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Ministério público não pode (mas foi) ignorado em ações policiais

Se houve exagero na Lava Jato, hoje vai se avolumando uma nova etapa em que se ignora a regra básica com vistas a um possível fim maior

Operação desta semana contra Ricardo Salles do Meio Ambiente dispensou a atuação do Ministério Público. (Leandro Fonseca/Exame)

Operação desta semana contra Ricardo Salles do Meio Ambiente dispensou a atuação do Ministério Público. (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2021 às 19h45.

Por Marcio de Freitas*

Se o raio atinge o quintal do vizinho malquisto, é ótimo. Mas é bom lembrar: as nuvens acima estão no mesmo céu que cobre a todos. Amanhã o raio pode cair no seu próprio quintal.

A operação desta semana contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dispensou a atuação do Ministério Público. Não é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) adota essa prática. A falta de ineditismo não pode levar à normalidade. Mesmo que haja desconfiança institucional ou sensação de cooptação de setores da Procuradoria Geral da República (PGR), como emana da decisão do ministro Alexandre de Moraes.

Até porque há um detalhe de grande envergadura no caso, a Constituição Federal. Define o texto do Artigo 127 do “livrinho”: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Ora, a ação foi inteiramente realizada pela Polícia Federal e deveria estar dentro deste conceito abrangente. Ao determinar busca e apreensão em diversos órgãos públicos e locais privados, o Estado agiu de forma jurisdicional. Mas quem de direito assegurou a defesa da ordem jurídica? O poder de polícia não tem essa função. O lugar do Ministério Público estava vago. A Constituição foi ignorada? Por quê?

O vazio talvez tenha surgido de uma acusação velada às pretensões do atual ocupante do cargo de procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele gostaria de ser indicado ao Supremo Tribunal Federal, publicam jornais, revistas e veículos noticiosos online. Quem indica é o presidente da República, Jair Bolsonaro. Por isso, Aras está alinhado aos projetos e desejos emanados do Palácio do Planalto.

Se é verdade esse desiderato, Aras está ferindo também a Constituição na continuidade do artigo 127, em seu parágrafo primeiro: "São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. Estar alinhado mata a independência funcional do Ministério Público. E onde estaria a prova? Talvez na paralisia das investigações que possam incomodar ou atingir o governo federal, apontam fontes em off.

Toda acusação tanto ao Supremo quanto à PGR é baseada em juízos vagos, interpretações, indícios e leituras políticas. Podem ser refutadas, negadas e descartadas com provas até agora desconhecidas. O problema é que pode se cair no velho problema de imagem da mulher de César, a quem não basta ser honesta, mas a quem se exige também parecer ser honesta.

O Ministério Público e a Justiça ocuparam grande protagonismo na história recente do país. A operação Lava Jato prendeu políticos, grandes empresários, encerrou mandatos e interferiu no cenário político. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva alega que foi retirado das eleições de 2018, com bastante documentação produzida pelas conversas da operação Spoofing entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro.

A caça aos bruxos da política tentou mesmo mudar o passado, reinterpretando leis e fatos. Testemunhas viraram delatores com versões que pudessem diminuir multas e tempo de prisão. Doações eleitorais declaradas à Justiça tornaram-se propinas. Claro, havia corrupção e havia crimes. Mas nem sempre eram a mesma coisa. Depois da Lava Jato, tudo ficou indistinto.

Os fatos acabaram prejudicando momentaneamente o combate à corrupção, até porque os exageros e erros dos torquemadas de Curitiba tisnaram a instituição Ministério Público e permitiram anular condenações.

Se lá no passado houve exagero, parece que hoje vai se avolumando novamente uma nova etapa em que se ignora a regra básica com vistas a um possível fim maior – na avaliação de quem comete os atropelos atuais. Quando os fins são confusos, os meios ficam turvados. E nem sempre os atalhos permitem chegar ao fim planejado.

Um país resiste íntegro e permanece unido pela força de suas instituições. Ignorar ou afastar essas instituições só enfraquece e retira legitimidade do Estado, que é Democrático mas também é de Direito.

*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação

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