde Populacional (Asap), com o apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), lançaram o programa Empresa Saudável. A ideia é mobilizar a alta liderança de empresas para que invistam no aprimoramento da gestão da saúde corporativa e controle de doenças.
- Sabemos que o plano de saúde é uma das maiores despesas das empresas. A ideia do programa é nortear as empresas por uma gestão em prevenção. Além de ser um benefício mais bem aplicado ao trabalhador, as empresas podem ter redução de custos - explica Sardinha.
As empresas que conseguirem se organizar neste sentido, seguindo uma série de recomendações e indicadores previstos no programa, poderão receber o selo de “Empresa saudável” - e até usá-lo para pleitear redução de custos em plano de saúde no futuro.
Para além do papel das empresas, parte do combate ao burnout também se deve a características pessoais. Não há estudos que correlacionem fatores genéticos a uma maior predisposição a esgotamento por trabalho, mas condições e comprometimentos individuais pesam.
O empresário Renato Costa, de 45 anos, acorda às 5h30m, viaja a trabalho a cada duas semanas e fica fora vários dias. Há um ano e meio, em férias com a família, conta, custou a desconectar. A rotina pesou, ele dormia pouco e mal, e se anunciava um potencial
burnout.
Prometeu desacelerar e diminuir o tempo de exposição a telas. E passou a pegar os filhos na escola todo dia, o que o obriga a limitar o expediente.
- Chegando em casa, abandono o celular e fico à disposição deles. Minha esposa também trabalha
full time, e nos dividimos nas tarefas de dar banho, jantar, botar para dormir - diz. - Depois ainda respondo alguma mensagem ou e-mail. Trabalhar me faz bem, mas é uma parte da minha vida.Nas manhãs, conta, antes da empresa, faz exercícios. Ele ainda “queima”, mas apenas calorias.