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Carreira no divã

O psiquiatra Paulo Gaudêncio diz como a terapia do papel profissional pode ajudar você a ser mais feliz

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.

O psiquiatra Paulo Gaudêncio, um dos mais renomados do país, orgulha-se em dizer que vários de seus clientes estão na lista do Guia EXAME -- As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar. Para ele, o fato de essas organizações enxergarem em um especialista em terapia de grupo a saída para resolver seus conflitos internos demonstra que elas são mesmo muito especiais. "Infelizmente, nem todas as organizações têm essa consciência e tratam seus profissionais como coisas", diz ele. Gaudêncio se dedica à terapia de grupo há 40 anos. No início, limitava-se ao atendimento clínico. Mas, nos últimos 25 anos, tem empregado sua experiência também no universo corporativo. Ao longo desse tempo, foi aprimorando seu trabalho até chegar ao que ele define como "terapia do papel profissional". Trata-se, na verdade, de uma terapia breve, com duração máxima de seis meses, e que tem como foco exclusivamente o papel profissional -- embora haja reflexos também na vida pessoal. Nesta entrevista a VOCÊ S/A, Gaudêncio explica que o relacionamento com a empresa pode ser dignificante ou coisificante. "Disso", afirma ele, "dependerá sua felicidade."

O que é ter um relacionamento dignificante ou coisificante com a empresa?

Quando uma pessoa é desrespeitada em sua dignidade, ela se coisifica e passa a tratar seu trabalho como uma coisa, e não como algo que lhe dê prazer e condições de se realizar. Um profissional que tem um relacionamento coisificante com a empresa está, na verdade, sendo desrespeitado por ela e por seus líderes. Por causa disso, ele simplesmente segue as normas e dá à organização somente a sua parte, trocando horas de trabalho por remuneração. Já o relacionamento dignificante ocorre quando a pessoa tem sua dignidade considerada. Ela, então, torna-se autônoma e luta por sua realização profissional e a da empresa. Esse profissional é mais produtivo e feliz.

Como transformar um relacionamento coisificante em dignificante?

Você só consegue promover mudanças numa empresa com o comprometimento das pessoas. Prova disso é que, de cada dez tentativas de mudança, apenas quatro decolam. E, para que os funcionários possam se envolver, só há um caminho: eles precisam se autoconhecer. Para flexibilizar o papel profissional, devem-se mudar valores. Eu estimulo essa mudança promovendo terapia de grupo com foco no trabalho.

Levar a carreira para o divã traz autoconhecimento?

Sim, desde que a terapia tenha foco no trabalho. Os treinamentos que existem no mercado pecam por ser insuficientes e até superficiais. Muitos consultores se limitam em transmitir uma carga de informação puramente racional, e ninguém muda em um seminário de dois dias. É preciso usar essas informações e fazer um trabalho com as emoções para que aquilo vire mudança emocional. Aí, sim, você agrega valor. Certa vez, um executivo disse que era uma pena não ter feito esse trabalho um ano antes, pois não teria se divorciado. Isso mostra que ele mudou. Era uma espécie de sargentão e virou um democrata. Atuando no aspecto profissional, você atinge também o lado pessoal e consegue mudanças importantes.

Por que um profissional só muda se for trabalhado seu lado emocional?

A mudança no nível racional é rápida e efêmera. Se eu quiser uma mudança constante, tenho de atuar no nível emocional. Não adianta a pessoa saber o que deve fazer no trabalho se não estiver emocionalmente preparada. É por isso que as empresas estão repletas de chefes capazes de discursar sobre liderança mas que, no dia-a-dia, tratam seus funcionários como escravos. Isso acontece porque eles receberam informação sobre o tema mas não assimilaram seu conteúdo de forma emocional.

Como o senhor promove na prática essa mudança na vida do profissional?

As pessoas mudam porque o inconsciente é atemporal. Ou seja: nessa esfera não existe passado. Tudo é presente. O que eu faço é passar uma borracha e reescrever o passado que a pessoa acredita ser o presente. Quantas mágoas não carregamos por algo que nossos colegas nos fizeram? Eu conduzo os grupos para que eles revejam seus valores. E a melhor ferramenta para isso chama-se feedback. É preciso fazer com que as pessoas contribuam umas com as outras para aprimorar seu papel profissional.

Como evitar que as sessões de feedback se transformem em troca de insultos?

Acredito que dar feedback como depoimento e não como acusação é mais difícil do que recebê-lo como algo positivo. Mas isso se faz com estratégia. É preciso mostrar que as pessoas estão ali para se ajudar. Para dar feedback da forma correta é necessário se conhecer. Meu desafio é ajudar as pessoas a fazer isso via papel profissional.

Geralmente é o presidente da empresa quem admite primeiro a necessidade de mudança?

Nem sempre. Até pouco tempo atrás, os diretores me chamavam para cuidar do nível gerencial. Hoje, eles me pedem para tratar deles. Depois, o processo vai descendo até chegar à base. Não há saída: ou a empresa muda, ou fecha as portas.

É possível fazer todos os funcionários mudarem?

Um presidente de banco me fez essa mesma pergunta. A resposta é: não. Normalmente, quando começo o trabalho, 30% das pessoas desejam mudar, 40% ficam em cima do muro e os 30% restantes se recusam a aceitar a idéia. No final, essa proporção é outra: 70% querem mudar, os 10% que se recusavam a pensar no assunto se converteram e 20% continuam resistindo. Estes terão de ser demitidos.

Não há como evitar o corte dessas pessoas fazendo outro tipo de abordagem?

Não há saída: ou você corta, ou eles se cortam. Isso acontece porque sentem que perderam o objetivo. Chega um momento em que a resistência se torna clara e antipática e não há mais espaço para quem está à margem do processo. Eu sou claro sobre isso quando falo com o principal executivo da empresa. É impossível converter o grupo todo, pois sempre há ressentimentos que vão se acumulando ao longo do tempo.

Quem é mais receptivo a esse trabalho dentro da hierarquia das empresas?

O chão de fábrica, que só tem a ganhar se você democratizar a organização. O mais complicado é trabalhar com os gerentes, que estão no meio e têm de lidar com o pessoal do topo e da base. Apesar da resistência, o trabalho acaba acontecendo porque a empresa não tem alternativa.

O que mais angustia os presidentes das empresas atualmente?

É a solidão do poder, não ter com quem falar. A questão é que esses líderes não estão preparados para tamanha responsabilidade -- ninguém está. Vários altos executivos me procuram no consultório para discutir problemas que costumam enfrentar no trabalho. Eles sentem necessidade de dividir seus dramas, e eu faço perguntas que os levam a sintonizar suas emoções.

Até que ponto é válida a máxima de que o presidente não pode demonstrar fraqueza?

Eu conheço a história de um presidente que viajava de avião e viu que todos estavam inquietos por causa da demora da aeronave para pousar. A aeromoça avisou que era apenas um problema de tráfego aéreo. Como a explicação não surtiu efeito, ele se levantou e disse que pegava aquele vôo toda semana e que aquilo era normal. As pessoas se acalmaram. Dez minutos depois, ele desabafou, irritado com a demora: "Assim também já é demais!" O pânico se instalou. Presidente de empresa não pode ter esse discurso. Acontece, muitas vezes, que já é demais mesmo. Por isso, ele precisa ter com quem compartilhar os problemas.

É possível ter amigos no trabalho?

Não tenho dúvida de que o cimento das instituições é a afetividade entre os funcionários. É isso que faz a empresa crescer. Há cinco fatores que compõem a felicidade no papel profissional. Dois dependem da afetividade: o bom ambiente na equipe e o reconhecimento. Os outros são ter desafios, sentir-se útil e fazer o que gosta. Na Nestlé de São José do Rio Pardo, em São Paulo, os funcionários não são amigos -- são quase parentes. É mentira essa história de que na empresa os indivíduos são profissionais e em casa são pessoas. Não dá para dizer para os funcionários: no trabalho você só pensa, lá fora você sente. Você pensa, sente e vive dentro da empresa. É por isso que a produtividade cai quando o ambiente não é bom.

O que é ser feliz no trabalho?

É estar com a cabeça e as emoções voltadas para uma atividade que dê prazer. Fazer o que gosta, com competência. Felicidade é isso e vale para qualquer papel que você desempenha na vida. Quem é feliz, é produtivo e tem saúde física e mental.

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O psiquiatra Paulo Gaudêncio, um dos mais renomados do país, orgulha-se em dizer que vários de seus clientes estão na lista do Guia EXAME -- As 100 Melhores Empresas para Você Trabalhar. Para ele, o fato de essas organizações enxergarem em um especialista em terapia de grupo a saída para resolver seus conflitos internos demonstra que elas são mesmo muito especiais. "Infelizmente, nem todas as organizações têm essa consciência e tratam seus profissionais como coisas", diz ele. Gaudêncio se dedica à terapia de grupo há 40 anos. No início, limitava-se ao atendimento clínico. Mas, nos últimos 25 anos, tem empregado sua experiência também no universo corporativo. Ao longo desse tempo, foi aprimorando seu trabalho até chegar ao que ele define como "terapia do papel profissional". Trata-se, na verdade, de uma terapia breve, com duração máxima de seis meses, e que tem como foco exclusivamente o papel profissional -- embora haja reflexos também na vida pessoal. Nesta entrevista a VOCÊ S/A, Gaudêncio explica que o relacionamento com a empresa pode ser dignificante ou coisificante. "Disso", afirma ele, "dependerá sua felicidade."

O que é ter um relacionamento dignificante ou coisificante com a empresa?

Quando uma pessoa é desrespeitada em sua dignidade, ela se coisifica e passa a tratar seu trabalho como uma coisa, e não como algo que lhe dê prazer e condições de se realizar. Um profissional que tem um relacionamento coisificante com a empresa está, na verdade, sendo desrespeitado por ela e por seus líderes. Por causa disso, ele simplesmente segue as normas e dá à organização somente a sua parte, trocando horas de trabalho por remuneração. Já o relacionamento dignificante ocorre quando a pessoa tem sua dignidade considerada. Ela, então, torna-se autônoma e luta por sua realização profissional e a da empresa. Esse profissional é mais produtivo e feliz.

Como transformar um relacionamento coisificante em dignificante?

Você só consegue promover mudanças numa empresa com o comprometimento das pessoas. Prova disso é que, de cada dez tentativas de mudança, apenas quatro decolam. E, para que os funcionários possam se envolver, só há um caminho: eles precisam se autoconhecer. Para flexibilizar o papel profissional, devem-se mudar valores. Eu estimulo essa mudança promovendo terapia de grupo com foco no trabalho.

Levar a carreira para o divã traz autoconhecimento?

Sim, desde que a terapia tenha foco no trabalho. Os treinamentos que existem no mercado pecam por ser insuficientes e até superficiais. Muitos consultores se limitam em transmitir uma carga de informação puramente racional, e ninguém muda em um seminário de dois dias. É preciso usar essas informações e fazer um trabalho com as emoções para que aquilo vire mudança emocional. Aí, sim, você agrega valor. Certa vez, um executivo disse que era uma pena não ter feito esse trabalho um ano antes, pois não teria se divorciado. Isso mostra que ele mudou. Era uma espécie de sargentão e virou um democrata. Atuando no aspecto profissional, você atinge também o lado pessoal e consegue mudanças importantes.

Por que um profissional só muda se for trabalhado seu lado emocional?

A mudança no nível racional é rápida e efêmera. Se eu quiser uma mudança constante, tenho de atuar no nível emocional. Não adianta a pessoa saber o que deve fazer no trabalho se não estiver emocionalmente preparada. É por isso que as empresas estão repletas de chefes capazes de discursar sobre liderança mas que, no dia-a-dia, tratam seus funcionários como escravos. Isso acontece porque eles receberam informação sobre o tema mas não assimilaram seu conteúdo de forma emocional.

Como o senhor promove na prática essa mudança na vida do profissional?

As pessoas mudam porque o inconsciente é atemporal. Ou seja: nessa esfera não existe passado. Tudo é presente. O que eu faço é passar uma borracha e reescrever o passado que a pessoa acredita ser o presente. Quantas mágoas não carregamos por algo que nossos colegas nos fizeram? Eu conduzo os grupos para que eles revejam seus valores. E a melhor ferramenta para isso chama-se feedback. É preciso fazer com que as pessoas contribuam umas com as outras para aprimorar seu papel profissional.

Como evitar que as sessões de feedback se transformem em troca de insultos?

Acredito que dar feedback como depoimento e não como acusação é mais difícil do que recebê-lo como algo positivo. Mas isso se faz com estratégia. É preciso mostrar que as pessoas estão ali para se ajudar. Para dar feedback da forma correta é necessário se conhecer. Meu desafio é ajudar as pessoas a fazer isso via papel profissional.

Geralmente é o presidente da empresa quem admite primeiro a necessidade de mudança?

Nem sempre. Até pouco tempo atrás, os diretores me chamavam para cuidar do nível gerencial. Hoje, eles me pedem para tratar deles. Depois, o processo vai descendo até chegar à base. Não há saída: ou a empresa muda, ou fecha as portas.

É possível fazer todos os funcionários mudarem?

Um presidente de banco me fez essa mesma pergunta. A resposta é: não. Normalmente, quando começo o trabalho, 30% das pessoas desejam mudar, 40% ficam em cima do muro e os 30% restantes se recusam a aceitar a idéia. No final, essa proporção é outra: 70% querem mudar, os 10% que se recusavam a pensar no assunto se converteram e 20% continuam resistindo. Estes terão de ser demitidos.

Não há como evitar o corte dessas pessoas fazendo outro tipo de abordagem?

Não há saída: ou você corta, ou eles se cortam. Isso acontece porque sentem que perderam o objetivo. Chega um momento em que a resistência se torna clara e antipática e não há mais espaço para quem está à margem do processo. Eu sou claro sobre isso quando falo com o principal executivo da empresa. É impossível converter o grupo todo, pois sempre há ressentimentos que vão se acumulando ao longo do tempo.

Quem é mais receptivo a esse trabalho dentro da hierarquia das empresas?

O chão de fábrica, que só tem a ganhar se você democratizar a organização. O mais complicado é trabalhar com os gerentes, que estão no meio e têm de lidar com o pessoal do topo e da base. Apesar da resistência, o trabalho acaba acontecendo porque a empresa não tem alternativa.

O que mais angustia os presidentes das empresas atualmente?

É a solidão do poder, não ter com quem falar. A questão é que esses líderes não estão preparados para tamanha responsabilidade -- ninguém está. Vários altos executivos me procuram no consultório para discutir problemas que costumam enfrentar no trabalho. Eles sentem necessidade de dividir seus dramas, e eu faço perguntas que os levam a sintonizar suas emoções.

Até que ponto é válida a máxima de que o presidente não pode demonstrar fraqueza?

Eu conheço a história de um presidente que viajava de avião e viu que todos estavam inquietos por causa da demora da aeronave para pousar. A aeromoça avisou que era apenas um problema de tráfego aéreo. Como a explicação não surtiu efeito, ele se levantou e disse que pegava aquele vôo toda semana e que aquilo era normal. As pessoas se acalmaram. Dez minutos depois, ele desabafou, irritado com a demora: "Assim também já é demais!" O pânico se instalou. Presidente de empresa não pode ter esse discurso. Acontece, muitas vezes, que já é demais mesmo. Por isso, ele precisa ter com quem compartilhar os problemas.

É possível ter amigos no trabalho?

Não tenho dúvida de que o cimento das instituições é a afetividade entre os funcionários. É isso que faz a empresa crescer. Há cinco fatores que compõem a felicidade no papel profissional. Dois dependem da afetividade: o bom ambiente na equipe e o reconhecimento. Os outros são ter desafios, sentir-se útil e fazer o que gosta. Na Nestlé de São José do Rio Pardo, em São Paulo, os funcionários não são amigos -- são quase parentes. É mentira essa história de que na empresa os indivíduos são profissionais e em casa são pessoas. Não dá para dizer para os funcionários: no trabalho você só pensa, lá fora você sente. Você pensa, sente e vive dentro da empresa. É por isso que a produtividade cai quando o ambiente não é bom.

O que é ser feliz no trabalho?

É estar com a cabeça e as emoções voltadas para uma atividade que dê prazer. Fazer o que gosta, com competência. Felicidade é isso e vale para qualquer papel que você desempenha na vida. Quem é feliz, é produtivo e tem saúde física e mental.

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