Oposição pede convocação de Paulo Guedes para explicar fala sobre AI-5
"Esse fato é grave. Já não é a primeira vez que se fala em AI-5", disse o senador Fabiano Contarato sobre as declarações do ministro da Economia
João Pedro Caleiro
Publicado em 28 de novembro de 2019 às 11h07.
Última atualização em 28 de novembro de 2019 às 11h13.
Brasília e São Paulo - Senadores da oposição criticaram no Plenário nesta quarta-feira (27) a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes , sobre a possibilidade de se editar um novo Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Em uma entrevista coletiva em Washington na segunda-feira (25), Guedes comentou os acontecimentos recentes da América Latina, como as manifestações no Chile, e disse que era preciso prestar atenção nos países vizinhos para ver se o Brasil não tem nenhum pretexto que estimule protestos semelhantes.
"Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática", declarou.
Fabiano Contarato (Rede-ES), Rogério Carvalho (PT-ES), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE), entre outros, manifestaram repúdio à fala, a qual consideraram contrária à democracia. Contarato apresentou uma nota de repúdio no Conselho de Ética da Presidência da República contra o ministro:
"Esse fato é grave. Já não é a primeira vez que se fala em AI-5. Nós já temos uma violação total de direitos, e agora não estão querendo respeitar a espinha dorsal do Estado democrático de direito, que é a Constituição da República Federativa do Brasil", argumentou.
Carvalho disse que a liderança do PT apresentou um requerimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) para que o ministro seja convocado a dar explicações sobre sua fala: "Nós não podemos concordar com esse tipo de manifestação, que propõe fechar o Congresso, fechar o Supremo Tribunal Federal. É uma manifestação de cunho autoritário".
Randolfe, por sua vez, lembrou a ligação de Paulo Guedes com o ditador Augusto Pinochet (o ministro lecionou no país durante a ditadura chilena) e disse apoiar o requerimento. O senador também alertou que a frase polêmica poderia ser uma tática para acobertar os problemas econômicos do país.
Humberto Costa, líder do PT, acrescentou: "Nós sabemos que essa política implementada pelo governo Bolsonaro, por intermédio do senhor Paulo Guedes, tem gerado sofrimento para a população, aumento da desigualdade, volta da fome, pessoas que passam a morar na rua. O presidente, sabendo que em algum momento a população vai cobrar essa conta, quer desde agora ameaçar o povo, tentar cercear a liberdade de organização, de expressão."
A declaração de Guedes também foi criticada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados:
“Acho que gera uma insegurança na sociedade e principalmente nos investidores. Por que alguém vai propor AI-5 porque o ex-presidente Lula — que eu acho que está errado também, porque está muito radical — estimula manifestação de rua? O que uma coisa tem a ver com a outra?", disse Maia ao sair de um seminário na Câmara.
"Nós vamos estimular o fechamento do Parlamento, o fechamento dos direitos constitucionais do cidadão como o habeas corpus? Porque foi isso que o AI-5 fez de forma mais relevante. É isso que estamos querendo estimular? Tem uma manifestação de rua a gente fecha as instituições democráticas?”, completou.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal, se pronunciou em suas redes sociais na tarde de quarta-feira:
Segundo o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a fala do ministro foi retirada de contexto:
"O ministro Paulo Guedes tem primado por uma conduta muito correta em relação à política econômica. Os indicadores que saem a cada mês, sobretudo nos últimos 60 dias, comprovam que a economia brasileira entrou numa trajetória consolidada de recuperação. Temos que julgar o ministro pelo conjunto da sua obra. Ele está dando conta do recado no sentido de fazer com que o Brasil possa se reencontrar com a sua trajetória de crescimento, de geração de emprego."
O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também saiu em defesa do ministro da Economia. Para ele, há excessos na reação à fala de Guedes:
"Em hora nenhuma o ministro disse que defende a retomada ou a reedição de um AI-5. Houvesse um traço de intenção de invocar o AI-5 como uma solução possível para o Brasil, eu estaria aqui a assinar qualquer manifesto de repúdio, mas não vi na fala dele essa intenção."
No final de outubro, Eduardo Bolsonaro, sugeriu em entrevista que o governo comandado pelo seu pai, Jair Bolsonaro, poderia lançar mão do AI-5 caso a esquerda radicalizasse em sua atuação no país.
A fala foi amplamente condenada por membros de todo o espectro político e uma representação contra o deputado foi aberta no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Entenda
Em 1968, o então presidente Artur Costa e Silva assinou o Ato Institucional de número 5, um marco da suspensão de garantias democráticas que inaugurou o período mais repressivo da ditadura militar.
O ato permitia cassações de mandatos e suspensão de direitos políticos, além do fechamento do Congresso Nacional e dos legislativos estaduais e municipais, com nomeação de interventores pelo poder central. Também suspendeu as garantias constitucionais da liberdade de expressão e de reunião, estabelecendo censura prévia à imprensa.
Segundo estudiosos, a pior das marcas ditatoriais do Ato estava no artigo 10: “fica suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional”. Com isso, o núcleo repressivo dos militares estava liberado pelo Estado, abrindo espaço para a prática de tortura.