Sociedade brasileira tem moral dupla, diz ministro do STF
"A Justiça brasileira é mansa com os ricos e dura com os pobres. É a característica essencial dela", resumiu o ministro do STF, Luis Roberto Barroso
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2016 às 21h42.
"A Justiça brasileira é mansa com os ricos e dura com os pobres. É a característica essencial dela", resumiu o ministro do Supremo Tribunal Federal , Luis Roberto Barroso, ao falar do conceito de Justiça no Brasil durante o Fórum Veja, evento promovido pela revista nesta segunda-feira (23), em São Paulo.
O ministro, que foi relator do emblemático julgamento do Mensalão, discursou sobre o legado das investigações que atingiram os chamados por ele de "colarinho branco" e como isto afetou a percepção do próprio brasileiro sobre a corrupção.
"Justiça brasileira era pra pegar pequeno traficante e a criminalidade do colarinho branco era vista com certa aceitação social, quase que uma resignação", disse. "Eu acho que houve uma mudança de atitude da sociedade, de que a Justiça vale para todos."
Segundo Barroso, o endurecimento de penas e leis contra a corrupção foi vitória importante nas últimas décadas, mas o Brasil carrega ainda muitas "vicissitudes", como o "inigualitarismo" na sociedade brasileira. "Nós somos herdeiros de uma tradição escravocrata e fomos o último País do continente americano a abolir a escravidão."
"Nós fomos educados numa cultura em que existem senhores e servos, ricos e pobres, negros e brancos. E isso se materializa muito numa percepção social de que as pessoas valem mais pelas suas origens e relações sociais do que pela sua virtude e pelos seus méritos. Uma forma emblemática de representar isso é que, no Brasil, é muito mais fácil colocar na cadeia um menino de 18 anos por 100 gramas de maconha do que um grande agente público ou privado que tenha provocado uma graude de alguns milhões."
O ministro também fez críticas ao financiamento público e desonerações. "São exemplos dessa vicissitude as desonerações e o financiamentos públicos para os amigos e o modelo de capitalismo que não gosta nem de risco, nem de corrupção. Capitalismo no Brasil gosta de financiamento público, reserva de mercado e cartelização -- com essas circunstâncias isso não é capitalismo, é socialismo para os ricos."
Em discurso, Barroso afirmou que uma das causas da corrupção no Brasil tem sido, historicamente, a impunidade. "As pessoas tomam decisões baseadas em incentivos e riscos e, o incentivo à corrupção, ao ganho fácil, sempre foi muito grande porque o risco de punição era muito pequeno. No Brasil, sobretudo para a criminalidade econômica, do 'colarinho brasil', a regra sempre foi impunidade."
'Sistema político reprime o bem, potencializa o mal'
Para o ministro, bons exemplos, como foi Joaquim Barbosa para o Mensalão e Sergio Moro para a Lava Jato, são as principais heranças destas investigações. "Precisamos que a elite brasileira passe a aceitar a condenação, digo entre aspas, dos nossos. Porque tradicionalmente não era assim que funcionava."
Luis Roberto apontou ainda que o atual modelo político brasileiro extrai o "pior de nós", uma vez que "reprime o bem e potencializa o mal":
"Pra onde você olha existem coisas erradas. As pessoas que vão pra política são recrutadas no mesmo ambiente em que são recrutados jornalistas, engenheiros, médicos e juízes. Então se há particular incidência de criminalidade nesse âmbito, é preciso diagnosticar o que está causando isso e enfrentar. Eu considero o custo e a baixa legitimidade democrática que o sistema eleitoral produz, o que faz com que a classe política opere de maneira descolada da sociedade civil."
O ministro também criticou o hábito do brasileiro de apontar os erros do próximo e diz que grande parte da transformação contra a corrupção passa por "nós mesmos". "A sociedade tem uma moral dupla, de que os outros fazem é errado, mas o que eu faço não tem problema", afirmou. "Precisamos avançar nisso, senão passaremos a vida apontando o dedo para o outro."
"Uma frase que tenho para mim é: não importa o que esteja acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que você puder e seja bom e correto, mesmo quando ninguém estiver olhando."
Por fim, o ministro disse que o Brasil precisa melhorar a qualidade do debate público e que hoje muitos debates viraram "Fla-Flu", sem argumentos construtivos, apenas com discursos que desqualificam o outro.
"As ideias importantes: quantas pessoas vão ser afetadas se mudar regra? Quantas vagas precisam ser criadas no sistema? Quanto custa? Esse é um debate construtivo e, então, você debate com ideias, e não fica nesse mundo brasileiro em que a pessoa desqualifica o outro e todo mundo acha muita coisa sem ter procurado. O Brasil está precisando de ideias e de pessoas com boas propostas."
"A Justiça brasileira é mansa com os ricos e dura com os pobres. É a característica essencial dela", resumiu o ministro do Supremo Tribunal Federal , Luis Roberto Barroso, ao falar do conceito de Justiça no Brasil durante o Fórum Veja, evento promovido pela revista nesta segunda-feira (23), em São Paulo.
O ministro, que foi relator do emblemático julgamento do Mensalão, discursou sobre o legado das investigações que atingiram os chamados por ele de "colarinho branco" e como isto afetou a percepção do próprio brasileiro sobre a corrupção.
"Justiça brasileira era pra pegar pequeno traficante e a criminalidade do colarinho branco era vista com certa aceitação social, quase que uma resignação", disse. "Eu acho que houve uma mudança de atitude da sociedade, de que a Justiça vale para todos."
Segundo Barroso, o endurecimento de penas e leis contra a corrupção foi vitória importante nas últimas décadas, mas o Brasil carrega ainda muitas "vicissitudes", como o "inigualitarismo" na sociedade brasileira. "Nós somos herdeiros de uma tradição escravocrata e fomos o último País do continente americano a abolir a escravidão."
"Nós fomos educados numa cultura em que existem senhores e servos, ricos e pobres, negros e brancos. E isso se materializa muito numa percepção social de que as pessoas valem mais pelas suas origens e relações sociais do que pela sua virtude e pelos seus méritos. Uma forma emblemática de representar isso é que, no Brasil, é muito mais fácil colocar na cadeia um menino de 18 anos por 100 gramas de maconha do que um grande agente público ou privado que tenha provocado uma graude de alguns milhões."
O ministro também fez críticas ao financiamento público e desonerações. "São exemplos dessa vicissitude as desonerações e o financiamentos públicos para os amigos e o modelo de capitalismo que não gosta nem de risco, nem de corrupção. Capitalismo no Brasil gosta de financiamento público, reserva de mercado e cartelização -- com essas circunstâncias isso não é capitalismo, é socialismo para os ricos."
Em discurso, Barroso afirmou que uma das causas da corrupção no Brasil tem sido, historicamente, a impunidade. "As pessoas tomam decisões baseadas em incentivos e riscos e, o incentivo à corrupção, ao ganho fácil, sempre foi muito grande porque o risco de punição era muito pequeno. No Brasil, sobretudo para a criminalidade econômica, do 'colarinho brasil', a regra sempre foi impunidade."
'Sistema político reprime o bem, potencializa o mal'
Para o ministro, bons exemplos, como foi Joaquim Barbosa para o Mensalão e Sergio Moro para a Lava Jato, são as principais heranças destas investigações. "Precisamos que a elite brasileira passe a aceitar a condenação, digo entre aspas, dos nossos. Porque tradicionalmente não era assim que funcionava."
Luis Roberto apontou ainda que o atual modelo político brasileiro extrai o "pior de nós", uma vez que "reprime o bem e potencializa o mal":
"Pra onde você olha existem coisas erradas. As pessoas que vão pra política são recrutadas no mesmo ambiente em que são recrutados jornalistas, engenheiros, médicos e juízes. Então se há particular incidência de criminalidade nesse âmbito, é preciso diagnosticar o que está causando isso e enfrentar. Eu considero o custo e a baixa legitimidade democrática que o sistema eleitoral produz, o que faz com que a classe política opere de maneira descolada da sociedade civil."
O ministro também criticou o hábito do brasileiro de apontar os erros do próximo e diz que grande parte da transformação contra a corrupção passa por "nós mesmos". "A sociedade tem uma moral dupla, de que os outros fazem é errado, mas o que eu faço não tem problema", afirmou. "Precisamos avançar nisso, senão passaremos a vida apontando o dedo para o outro."
"Uma frase que tenho para mim é: não importa o que esteja acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que você puder e seja bom e correto, mesmo quando ninguém estiver olhando."
Por fim, o ministro disse que o Brasil precisa melhorar a qualidade do debate público e que hoje muitos debates viraram "Fla-Flu", sem argumentos construtivos, apenas com discursos que desqualificam o outro.
"As ideias importantes: quantas pessoas vão ser afetadas se mudar regra? Quantas vagas precisam ser criadas no sistema? Quanto custa? Esse é um debate construtivo e, então, você debate com ideias, e não fica nesse mundo brasileiro em que a pessoa desqualifica o outro e todo mundo acha muita coisa sem ter procurado. O Brasil está precisando de ideias e de pessoas com boas propostas."