Temer mira eleição com ofensiva na segurança, dizem analistas
Estratégia, no entanto, é arriscada, segundo cientistas políticos, já que o problema da violência é estrutural
Luiza Calegari
Publicado em 16 de fevereiro de 2018 às 16h58.
Última atualização em 16 de fevereiro de 2018 às 16h59.
São Paulo – A nova ofensiva do governo de Michel Temer em frentes de segurança pública pelo país é uma forma aparentemente fácil de melhorar a popularidade do presidente e assegurar um certo capital político para as eleições de 2018 , mas o tiro pode sair pela culatra, segundo cientistas políticos ouvidos por EXAME.
Além de decretar uma intervenção do exército no Rio de Janeiro, depois da escalada da violência durante o Carnaval, o presidente ainda deve anunciar a criação de um Ministério de Segurança Pública e um pacote de medidas para lidar com a crise de refugiados venezuelanos em Roraima.
A consultoria Eurasia afirmou, em nota, que a intervenção no Rio mostra uma mudança importante na estratégia do governo.
Até então, a prioridade tinha sido aprovar reformas impopulares, que eram demandadas pelo mercado. Agora, a intenção parece ser aumentar a aprovação ao governo para impulsionar a candidatura de quem quer que seja o herdeiro do legado de Temer.
Para Ignacio Cano, do departamento de Ciência Política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o governo percebeu que a presença expressiva das intenções de voto em Jair Bolsonaro nas eleições deste ano indica que a segurança será um dos grandes temas de debate antes do pleito.
O problema, no entanto, é garantir que essas medidas façam efeito a tempo de garantir capital político suficiente para o presidente e seu partido, o MDB, até outubro.
“Efetivamente, o que vai mudar com o Exército no Rio de Janeiro? O tanque não vai lançar uma bomba no meio da comunidade. Então, é uma medida simbólica. Ela seria efetiva em um governo que tivesse um projeto de país, que tivesse recursos”, opina Cano.
David Verge Fleischer, professor-adjunto do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), concorda. “A questão da violência no Rio de Janeiro é estrutural, assim como em outros estados. Essas medidas emergenciais são um risco muito grande. Podem dar certo e garantir um aumento na popularidade, mas, para isso, precisa combinar com o crime organizado”.
Para a Eurasia, a situação pode ser ainda mais crítica. Colocar a segurança pública no topo das prioridades do governo pode oferecer marginalmente uma "ajuda" a Jair Bolsonaro, cuja campanha é baseada no endurecimento dessas medidas. Se a intervenção falhar, o deputado federal se beneficia porque as pessoas tendem a exigir medidas mais drásticas do Estado.
"Mesmo que a intervenção traga um sentimento de alívio, o aumento na popularidade de Temer será limitado, já que a principal preocupação dos brasileiros continua sendo a corrupção, que é um dos pontos fracos de Temer, e o desemprego vai continuar acima da média. Ainda assim, para uma administração cujas taxas de aprovação estão no fundo do poço, qualquer ganho é válido", analisaram Silvio Cascione, Christopher Carman, Filipe Gruppelli Carvalho e Djania Savoldi no relatório.
Já Vitor Oliveira, da consultoria política Pulso Público, é menos taxativo em sua avaliação, afirmando que, muitas vezes, na política, a iniciativa de estar fazendo alguma coisa é equivalente a ter solucionado um problema.
“A segurança pública é uma área em que a percepção das pessoas normalmente é pior do que as evidências mostram. O estado de São Paulo vem reduzindo o número de homicídios mês a mês, mas a percepção das pessoas é de que a violência aumentou. Então, quando você manda o Exército para o Rio, cria um ministério só para o assunto, já parece que muita coisa está sendo feita”, explica Oliveira.
Cortina de fumaça
Os pesquisadores ainda ressaltaram que o anúncio das medidas é bastante conveniente para o governo no sentido de tirar o foco do noticiário de outros problemas e escândalos políticos.
Para David Fleischer, o anúncio das medidas de segurança pública é uma estratégia diversiva para amenizar os efeitos das declarações do diretor-chefe da Polícia Federal, Fernando Segovia.
Ele indicou, em entrevista, que a única investigação ainda em andamento contra Temer poderia ser arquivada, porque as evidências eram muito frágeis. Foi convocado a se retratar e gerou um grande desconforto entre os delegados da instituição.
Outro tema que fica simbolicamente enterrado com o anúncio da intervenção no Rio de Janeiro é a reforma da Previdência, já que a Constituição Federal impede a aprovação de qualquer Projeto de Emenda à Constituição (PEC) enquanto durar uma intervenção federal.
Tanto Temer quanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já anunciaram que o decreto pode ser suspenso para a votação da reforma, mas Vitor Oliveira, da Pulso Público, alerta que uma manobra como essa causaria, no mínimo, grande insegurança jurídica.
“Eles podem dizer o que quiserem, mas isso é muito discutível. O fato de suspender o decreto não vai mudar efetivamente a intervenção, então tem aí uma brecha para questionar a votação da reforma na Justiça”, afirma o analista.
Para a Eurasia, a chance de aprovação da reforma continua em 20%, mas a probabilidade de ela passar é cada vez menor, devido à insegurança jurídica.