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Um dos criadores da urna eletrônica do TSE conta como ela funciona

Lançado em 1996, o aparelho foi adotado no país nas eleições a partir do ano 2000; EXAME esclarece dúvidas sobre o uso da urna e sobre a segurança do equipamento

 (© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)

(© Abdias Pinheiro/SECOM/TSE/Agência Brasil)

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Karina Souza

Publicado em 30 de abril de 2022 às 10h00.

A urna eletrônica faz parte do processo de votação brasileiro desde os anos 2000 e, desde então, passa por vários aprimoramentos de segurança periodicamente. Mas afinal, como a ideia da urna eletrônica surgiu? E qual o caminho que ela segue até chegar às cabines de votação? De olho em esclarecer essas dúvidas, EXAME conversou com Giuseppe Janino, consultor independente em eleições digitais, co-autor do projeto brasileiro de urna eletrônica, com uma carreira de 25 anos na Justiça Eleitoral. "A eleição era um processo muito demorado antes da chegada da tecnologia e dificultava esse processo democrático a parcela relevante da população, como pessoas com deficiência visual e analfabetos. Com a urna eletrônica, esse cenário mudou rapidamente, sendo aperfeiçoado a cada ano", afirma. 

Na entrevista, o especialista aborda pontos que vão desde a implantação da urna eletrônica no Brasil até os detalhes sobre os processos de segurança pelos quais o aparelho passa a cada ciclo eleitoral. Veja a entrevista completa abaixo

Como você entrou no projeto de urna eletrônica e como essa ideia surgiu?

O grande motivador da introdução do processo automatizado digital no sistema eleitoral brasileiro foi justamente o cenário que nós vivíamos há 30 anos: uma instituição convencional, onde se votava em cédulas de papel. Essas cédulas de papel eram depositadas em urnas de lona, colocadas em cima de mesas – chamadas mesas apuradoras – e a gente fazia a identificação das cédulas, depois a apuração e a divulgação dos resultados. Ou seja, tínhamos muita intervenção humana, que traz muito mais riscos comparada ao processo automatizado. 

Para citar alguns riscos do processo em papel, estão a lentidão e maior probabilidade de erros. Isso sem falar nas fraudes – algumas já eram até bem conhecidas. Um exemplo eram as urnas que já vinham com votos dentro, pessoas que pediam aos eleitores cédulas em branco para serem preenchidas em outro lugar, subtração dos votos, inclusão de outros votos na mesa apuradora e a interpretação subjetiva, de pegar um rabisco numa célula e, dependendo do interesse, contabilizar o voto para um lado ou para o outro. 

Ou seja, era um processo impregnado de erros e demorado, levando até semanas para ter o resultado final. O que trazia uma sensação de que a eleição era totalmente desacreditada. Foi daí que veio a motivação para mitigar a intervenção humana no processo, usando a tecnologia.

A partir de 1986 se fez o cadastramento eletrônico nacional, um cadastro único eletrônico de todos os eleitores, e a partir de 1996, surge a urna eletrônica, por iniciativa do ministro Carlos Velloso, que formou grupos especializados de tecnologia em alto nível até chegar ao grupo que desenvolveu a urna eletrônica. Eu entrei nessa leva, em primeiro lugar no primeiro concurso do Tribunal Superior Eleitoral em 1995 e, quando entrei, fui colocado no grupo que estava desenvolvendo o projeto de engenharia da urna eletrônica e que eu tive a honra de ser um dos autores do projeto.

Nesses 25 anos de evolução do processo, acompanhei tudo. No momento em que se embarcou a tecnologia, o processo começou a evoluir na mesma velocidade que os avanços digitais. Isso resultou em várias facilidades e principalmente credibilidade para o processo eleitoral, à medida que funcionalidades exclusivas do meio digital, como a garantia da integridade, da autoria, a rastreabilidade, proteção, métodos de auditagem, todos eles inerentes ao paradigma digital, foram incluídos ao processo, trazendo celeridade e credibilidade.

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Como foi o processo de implantação da urna eletrônica?

Não foi fácil, exigiu muito esforço das equipes que estavam lá. Do lado de desenvolvimento, projetar o equipamento, que foi 100% pensado para o Brasil, incluindo características tanto de lei quanto culturais eram desafios de largada. Ao mesmo tempo, a dificuldade em transmitir que o processo era responsável para o eleitor, fazendo com que ele conseguisse assimilar bem a mudança do processo convencional para o automatizado.

Houve uma grande campanha de divulgação da nova forma de votar com as urnas eletrônicas em praças, igrejas, shopping centers, estações rodoviárias, colocando nas TVs, etc. no sentido de dar maior visibilidade possível para o eleitor saber como ele deveria votar.

No fim, o resultado foi muito positivo. O eleitor assimilou muito bem. Porque, na verdade, ele digita num teclado que tem o mesmo layout de um teclado de telefone (ou de celular), à medida que ele digita o número, aparece a foto do candidato. A tecla verde confirma o voto. Se vai querer votar em branco, ele vota na tecla branca e se ele tiver que corrigir ele tem um tecla laranja em que clica e vê novamente a foto do candidato. 

Existe muita facilidade, inclusive para o próprio deficiente visual que estava à margem do processo. As teclas têm tanto em braile e também dispositivos de áudio, onde fones auriculares, é possível clicar, plugar o fone e passar a ouvir o que é apresentado na tela antes de fazer o seu voto.

Quais foram as principais mudanças pelas quais a urna eletrônica passou nos últimos 25 anos, falando em tecnologia?

Há sempre um ciclo de dois em dois anos de adquirir novas urnas, para substituir as que já têm mais de dez anos de uso. Nesse processo, sempre há atualização tecnológica dos componentes eletrônicos, tanto de componentes com funcionalidade de maior processamento e memória e também que viabilizem a inclusão de mecanismos de segurança e auditabilidade. Então, a urna vai sempre evoluindo na questão do hardware e acompanhando também o desenvolvimento do software. Ou seja, digamos que a cada ciclo, a cada equipamento desenvolvido, ele sempre vem com uma atualização tecnológica e o software também evolui.

Um exemplo disso é a identificação biométrica do eleitor. Ela surgiu na edição da urna de 2006 e foi incluída ali como um dispositivo que garantia a identificação do eleitor, uma funcionalidade tecnológica que analisava as digitais. Houve um trabalho desenvolvido em termos de incorporar tecnologia partindo do princípio de que não existem duas digitais iguais no mundo, é um exemplo da tecnologia de incluir, reconhecer, identificar e fazer um processo preciso de identificação do eleitor, entre vários outros mecanismos, além de várias melhorias de criptografia, assinaturas digitais, em que outros elementos de auditoria que foram desenvolvidos e introduzidos no processo. Existem várias evidências da atualização do processo à medida que a tecnologia evolui.

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Quantos mecanismos de segurança e auditabilidade têm hoje? Como é possível comprovar que uma urna não foi fraudada?

Por vezes, surge a hipótese de que o voto impresso tornaria a urna auditável. Isso é uma falácia. Hoje nós temos mais de uma dezena de mecanismos de auditoria que são incluídos no processo, graças às funcionalidades e paradigmas digitais.

Por exemplo: o registro digital do voto. Ao invés de imprimir o voto, a urna faz isso, desde as eleições de 2004, que é o registro digital. Ela grava numa espécie de uma planilha o voto que é digitado na urna, de uma forma aleatória, para não haver inclusive a possibilidade de relacionar o primeiro voto com a primeira pessoa que votou naquele dia e furar o sigilo da votação. Se houver qualquer alteração nos dados que estão nessa tabela, a assinatura eletrônica da urna não confere mais. Depois da eleição, esses dados são entregues para os partidos políticos, que viabilizam inclusive não só realizar a recontagem como também realizarem a apuração e a totalização independente do TSE. Isso só é garantido no paradigma digital, que é uma tabela, um arquivo, com isso eu consigo distribuir 100% dos votos, para 100% dos partidos políticos em 100% das seções. 

Antes de chegar ao dia de votação, se faz o que chamamos de “lacração”, que é uma espécie de blindagem daquilo que foi visto e é congelado num processo matemático, em que se pega cada programa por meio de um algoritmo que gera um dígito verificador. Assim como existe o dígito verificador do CPF, cujo objetivo é garantir que os números foram digitados corretamente, aqui se faz algo semelhante a isso com o arquivo do programa que vai nas urnas. Se alterar um ponto, uma vírgula, uma linha, o dígito verificador não confere mais e com isso eu [TSE] garanto a integridade de todos os programas e afirmo que podem seguir para as cabines de votação. 

Depois disso, várias autoridades assinam digitalmente o programa da urna com seus certificados digitais. Várias autoridades como o PGR, presidente do TSE, presidente da OAB, todos assinam conjuntamente com seus respectivos certificados, gerando uma única assinatura. Com isso se garante um atributo adicional, que é a autoria. Ou seja, onde estiverem esses programas, se pode verificar assinaturas. Se as assinaturas baterem, significa que os programas estão íntegros, e assegura que são de autoria do TSE. Depois desse processo, se guarda uma cópia dos códigos do software na sala-cofre da sala do TSE, para que possam ser verificados a qualquer momento.

Depois que essa cópia foi guardada na sala-cofre, aí sim se distribui pros tribunais regionais eleitorais e os tribunais inserem esse software nas urnas eletrônicas por meio de uma audiência pública. Em cada tribunal regional, se faz uma convocação onde são convocados os partidos políticos, OAB, Ministério Público. No momento, os partidos podem pedir a verificação das assinaturas. Para ver realmente que as urnas são de autoria do TSE, íntegros e originais. 

Depois que o software é inserido nessa audiência pública com essas testemunhas, a urna é lacrada e carregada para os locais de votação. No momento em que ela é ligada, a primeira coisa que a urna faz é ler novamente as assinaturas. Se as assinaturas não conferirem, a urna não funciona. Então não há possibilidade de um software, que não seja de autoria do TSE, ou seja, a mesma cópia que está na sala-cofre e que tem de alguma maneira adulterado, funcione na urna eletrônica.

Outro elemento é o chamado “log” das urnas, que funciona como uma espécie de “caixa-preta” da urna. Ela registra tudo que acontece com a urna, desde o momento em que ela é instalada com o software, ela passa a computar tudo que aconteceu: data e horário em que foi ligada, desligada, hora em que recebeu o primeiro eleitor, momento em que houve pane, se foi substituída ou não, horário em que emitiu boletins, etc. Caso seja feita alguma alteração nesse processo, a assinatura digital não confere e a urna não funciona.

São alguns desses processos, nós temos mais de uma dezena, eu poderia citar aqui vários outros, mas só para demonstrar o quanto que se ganha com o paradigma digital em termos de funcionalidade, em comparação com o voto convencional.

Você avalia que será necessário inserir mais alguma etapa de segurança para as próxima eleições?

A cada eleição, sempre há um aprimoramento, principalmente com os testes públicos de segurança, que são uma grande evolução dentro do processo. Desde 2009, o TSE abre seus sistemas para que qualquer cidadão brasileiro acima de 18 anos se candidate e verifique a segurança da urna. Participam desse teste pessoas altamente capacitadas, como peritos da polícia federal, universidades, mestrandos, doutorandos e outras pessoas que tenham conhecimento em tecnologia. Então há, sempre, uma evolução no processo eleitoral.

O TSE inclusive paga estadia para qualquer pessoa que tenha condições de testar o software e demonstrar onde estão as fragilidades. Nesse processo se abrem os programas, se dá acesso aos algoritmos, e o TSE coloca a urna à disposição, abre a urna, desativa várias barreiras de segurança para facilitar a vida do hacker, para que ele possa fazer seu plano de ataque. 

À medida que as pessoas avançam para chegar nos dados, isso é registrado pelo TSE. O órgão faz as correções e chama novamente o hacker para testar se ele consegue novamente passar. Só aí a gente tem um processo evolutivo muito grande porque somos provocados pela própria sociedade. Até hoje já foram mais de 50 planos de ataque. E, no fim, a urna só vai para a eleição a partir do momento que essas barreiras forem efetivamente consertadas ou fortalecidas. 

 O TSE é obrigado a fazer esse processo desde uma decisão de 2015. Isso faz com que o sistema seja aprimorado, principalmente no quesito de segurança, constantemente, com atuação da sociedade. 

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