Polêmico, projeto das fake news pode ser votado no Senado nesta quinta
Texto cria um manual de boas maneiras para empresas e internautas, mas vem sendo criticado pela rapidez na tramitação e pouco debate
EXAME Hoje
Publicado em 25 de junho de 2020 às 07h09.
Última atualização em 25 de junho de 2020 às 08h37.
Enquanto a Polícia Federal avança nas investigações contra empresários e parlamentares acusados de disseminar conteúdo falso pela internet, o Senado vota nesta quinta-feira a chamada "Lei das Fake News" que prevê, entre outras coisas, que pessoas responsáveis por difamação em redes sociais sejam enquadradas como criminosos.
A ideia do projeto, que teve entre os autores nomes como a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) e o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), é estabelecer a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet -- uma espécie de manual de boas maneiras para empresas e internautas.
Mas a rapidez na tramitação do PL levou até mesmo os parlamentares e organizações da sociedade civil que defendem o combate às fake news a pedirem mais tempo. Outra polêmica veio após novas alterações feitas no texto pelo relator, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), o que levou a votação do texto a já ser adiada neste mês. Coronel apresentou nesta quarta-feira, 24, uma nova versão da proposta.
O projeto cobra das plataformas de redes sociais e serviços de mensagem, como Facebook e Whatsapp, que exerçam mais controle sobre o conteúdo dos usuários, entreguem relatórios transparentes e evitem perfis inautênticos ou a ação de redes de robôs.
O temor é que uma lei sem o devido debate possa aumentar a censura online sem ter resolvido de fato o problema das fake news. Em busca de facilitar investigações feitas pela polícia ou pela Justiça, a nova versão do texto pede o uso de documento de identificação e número de celular nos cadastros nas redes sociais.
Regras que dão mais poder às plataformas na moderação dos conteúdos também são criticadas também em outros países, como na Alemanha, como mostra reportagem desta edição da EXAME.
Atualmente, a internet brasileira é regulada pelo Marco Civil, lei de 2014 que levou quatro anos de debate e recebeu elogios internacionais. Pelo Marco Civil, as redes podem retirar posts do ar que desacatem seus próprios termos de uso, mas, fora isso, só têm a obrigação de excluir algo após demandas judiciais.
Outro ponto que gerou polêmica no texto que tramita no Senado é a multa de até 10 milhões de reais a candidatos que se beneficiarem de propaganda com conteúdo enganoso contra adversários durante as eleições.
Seriam multadas também as empresas que não cumprirem as regras de identificação dos usuários responsáveis por espalhar conteúdo enganoso. As empresas podem ser obrigadas a armazenar os dados de quem fez encaminhamentos em massa, caso seja necessário encontrar a origem de redes de notícias falsas. O dinheiro seria direcionado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
O novo texto do projeto também daria ao próprio Senado o poder de regular a internet, ao criar um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, cujos integrantes seriam nomeados pelo presidente do Congresso - que vem a ser o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Caberá ao conselho "elaborar código de conduta aplicável a redes sociais e serviços de mensageria privada para a garantia dos princípios e objetivos estabelecidos" na lei.
Oposição de organizações
Em nota divulgada ontem, 46 organizações não-governamentais pediram o adiamento da votação e a ampliação dos debates. "A última versão do texto não é capaz de cumprir com o suposto objetivo de combater a desinformação, ao estimular a concentração no âmbito digital - por meio de imposição de obrigações desproporcionais às empresas provedoras de serviços de Internet - e a autocensura, por meio da excessiva vigilância e da ampla criminalização de discursos", afirma a nota.
A proliferação de notícias e conteúdos falsos pela internet virou centro do debate mundial sobretudo após as eleições americanas de 2016, quando foram levantadas suspeitas de influência desses conteúdos durante as campanhas de Donald Trump e Hillary Clinton.
Dois anos depois, o assunto também gerou inquietação em meio às eleições brasileiras e segue sendo o centro do debate, com o presidente Bolsonaro como alvo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em ações que pedem a cassação da chapa que o elegeu. O presidente é acusado de ter se beneficiado de disparos de mensagens em massa contra opositores durante a eleição.