O STF errou ao afastar Aécio do Senado? 2 juristas opinam
Queda de braço entre Supremo e Senado completa uma semana sem solução. Dois juristas dão seu parecer sobre o caso
Talita Abrantes
Publicado em 3 de outubro de 2017 às 15h17.
Última atualização em 3 de outubro de 2017 às 16h03.
São Paulo – Sete dias depois da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ( STF ) que afastou o senador Aécio Neves de seu mandato e o obrigou ao recolhimento noturno, a queda de braço entre a mais alta corte do país e o Legislativo no caso segue sem solução e pode ganhar, nesta terça, mais um capítulo dramático já que o presidente do Senado , Eunício de Oliveira, manteve na agenda o debate sobre o caso que envolve o tucano.
A ideia dos senadores é derrubar a decisão do tribunal sob o argumento que a determinação fere o artigo 53 da Constituição Federal, que autoriza a prisão de parlamentares apenas em caso de “flagrante de crime inafiançável”. Para esse grupo de senadores, ao decidir pelo recolhimento domiciliar noturno do tucano, o STF, na prática, estaria determinando sua prisão domiciliar.
O pleno do Supremo deve levar o caso em consideração só na quarta-feira, dia 11, quando será votada uma ação direta de inconstitucionalidade sobre o afastamento de parlamentares. Nesse debate, os ministros devem decidir o rito para casos semelhantes ao de Aécio e definir se cabe (ou não) a consulta ao Congresso antes de aplicar a suspensão do mandato.
Dito isso, o STF errou ao suspender o mandato de Aécio Neves? Dois juristas dão seus argumentos sobre o caso:
Quem diz: RUBENS GLEZER, professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas
EXAME.com: O STF errou ao determinar o afastamento e recolhimento noturno do senador Aécio Neves?
Rubens Glezer: Sim, e o erro é duplo. Mais do que manter à noite em casa, a decisão já é polêmica por suspender o mandato. Nos poucos casos em que a Constituição permite que o Judiciário faça isso, ela impõe algum mecanismo de controle alocado em outro poder para evitar erro ou abuso. Ao dar esse poder de ampliar os casos de interferência no mandato parlamentar, o Supremo deveria também respeitar essa lógica.
Tem um outro erro. Eles reconhecem que estão presentes as condições para decretar a prisão preventiva e não fazem, mas tentam fazer algo que seria uma medida intermediária entre uma impunidade total e algo tão severo quanto a prisão. A suspensão de mandato não é uma alternativa mais suave, é mais suave para o senador, mas para o mandato ela é a mais agressiva. Foi uma tentativa de manter o controle, sem ter que barganhar com outro poder.
Mas há indícios claros de uma tentativa dos parlamentares de barrar as investigações contra eles ...
Os erros que o STF vem cometendo não pode obscurecer o fato de que existe uma tentativa, talvez um pouco desesperada, de lidar com um Legislativo e Executivo imbricados em escândalos de corrupção e que agem descaradamente para proteger esses interesses. O Judiciário não tem que ficar inerte. Mas em vez de dar essas soluções mágicas para os problemas, tem que criar boas regras.
Como criar boas regras se a Constituição é clara em seu artigo 53 sobre esse tipo de caso?
A nossa Constituição dá à Suprema Corte não só o papel de resguardá-la, como também de garantir direitos fundamentais e de calibrar a relação entre os poderes. Nesses casos, necessariamente, o Supremo sai da literalidade dos artigos e tenta cumprir com alguma racionalidade do Direito certo princípios.
Um princípio importante é que ninguém pode se beneficiar dos seus próprios maus atos. Foi isso que influenciou, por exemplo, a decisão sobre o [Eduardo] Cunha. Dá para justificar esse tipo de afastamento? Dá. O problema é que o Supremo não fez isso. Ele quer interferir, mas faz com um ar de casuísmo, não cria uma regra. Então, fica parecendo arbitrário.
O Congresso tem amparo na lei para derrubar essa decisão?
Tem um bom argumento para fazer isso e não seria fácil para o Supremo derrubar hoje essa decisão do Senado. Tanto no caso do Delcídio quanto no do Cunha, havia uma unanimidade dentro do tribunal para essas interferências. Isso não existe mais hoje.
Há quem diga que o Judiciário tem a palavra final, mas essa é uma concepção de separação de poderes bastante ultrapassada. Nós temos rodadas sucessivas de disputa entre os poderes, é uma interação sem fim de diálogo, disputa e tensão. Quando existe um excesso de um, é razoável e saudável esperar uma oposição do outro.
Estamos diante de uma crise institucional?
Esse episódio não é uma crise institucional, é uma crise de atores. Não tem desenho institucional possível e imaginável que dê conta, sem conflito, de uma atuação dos agentes políticos que é pautada primordialmente e sistematicamente por corrupção e não por um projeto de país. Não tem desenho institucional que dê conta de tamanha sabotagem da coisa pública. Os problemas são com esses atores. Estamos mal liderados nesses três níveis.
Quem diz: MODESTO CARVALHOSA,professor aposentado de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP
EXAME.com: O STF errou ao determinar o afastamento e recolhimento noturno do senador Aécio Neves?
M odesto Carvalhosa: Não. Conforme o Código de Processo Penal, existe possibilidade de medidas cautelatórias, inclusive essa de recolhimento noturno, para réus cuja atuação conduzem ao desfazimento de provas de sua conduta criminosa. O Supremo Tribunal Federal, ao utilizar o Código de Processo Penal, está absolutamente conforme a Constituição e a Lei Processual Penal. Não há exorbitância, ilegalidade ou inconstitucionalidade na decisão da Primeira Turma.
O voto, na nossa Constituição, é algo quase sagrado. O STF feriu a Constituição ao afastar um senador de seu mandato?
O afastamento de um mandato é uma dessas medidas preventivas que pode ser aplicada, dentro da competência do Supremo, na medida em que o próprio denunciado utiliza seu mandato para a obstrução da justiça e para o exercício de atividades criminosas continuadas. Portanto, a suspensão é algo razoável dentro do princípio da finalidade da lei. A lei não tem finalidade formal, ritual ou religiosa. A lei tem uma finalidade de específica de proteção da sociedade.
Mas a aplicação dessa pena não demandaria a autorização do Congresso?
Não, porque ele não foi submetido a uma prisão, somente nesse caso cabe a decisão ao Senado. Se ele cometeu um delito cuja materialidade é evidente o Senado se negou a tomar as providências necessárias, num espírito de corpo típico da situação atual, simplesmente arquivou o pedido de cassação dele. Se o Senado se negou a tomar as providencias que a lei exige, cabe ao Judiciário suprir essa sonegação de justiça que foi feita pelo próprio Senado e resguardar a sociedade contra a delinquência desse elemento. O Supremo não abusou de sua competência ao fazer isso.
O Congresso tem amparo na lei para derrubar essa decisão?
O fato de um poder desobedecer outro poder é uma ruptura excepcional da democracia, seria a desagregação das instituições, uma implosão do sistema constitucional. Como um poder pode realmente desobedecer a competência de outro poder? Ao fazerem, teriam cometido um crime muito grande.
Existe um ativismo do Judiciário?
O Supremo só funciona por requerimento e solicitação da sociedade e instituições brasileiras. O Supremo Não pode agir espontaneamente. Portanto, dizer que há ativismo judicial é de uma ignorância ou má-fé. Ninguém é ativismo judicial se há pedidos para o Supremo decidir sobre os casos. O que existe é um excesso de pedidos junto ao Supremo, porém, ativismo é quando você toma iniciativa. E o Supremo jamais tomou iniciativa própria.