Lira e Lula: Planalto terá de articular com Congresso para evitar que arcabouço seja desfigurado (Sergio Lima/AFP/Getty Images)
Reporter colaborador, em Brasília
Publicado em 4 de maio de 2023 às 13h36.
Última atualização em 4 de maio de 2023 às 14h36.
Desde o início do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República a pergunta ronda os corredores de Brasília: quem forma a sua base política no Congresso?
Em outras palavras, uma base sólida garantiria ao petista alguma facilidade para aprovar temas caros ao governo. Uma forma de se medir o apoio é justamente diante de temas polêmicos como o projeto de decreto legislativo (PDL) que derrubou, nesta quarta-feira, 3, trechos de dois decretos editados por Lula que flexibilizaram a regras para contratos previstas no Novo Marco do Saneamento -- aprovado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A votação no PDL foi substancial: 295 votos favoráveis e 136 contrários, e sinalizou em boa medida o tamanho do apoio que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem na Casa.
Tanto parlamentares da base quanto da oposição avaliam que a derrota na votação do PDL deixou recados claros ao governo.
Na avaliação do deputado Rogério Correia (PT-MG), o governo precisará ampliar o diálogo para aumentar sua base. Um dos pontos levantados por ele é a insatisfação quanto à demora na liberação de emendas parlamentares e na distribuição de cargos pelo governo.
“Há muita insatisfação sobre emendas que não foram liberadas, de compromissos de cargos que não foram feitos”, disse à EXAME.
O parlamentar também avalia que houve um recado de Lira a Lula. “Não havia necessidade de ter votado isso ontem, o governo está negociando aquele decreto do saneamento. O Lira sabe disso, mas resolveu colocar", afirmou Correia. "Acho que era uma exigência da turma para dar o recado [para liberar as emendas]. Nós vamos continuar negociando porque ainda vai para o Senado.”
Na avaliação de Correia, a liberação das emendas, já sinalizada pelo governo, pode facilitar o apoio ao governo, mas será preciso que o Executivo fortaleça o diálogo com o parlamento. No total, há R$ 9,85 bilhões do orçamento destinado para emendas -- e controlados pelo governo -- que estão parados. Até o momento, no entanto, a administração de Lula não liberou nada desse valor aos parlamentares.
Um deputado do PSD, partido que atualmente comanda três ministérios, falava ao telefone no plenário da Câmara que, com a derrubada de trechos dos decretos do saneamento, “o governo vai precisar entender que precisa ampliar a base”.
O deputado Glauber Braga (Psol-SP), aliado de primeira hora do governo, ressaltou que o PSB, partido do vice de Lula, Geraldo Alckmin, também votou a favor da derrubada do decreto.
“Teve recados evidentemente. Você tem uma posição política aqui neste plenário que nas articulações pende sempre do Centrão para a direita. Mas teve recado também no caso do PSB, que votou a favor. É um absurdo um partido como o PSB votar a favor da aceleração das privatizações e contra as estatais”, disse à EXAME.
Na terça-feira, 2, Lira e Lula tiveram um encontro no Palácio do Planalto, no qual acordaram o início da liberação das emendas parlamentares -recurso que os senadores e deputados podem indicar para, por exemplo, obras em suas bases eleitorais. Como citado no começo da reportagem, a expectativa de governistas é que a partir de agora o governo consiga mais apoio para suas pautas. Na votação de ontem apenas 136 parlamentares apoiaram o governo na tentativa de que o PDL não fosse aprovado.
Uma parlamentar petista, sob a condição de anonimato, avalia que houve um recado de Lira ao governo para demonstrar sua influência.
“Primeiro, ele [Lira] disse que o governo não tem dificuldade de ter uma maioria parlamentar. Na minha opinião ele usou o dia de ontem para mostrar o seu próprio poder para o governo. Não tinha por que votar ontem, e entrou na pauta de última hora”, afirmou.
Ainda de acordo com ela, Lira ainda tem forte influência para construir acordos e “grande capacidade de articulação aqui na Casa”, o que poderá viabilizar vitórias do governo no futuro em temas importantes.
Outro deputado, também sob a condição de anonimato, corrobora essa tese e relatou que circulou a informação de que Lira pôs a matéria em votação como "retaliação de uma indicação que ele fez para o TRF1", cujo nome não prevaleceu. "O que circulou aqui foi isso”, disse à EXAME.
A "retaliação", na avaliação dele, reforça o seu recado sobre a extensão de seu poder de influência na Câmara ao governo, pois o projeto “não estava na pauta”.