O Copom em perspectiva: mudança não foi totalmente surpreendente
A resolução do impasse sobre o orçamento e os primeiros sinais de arrefecimento da pandemia reduziram o risco fiscal
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2021 às 18h38.
A reviravolta da estratégia de política monetária implementada pelo Banco Central do Brasil em sua última reunião surpreendeu muitos analistas. Ao contrário do que vinham anunciando desde o início da pandemia, quando o BCB reduziu a taxa básica de juros (Selic) para 2% ao ano e indicou que esta taxa permaneceria em níveis excepcionalmente baixos por um longo período de tempo, o Copom decidiu aumentar a Selic em 0,75 ponto de porcentagem e antecipar que haveria novo aumento na reunião seguinte do Comitê, em maio.
Esta mudança de postura não foi totalmente surpreendente. A retirada do chamado “forward guidance”, ou seja, da sinalização de que os juros permaneceriam baixos por um longo período de tempo, além de declarações de membros da autoridade monetária após a reunião de janeiro, sugeriam que o início da normalização da política monetária começaria antes do previsto anteriormente, que era agosto de 2021. Apesar disto, grande parte dos analistas esperavam que isto ocorreria na reunião de maio e não em março e que o Copom iniciaria a normalização com um aumento da Selic de 0,5 p.p. e não de forma mais agressiva, como ocorreu.
A surpresa foi ainda maior devido ao elevado nível de ociosi
dade da economia brasileira e do comportamento dos núcleos de inflação e dos preços dos serviços, que permaneciam abaixo das metas para a inflação em 2021 e 2022.
Entretanto, o forte choque de oferta decorrente dos aumentos dos preços das commodities nos mercados internacionais, potencializado pela desvalorização do Real devido à dúvida quanto ao respeito ao teto do gasto público e ao aumento do risco fiscal percebido pelos investidores, manteve a taxa de inflação em níveis elevados no início de 2021. Com isso, as expectativas para a inflação em 2021 se descolaram da meta do ano e começaram a contaminar as expectativas para 2022.
Diante do risco de perda de controle sobre as expectativas e de perda de credibilidade, o que tornaria a política monetária menos efetiva, a autoridade monetária decidiu adotar uma estratégia mais contundente. Esta, a nosso ver, a razão da reviravolta na estratégia de política monetária ocorrida em março. Entretanto, em seu comunicado após a reunião e na ata da reunião, os membros do Copom mantiveram a avaliação de que a normalização da política monetária seria apenas parcial e que, no final do processo, seria mantido algum grau de estímulo para a atividade econômica.
A resolução do impasse sobre o orçamento, que foi sancionado pelo Presidente da República com vetos de tal forma a manter os gastos recorrentes dentro do teto, e os primeiros sinais de arrefecimento da pandemia, com queda no número de casos e de mortes, reduziram o risco fiscal, o que tem levado a uma tendência de valorização do Real e a menos pressão sobre a taxa de inflação.
Diante desses desenvolvimentos, a pergunta é se haverá alguma mudança importante no comunicado divulgado após reunião do Copom, já que a decisão de aumentar a Selic em 0,75 p.p. parece sacramentada. Se nossa análise está correta, o ponto fundamental que levou à mudança de trajetória da política monetária não está resolvido. As expectativas para a inflação em 2021 permanecem em elevação e persistem sinais de que o risco de contaminação para 2022. Diante deste cenário, a mudança de estratégia de política monetária deverá ser reforçada na próxima reunião do Copom.
Isto significa que no comunicado e na ata da reunião deverá ser retirada a avaliação de que, no final do processo de normalização, algum grau de estímulo à atividade econômica será preservado. Em outras palavras, que a manutenção de algum estímulo irá depender do comportamento da taxa de inflação e das expectativas para a inflação em 2021 e, principalmente, para 2022, que é o horizonte relevante da política monetária neste momento.
* José Márcio Camargo é professor titular do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro e Economista Chefe da Genial Investimentos
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