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Três anos depois, moradores ainda esperam indenização em Mariana

Ex-funcionário da Samarco tinha dois terrenos no distrito de Bento Rodrigues, que foi arrasado pela lama em 2015. Até agora, não foi indenizado.

Área onde ficava o povoado de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) (Mariana Desidério/Exame)

Mariana Desidério

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2019 às 06h00.

Três anos após o rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco, os moradores do povoado de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) , ainda esperam indenização da companhia. A cerca de 20 quilômetros do centro de Mariana, o local foi destruído pela lama. O desastre matou 19 pessoas, mas não serviu para endurecer as leis nem para garantir mais segurança às barragens de mineração.

Na última sexta-feira (25), mais uma barragem foi ao chão em Brumadinho (MG) , a 160 quilômetros dali. O número de mortos já chega a 110, fora os 238 desaparecidos.

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Quando viu as primeiras notícias sobre Brumadinho, o aposentado Manoel Marcos Muniz, de 55 anos, lembrou do trauma vivido no fim de 2015. Ele tinha dois terrenos em Bento Rodrigues, onde sua família vivia desde a geração de seu avô. Lá ele cultivava jabuticaba, laranja, mexerica, abacaxi, manga e limão, além de criar de gado, galinha, porco e pato.

Tudo isso foi levado pela lama. Muniz levou a reportagem de EXAME ao local atingido pelos rejeitos, cujo acesso é restrito a moradores.

Em visita à sua antiga casa, o morador aponta um toco de madeira para mostrar os limites da propriedade arrasada. "Isso aqui era um pé de jabuticaba. Eu tinha trinta pés aqui. Aquele pau ali eu coloquei para marcar onde ficava minha casa".

Muniz foi um dos que menos dinheiro recebeu até agora da companhia. Foram 20 mil reais de adiantamento de indenização, mais um cartão mensal com cerca de 1.700 reais, devido à perda de renda.

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Há diferenças entre os valores pagos para os cerca de 600 moradores de Bento Rodrigues. Quem teve algum parente morto no desastre, por exemplo, recebeu 100 mil reais de adiantamento de indenização, quem perdeu a única casa própria recebeu 40 mil reais, e quem perdeu a casa mas tinha outra propriedade recebeu 20 mil reais. Quem vivia de aluguel, não recebeu nada. Marcos tem uma casa na região central de Mariana. Por isso, sua propriedade em Bento Rodrigues foi considerada “casa de lazer”.

Ele se emociona ao contar que é um ex-funcionário da Samarco. "Trabalhei 30 anos lá. Me aposentei em 2014 e meu plano era viver aqui, do cultivo da terra. Um ano depois veio a barragem", lembra.

Mesmo depois da destruição do povoado, Muniz e outros moradores continuam frequentando o local aos fins de semana. "Eu não consigo ficar muito tempo sem vir. É aqui que me sinto bem". Ele conta que recentemente comemorou seu aniversário de casamento nas ruínas da Capela de São Bento, construída em 1718 e destruída pela lama. Outra igreja, mais acima, ficou intacta e também é frequentada pela comunidade.

Hoje, Bento Rodrigues nem parece ter vivido um desastre em 2015. No lugar da mancha marrom dos rejeitos há uma represa de água, feita para impedir que a lama continuasse a descer pelo rio. Na parte mais alta do povoado é possível ver a marca marrom nas paredes. As casas que sobreviveram foram todas saqueadas, inclusive portas e janelas. O cenário é de cidade fantasma. Alguns moradores temem que a Samarco faça uma barragem ali e alague toda a área. "As ruínas têm que ficar aqui para meus netos saberem onde fica nossa terra", defende Muniz.

A cerca de 10 quilômetros do povoado original, a Fundação Renova, criada para atender as vítimas da Samarco, está construindo o que será o Novo Bento Rodrigues. As obras estão previstas para serem entregues em 2020, cinco anos depois do desastre. Muniz conta que 17 famílias – das cerca de 180 que moravam no povoado original – já sinalizaram que não querem viver ali. "Nossa vida em comunidade com certeza será afetada", lamenta. Ele próprio pretende aderir ao novo bairro, mas sem muito entusiasmo. “Para nós, mais velhos, vai ser difícil criar um vínculo”.

Aos habitantes de Brumadinho, o morador aconselha: "Sejam firmes na busca pelos direitos e se mantenham unidos. Agora vão viver em função da barragem, eu estou sempre em reunião". Para Muniz, a diferença no adiantamento de indenização dado aos moradores dividiu a comunidade, dificultando as reivindicações.

Se é de algum consolo, os moradores de Brumadinho poderão aproveitar os aprendizados do desastre de Mariana. Um dos pontos é garantir que o cadastro de perdas materiais seja feito em um momento em que os moradores estejam mais recuperados do choque. Outra lição é garantir que os afetados tenham representação nos espaços de decisão, explica Thiago Alves, do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Também há de se levar em conta a forte influência das mineradoras sobre o poder público. A atividade tem enorme peso na economia de Minas Gerais. Não à toa, mesmo após o desastre de Mariana, houve uma flexibilização da legislação ambiental do Estado.

“Não houve interesse político em dar mais segurança em relação às barragens. Pelo contrário. O Estado de Minas Gerais publicou uma norma para agilizar o licenciamento”, diz o promotor Guilherme de Sá Meneghin.

Em Brumadinho, o exemplo de Mariana já ecoa entre os moradores. No bairro de Parque da Cachoeira, que teve mortos e casas atingidas pela lama, moradores eram orientados a "não assinar papeis da Vale" sem a presença do Ministério Público. O medo é de haver uma avaliação equivocada dos bens materiais perdidos.

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