(Tempura/Divulgação)
Luísa Granato
Publicado em 8 de março de 2019 às 06h00.
Última atualização em 8 de março de 2019 às 14h07.
São Paulo - Olhe em volta no escritório. Quantas mulheres você vê? Quais os cargos que elas ocupam? A sua empresa tem uma presidente?
As chances são que o número de mulheres diminua conforme o cargo for subindo de hierarquia na empresa, segundo a pesquisa Panorama Mulher 2018, organizada pela Talenses e o Insper, com amostra de 920 empresas respondentes.
Apenas 19% das empresas têm uma mulher como vice-presidente e 25% possuem uma mulher na diretoria.
O que a pesquisa também mostra é que o gênero da pessoa que ocupa a presidência é muito influente na escolha de mulheres para outros cargos de liderança.
Uma empresa com presidente mulher tem mais mulheres como vice-presidentes (34% contra 18% se o presidente for homem), nas diretorias (45% contra 23%) e nos conselhos (41% contra 10%).
“O efeito das políticas de diversidade não é rápido e precisa ser alimentado o tempo inteiro, por meio de treinamentos de viés inconsciente e de projetos de liderança feminina. O que sabemos é que nada se altera se as empresas não fizerem nada”, diz Regina Madalozzo, coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero do Insper e co-coordenadora da pesquisa.
O relatório observou uma relação entre o tamanho da empresa e o número de mulheres na presidência: quanto maior o negócio, menor a presença delas. Em lugares com mais de 50 funcionários, apenas 10% dos cargos são de mulheres.
Além disso, o número de presidente negros, de ambos os gêneros, é alarmante. São apenas 6%, e mulheres negras são ainda mais raras na posição, Segundo Madalozzo, a pesquisa ainda precisa se aprofundar ao tratar da distinção de cor.
Na vice-presidência, 49% das empresas tinham pelo menos uma pessoa do sexo feminino. Apenas 8 de 287 empresas tinham um VP homem e negro. E eram 6 de 294 empresas com uma VP negra.
Segundo Rodrigo Vianna, diretor da Talenses, consultoria especializada em recrutamento, e co-coordenador da pesquisa, outros países estão muito à frente em investimentos e políticas de práticas para promover a igualdade no mercado de trabalho.
“Ainda temos bloqueios para chegar principalmente à gerência sênior e diretoria, como viés e licença maternidade. Normalmente na base, em qualquer área, não há mais um diferença tão clara entre os homens e mulheres, mas o número de mulheres em cargos altos vai diminuindo. Temos menos mulheres entrando? Não. Precisamos de políticas claras e o envolvimento do CEO pra ter avanços nesse processo”
Para entender melhor o perfil das brasileiras que chegaram a altos cargos executivos, conheça a história de quatro mulheres que são exemplos de liderança, seja como donas da própria empresa, vice-presidentes ou presidentes de grandes empresas:
“Meu sonho era chegar aonde estou hoje. Queria ser VP. Eu perguntava para meu gestor, o Pedro, que trajetória faria sentido para me aproximar da função dele, pois eu queria sentar na cadeira dele um dia”, conta Leticia Kina, VP do Jurídico da Ambev no Brasil.
Quando completou a faculdade de economia, Letícia começou a trabalhar na P&G durante o dia enquanto terminava a segunda faculdade, de direito, a noite. Em 2002, ela foi para a Ambev na área financeira, trabalhando em um projeto de combate a sonegação, e começou sua trajetória na empresa.
Com sua ambição de crescer, a notícia de sua segunda gravidez, em 2006, veio com certa angústia. Como ocorre com outras mulheres, ela temia que sua carreira ficasse estagnada. No entanto, pode ter uma experiência positiva com a segurança que a empresa dava no tratamento a outras funcionárias grávidas.
“Eu voltei de licença e dois meses depois fui promovida. De uma equipe de duas pessoas, fui coordenar quase 200”, fala ela.
Ela acabou assumindo o lugar de seu chefe e mentor, que foi sua referência e a ajudou a definir aonde queria chegar.
“Eu aprendi a não ter medo de falar o que queria. Dá um frio na barriga, eu perguntava se acreditavam que eu podia, se eu continuasse batalhando. A resposta era sempre positiva. Eu vi que conseguia, mesmo em um ambiente muito masculino”, diz.
Sobre ser mulher e líder
“Já participei de várias reuniões em que eu era a única mulher. Em determinados momentos, eu tinha homens da minha equipe me assessorando, mas o cliente ou advogado externo achava que eu era a assistente. Aprendi que é bom entrar na frente e mostrar quem é que vai liderar o debate. É importante não se deixar sumir em um ambiente que já te vê como secundária”
“Acho que na minha geração, que tem 40 anos agora, nós criamos um ambiente que pedia um determinado comportamento. Exista a dúvida de precisarmos repetir o comportamento do gestor homem para estar no lugar dele. São barreiras que temos que romper dentro da gente. Virar o botão para perceber que não precisa ser igual ao homem”.
Sobre a maternidade
“Um momento desafiador foi voltar ao trabalho após a licença. Com um filho pequeno, você não consegue explicar sua rotina para ele. E você precisa encontrar um equilíbrio. Eu não tinha uma pessoa que me orientasse sobre isso. O engraçado é que foi um homem que me falou algo que me ajudou a lidar com a questão. Ele comentou que ficamos nos culpando por estar longe. Percebi que acabava perdendo no trabalho e em casa. Foi um aprendizado grande quando consegui atribuir valor aos momentos e com quem estou no presente, que é importante estar com a minha equipe e também com os filhos, sem cobrar perfeição com tudo.”
“Eu sempre começo assim: eu era pobre”, fala Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós, consultoria de diversidade e sustentabilidade. “Ter sido pobre na primeira infância, de morar em barraco de madeira, ter pedido dinheiro na rua e dormido em rodoviária, pauta muito meu olhar de sustentabilidade e diversidade”.
Hoje com 14 anos de experiência na área, ela começou sua carreira como estagiária em uma empresa multinacional de eletrônicos enquanto fazia sua graduação em Relações Públicas na Faculdade Cásper Libero. Ela atribui essa primeira oportunidade a outra mulher, que abriu as portas do mercado de trabalho.
“Ela me deu uma oportunidade que outros não teriam dado. Sempre fui trabalhadora, mas eu não tinha a menor referência, estava entrando em outro mundo e uma realidade fora da minha”, conta ela.
Muito cedo na carreira, ela entendeu que precisaria estudar muito para conseguir crescer. Quanto mais ela conhecia, mais almejava. Pela Fundação Getúlio Vargas, ela se formou como mestre em Políticas Públicas e conquistou seu MBA Executivo em Gestão de Sustentabilidade.
Liliane foi crescendo, de estagiária para consultora depois coordenadora em diferentes empresas.
Seguindo a trilha buscando reconhecimento e seu espaço no mercado, chegou ao cargo de gestora de Responsabilidade Social para América Latina em uma grande mineradora. No seu segundo dia, ela ouviu um comentário nos corredores: nossa, agora contratam mulher negra para esse cargo?
“Nunca tinha escutado isso. Me vi em um dilema: peço demissão? Ou implanto uma área de diversidade? Primeiro, fiz a área de sustentabilidade, que deu certo, depois foi a diversidade. Naquele dia, ser mulher e negra se igualou a ser lésbica. O mesmo peso que tinha para um tema, se tornou o peso do outro e fiquei no armário todos os anos que trabalhei lá. Estava tentando primeiro transformar a realidade onde ser mulher era uma questão”, diz ela.
Em 2014, ela saiu da empresa para fundar sua própria empresa, a Gestão Kairós. “Foi uma coisa maluca, mas sentia que precisava fazer outras coisas”, conta.
Sobre a liderança
“Desde nova, fazia voluntariado e queria transformar a realidade. Encontrei meu caminho pela sustentabilidade. Eu podia salvar o planeta e alguém ia me pagar para fazer isso? Eu entendi que, quanto mais estudasse, mais subisse na carreira, mais faria diferença. É uma clareza que tenho hoje. Isso é liderança. Cada vez falo para mais gente, cada vez mais me escutam. Entro numa sala cheia de CEOs e quantas pessoas eles influenciam. Não faço sozinha, tenho minha equipe comigo e estamos gerando uma mudança”
Sobre a diversidade
“O que tenho observado é que um grupo, qualquer que seja, com determinada característica muito preponderante e um único comportamento, fica mais empobrecido. Perde forças nas relações, pois só sabem lidar com seus iguais. Se temos só homens, brancos, heterossexuais e cisgênero, temos um embrutecimento das relações. Quando vemos o comportamento, o que pode ou não pode no contexto do trabalho? Não pode por causa da mulher? Não é seguro para a mulher? Então o homem pode perder um braço e a mulher não? Vemos que os problemas são colocados para baixo do tapete.
A diversidade não cria o problema, mas o expõe. Se não é seguro, parece que a mulher é o problema. Mas não tem que ser seguro para todos? Quando coloca novos elementos, você coloca luz nos problemas. Torna necessário dialogar sobre as relações, a insalubridade, competitividade… são problemas de base que não deveriam existir. A diversidade traz uma oportunidade para resolvê-los”
Um conselho para crescer na carreira
“Primeiro, você tem que se dedicar e ser boa no que faz. Diferente de alguém que passe sendo médio, você precisa ser melhor. Quando faço um processo seletivo e vejo pessoas negras indo mal, fico muito mal. Estou mentorando duas pessoas, em particular, para melhorar nisso. Segundo, você precisa se cuidar. Cuide da sua saúde, psicológica e mental. Não é fácil estar na sala com um diretor, se sentir ameaçada e precisar ter inteligência emocional. Terceiro, se mirar em bons exemplos. Olha a Michelle Obama, por que eu não posso virar uma referência global? Parece menos loucura agora, mas no começo, você precisa dessa imagem. Se alguém já conseguiu, eu vou conseguir”
“A primeira vez que me ofereceram o cargo na Rússia, eu disse não. Em alguns momentos, como mulher, é diferente, e tive que pensar se seria seguro para mim”, fala Patrícia Capel, CEO da região Andina da Ambev.
Ela fez administração de empresas na USP e conta que começou a trabalhar cedo. Em 1996, entrou na área de relações com investidores da Brahma. Entre fusões, aquisições e mudanças de nome, ela permaneceu na empresa que a colocou frente a novas oportunidades para evoluir junto do negócio.
E ela sempre aceitou os novos desafios de liderança dessas movimentações. Até 2002, ela cuidava da parte financeira, mas recebeu a chance de mudar de área e conhecer mais a operação da empresa, trabalhando com times maiores em uma pequena fábrica.
Dois anos depois, com a formação da Inbev, ela embarca para o começo de sua experiência internacional, primeiro no Canadá, depois na Bélgica. Depois, ela assume a área de financeira na expansão para a Rússia, Ucrânia, Ásia e Leste Europeu.
“No final, me mudei para Moscou. Foi uma experiência muito legal morar em um país completamente diferente culturalmente. Depois, fui para Nova York, onde era responsável pelos serviços globais de Recursos Humanos. Passei algum tempo em Londres antes de assumir como presidente da área Andina”, fala ela.
Com tantas mudanças, um de seus filhos nasceu na Rússia e o outro em Nova York. “Depois que as crianças nasceram, precisei aprender como balancear melhor o tempo e escolher o que é importante. Tenho muito suporte em casa, mas nunca deleguei o que considero essencial”, diz.
Sobre o trabalho e a maternidade
“Como mãe e executiva, existem coisas não negociáveis. Estou com eles a noite para jantar e colocar na cama. Se preciso viajar, tenho quem me ajude em casa. Mas se tenho reunião em Nova York ou convenção na China, eu marco na terça para ter um equilíbrio para não perder o final de semana. Faço a gerência por exceção, não abro mão de coisas chave. Se precisar fazer algo depois de colocá-los na cama, se precisar chegar mais tarde um dia, eu faço, eu chego. E a empresa sempre me deu suporte nisso”
Sobre liderança
“Acho que mulheres agregam muito como líderes de times, elas lidam melhor com diversidade, mesmo com preocupações em casa, ainda mantém o foco no trabalho. No entanto, quando assumem mais responsabilidade, ainda tem que mostrar que podem liderar outras pessoas. Acho que sempre ajuda ter mais mulheres nesses cargos. Mulheres se espelham ao ver outras mulheres em cargos de liderança, pois podem ver quais as possibilidade de subir na empresa. Se não vê, acreditam menos que é possível”
Sobre como ter mais mulheres na liderança
“Não gostaria de estar onde estou por cotas, mas acho que ajuda. Na Europa, fizeram por cotas, existe a exigência de ter uma mulher sentada no conselho das empresas. É preciso ter uma pressão para mulheres participarem desde o início e um suporte para crescerem. As empresas precisam entender quais são os momentos críticos da vida da mulher que ela precisa de mais atenção. Contratar não é o difícil, existe muita mulher com estudo bom e muita capacidade. Na Ambev, temos mentoria para lideranças. Muitas pessoas crescem na carreira quando mudam de posição e pegam novos desafios. É necessário garantir que tanto a mulher quanto o homem passem pelos mesmos desafios. A chave é o suporte, hoje sou mentora de três pessoas, duas mulheres e um homem. As questões e dificuldades muitas vezes são as mesmas”
“Meu marido fala que sou xereta. Sempre procurei projetos fora da minha área. Quando me pedem um conselho, falo para pular o muro da sua área e ver o que acontece fora dela. Você precisa saber como sua área colabora para o processo todo ser melhor”, conta Denise Santos, CEO da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Denise se formou como engenheira elétrica, uma influência do pai, também engenheiro, em 1990. Na época, era uma das quatro mulheres na turma do Centro Universitário FEI, em São Paulo.
Em seu último ano, ela entrou como trainee na Siemens na área de Supply Chain, mas logo migrou para diversas áreas, movida por sua curiosidade. Ela foi do marketing, gestão de projetos, telecomunicações. Muito cedo, Denise já ocupava um cargo de gerente e saiu da empresa em 2008 como diretora geral.
“Minha carreira teve uma mudança inusitada quando recebi a proposta do Hospital São Luis para ser CEO. Foi um privilégio enorme e uma mudança de trajetória para uma área que nunca havia trabalhado, mas que combinava com o que sempre procurei, algo importante para ter um sociedade melhor”, fala.
Sua jornada de três anos culminou em outro marco importante na sua vida. Aos 42 anos, ela foi mãe pela primeira vez.
Para ela, a experiência da maternidade mais tardia foi muito positiva pelo seu grau de maturidade e seu momento de carreira. “Embora eu estivesse numa posição de muita responsabilidade, eu sabia que tinha um excelente time de alta performance.
Depois, ela passou pelo Grupo RBS e Teleperformance e, em abril de 2013, entrou no comando da BP.
Sobre o sucesso
“Sucesso é igual felicidade. É evidente que você não sente 24 horas por dias e os 365 dias do ano. É como você contribui como pessoa, fazendo seu melhor dentro da sua casa e fora dela. É poder conciliar o que faz em casa com seu propósito no trabalho. Por mais que a vida esteja difícil, tem que ter sentido, ter aquela sensação boa, difícil de descrever”
Sobre ser mãe e CEO
“Após a maternidade, sinto que minha vida ficou mais regrada na rotina diária. Até hoje, saio de casa e não consigo encontrar meu filho pela manhã. No final do dia, tento sair no máximo 19h para me dedicar a ele, meu marido, ao ambiente familiar. Depois que ele dorme, me preparo para o dia seguinte. No trabalho, eu valorizo muito o ambiente de coletividade do hospital, é um momento de passar com as pessoas, de circular pela empresa. Se tenho algo que faço sozinha, como responder e-mails, isso é reduzido no escritório e faço nesse período de noite. É uma escolha minha”
Quais os conselhos para ser um bom líder
“Para ser uma boa líder e chegar ao cargo de CEO, é preciso uma combinação de coisas. É saber da áreas próximas da sua, se alguém convida para novos projetos, projetos com valor para a organização, projetos com chance de aprender algo novo, vá. Não espere que a empresa faça um treinamento, basta você querer, é preciso ter interesse em aprender o tempo inteiro. E em qualquer empresa, para jovens e para mulheres, você precisa ter um interesse genuíno em cuidar das pessoas, quando perguntar no corredor se está tudo bem, ouça. Saber ouvir e ter dedicação o tempo todo é importante. Assim como cuidar do networking desde cedo, toda conversa genuína ajuda a trocar conhecimentos novos com as pessoas e ter mais visibilidade”