Brasil

Streck, da Unisinos: Lula, Moro e o clamor popular

Camila Almeida Nesta quarta-feira, em Curitiba, o juiz Sérgio Moro interroga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões em propinas da OAS em troca de fechamento de três contratos com a Petrobras. A defesa de Lula havia pedido prorrogação do depoimento para ter tempo hábil de avaliar o material […]

LENIO STRECK: “Combater a corrupção não é vendeta social”, afirma jurista / Divulgação

LENIO STRECK: “Combater a corrupção não é vendeta social”, afirma jurista / Divulgação

DR

Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2017 às 15h37.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Camila Almeida

Nesta quarta-feira, em Curitiba, o juiz Sérgio Moro interroga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões em propinas da OAS em troca de fechamento de três contratos com a Petrobras. A defesa de Lula havia pedido prorrogação do depoimento para ter tempo hábil de avaliar o material apresentado pela Petrobras – 5,42 gigabytes de conteúdo. Mas o juiz Nivaldo Brunoni, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), determinou a manutenção do interrogatório para esta quarta.

O caso se tornou um embate entre Lula e Moro. Caravanas de apoio ao ex-presidente se comprometeram a viajar até Curitiba para apoiar Lula, enquanto Moro gravou um vídeo pedindo para que manifestantes não se reúnam no entorno do tribunal. A pressão política sobre o julgamento é inegável, mas seria prejudicial para o andamento do processo? Para entender o peso do clamor popular sob o judiciário, EXAME Hoje conversou com o jurista Lenio Streck, doutor em Direito do Estado, professor da Unisinos, procurador de Justiça aposentado e autor de diversos livros sobre hermenêutica jurídica, a ciência voltada à interpretação e aos métodos para compreensão do texto legal. Para o especialista, é preciso mais Constituição, e menos espetáculo.

Nesta quarta-feira, o ex-presidente Lula será ouvido pelo juiz Sérgio Moro, e o depoimento passou a ser considerado um embate. A proporção política e midiática que o julgamento ganhou influencia na capacidade de julgamento?

A própria contraposição Moro vs Lula, por si só, já é um elemento revelador da confusão em que juristas e políticos meteram o Brasil. O juiz não acusa. Colocar o juiz vs o réu é um sintoma perigoso de que o juiz perde a imparcialidade. Se o juiz fosse adversário do réu, seria preciso ter outro juiz para julgar esse processo do juiz contra o réu. Isso já é um problema. Nós chegamos a isso com grande parcela de culpa da comunidade jurídica. A política faz política. O direito tem que fazer direito. E na medida em que a comunidade jurídica politiza o seu objeto, ela abre espaço para a invasão da política e da moral.

O processo inteiro tem sido permeado por espetacularização, com vídeos sendo gravados para documentários, helicópteros, vazamentos de delações premiadas…

As ilegalidades que acontecem no processo da Lava-Jato são expandidas pela torcida que a mídia acaba fazendo.

A condução do processo foi inapropriada?

Em alguns momentos, sim. Há alguns pontos muito claros. A interceptação irregular da conversa de Lula e Dilma, a posterior divulgação irregular dessa conversa captada irregularmente, que foi reconhecida pelo próprio Sérgio Moro. As conduções coercitivas, o excesso de prazo das prisões… São elementos fortíssimos que raramente recebem respaldo dos meios de comunicação, que acabam espetacularizando isso. Com isso, o direito se enfraquece. A pergunta que eu faço é: quando queremos investir do nosso capital democrático para manter o Estado de Direito? Quanto mais nós investimos na torcida ou nas concepções de moral ou política, mais enfraquecemos o direito. Mas não há democracia sem direito. No século 20, a grande conquista foi o direito ter passado a fazer a contenção da política. Mas, no Brasil, o direito está sendo predado pela política e pela moral. Se a opinião jurídica não for separada da opinião política e moral, não iremos longe. Ao mesmo tempo, estamos fragilizando tanto o direito quanto a política. O final da história é que os dois se enfraquecem.

A que o senhor atribui essa influência política e moral no judiciário? Por que o judiciário se permitiu esse tipo de influência?

Por várias razões. Uma delas é que, na nossa tradição democrática, que é curta, não nos acostumamos em apostar no direito. O direito parece um caminho muito longo, para o qual precisamos encontrar atalhos. Com isso, politizamos a questão. O Brasil precisa ser muito prudente, porque não há como transformar combate a um crime num fim em si mesmo. Sem respeitar as garantias processuais, não conseguiremos segurar a democracia. Todos os países do mundo que passaram por crises, que passaram por grandes combate aos crime, preservaram as garantias. Até mesmo a Itália na Operação Mãos Limpas, embora toda a politização que houve, os réus tiveram garantias. Nós não podemos enfraquecer as garantias das pessoas, por mais que elas sejam adversárias políticas. A minha luta é conservadora, eu sou ortodoxo na conservação da Constituição.

Querendo ou não, a Operação Lava-Jato motivou na população um sentimento de que finalmente a corrupção estava sendo combatida, e que de finalmente as coisas públicas estavam passando por algum tipo de crivo. O fato de existir esse clamor popular para que a corrupção seja punida de fato não interfere no judiciário? O judiciário tem que ser de certa forma mouco para o clamor popular?

A Operação Lava-Jato pode ter sido um avanço, mas ela não está imune a críticas e não pode ser conduzida, em nenhum momento, fora das garantias. A Constituição é um remédio contra as maiorias. A frase é velha, mas vale. Se o clamor das ruas fosse valer mais do que o direito, nós não precisaríamos do direito. A democracia só sobrevive se ela, no limite, tem capacidade de julgar apesar do clamor das ruas. Se o Judiciário tem que optar entre a lei e o clamor das ruas, e ele opta pelo clamor das ruas… “Houston, temos um problema”. Concordo que a Lava-Jato é importante. Ninguém pode ser contra, obviamente, ao duro combate à corrupção. No Brasil, a lei só pegava os pobres e, agora, começou a pegar o andar de cima. Mas isso não significa que esse andar de cima possa ser pego de qualquer maneira. Combater a corrupção não é vendeta social.

A população é muito descrente da classe política, mas também é da justiça. A liberação de presos provisórios da Operação Lava-Jato [como o ex-ministro José Dirceu], a afirmação do ministro Gilmar Mendes de que esses presos estavam sendo feitos de “reféns” pelo judiciário, que essas prisões preventivas são uma “extravagância jurídica” não podem alimentar um sentimento na população de que os casos ficarão impunes?

Corre-se o risco, evidentemente. Num país marcado por tantas corrupções e tantas distâncias sociais, é claro que o sentimento da população é de raiva. Hoje, se houvesse um plebiscito, se aprovaria até a pena de morte para corruptos, provavelmente. Mas é preciso ser muito prudente em relação a isso. Na mitologia grega, há uma peça maravilhosa chamada Oresteia. Orestes mata a mãe e seu amante, após os dois terem matado o pai dele. A população queria vingança, queria matar Orestes por isso, mas ele conseguiu o julgamento. Mesmo na mitologia grega já se tinha essa prudência. A Constituição tem cláusula pétrea, as ruas não. O clamor das ruas, por vezes, tem que ser contido. A Constituição é o único caminho seguro.

A Operação Lava-Jato acabou se tornando uma espécie de redenção em meio a tantos escândalos. O tom político e a espetacularização que permeiam a operação fazem com que essa redenção tenha sido minimizada?

A Justiça não pode ser a redenção da sociedade. A Justiça resolve problemas, mas ela não pode ser protagonista. Quem faz protagonismo é a política. Então, as pessoas não entendem que, quanto mais a Justiça se coloca como a redenção, mais se enfraquece a política. E a política é indispensável. Quanto mais mal vai a política, mais política temos que fazer. Não podemos demonizar a política, não podemos, sob o pretexto de ter o Judiciário ou o Ministério Público como redenção, colocar todas as fichas na não-política. O resultado disso sempre podem ser aventureiros, que jogam no vácuo. Na forte disputa entre Justiça e Política, quanto mais a política perde, mais espaço no vácuo se forma para a entrada de alguém que não aposta na política – e, mundo afora, o resultado disso não foi nada bom.

Qual será o legado da Operação Lava-Jato tanto para a Justiça quanto para a política?

A Operação Lava-Jato já está na história do Brasil. E ela pode ter um grande legado se souber fazer sua autocontenção, obedecendo todas as garantias que existem na Constituição. Por mais que alguém seja culpado ou possa ser odiado, seu direito precisa ser respeitado. Porque, na democracia, é assim que conseguiremos defender os direitos de toda a sociedade. É fácil atirar pedras em quem consideramos culpados, difícil é lhes dar o direito de se defender.

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Brasil

Quanto custa uma multa por passar por cima de poças d’água e molhar pedestres?

Leia íntegra do pronunciamento de Haddad sobre isenção do IR e pacote de corte de R$ 70 bi

Escolas cívico-militares: entenda os próximos passos do programa em São Paulo

Como obter aposentadoria por invalidez pelo INSS?