O caminho para virar potência
Reino Unido virou uma potência esportiva depois de ser escolhido sede dos Jogos Olímpicos. O que acontecerá com o Brasil?
Gian Kojikovski
Publicado em 19 de agosto de 2016 às 19h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
O ciclismo é quase tão tradicional no Reino Unido quanto a neblina e a cerveja. O desempenho olímpico, porém, costumava deixar a desejar. A história começou a mudar no meio da década de 1990 e, a partir das Olimpíadas de 2008, em Pequim, os britânicos se tornaram a principal potência do esporte – e o ciclismo é a modalidade que mais dá medalhas para o país nos jogos. “Investimos em trabalho de base, em construir clubes comunitários e em mudar a cultura em torno desse esporte. Está dando certo”, diz Bob Howden, presidente da Confederação Britânica de Ciclismo.
O exemplo do ciclismo britânico não é o único. Na história recente, diversas modalidades esportivas de diferentes países conseguiram melhorar sua performance olímpica de maneira consistente e se tornaram uma potência mundial, ou ao menos um esporte importante dentro do quadro de medalhas do país. O remo do próprio Reino Unido é outro caso emblemático. O levantamento de peso da China, o atletismo jamaicano e o tiro da Itália. Só para listar países que ficaram em primeiro lugar em medalhas no Rio de Janeiro e, há 20 ou 25 anos, eram coadjuvantes em olimpíadas.
Em proporções menores, a ginástica artística masculina é o exemplo brasileiro da vez. Em 2004 e 2008, o país só tinha um atleta na competição. Em 2012, foram três e um ouro. Agora, o país se classificou para a final por equipes e ganhou três medalhas na modalidade. A pergunta que fica é: qual é o segredo para tornar um país um centro de excelência na formação de atletas e uma potência olímpica mundial? Em todos esses casos, a resposta é parecida com a dada por Howden.
O exemplo inglês
O primeiro passo para melhorar o desempenho dos atletas de alto nível é planejamento. No caso do ciclismo britânico, foram construídos velódromos comunitários em diversas áreas do país. De um desses velódromos surgiu Jason Kenny, que conseguiu três ouros no Rio de Janeiro. Ao todo, o país teve 11 medalhas, sendo seis de ouro. A Holanda foi o país que mais se aproximou dos britânicos, com duas medalhas, sendo um ouro e uma prata.
O país também criou o Velódromo Nacional, que é o centro de excelência sobre o esporte no país. Lá treinam os principais atletas e seleções. Políticas públicas também ajudaram a tornar o esporte mais popular. Em Londres, por exemplo, políticas para diminuir o uso de carros na cidade e melhorar o trânsito fizeram o número de pessoas que vão de bicicleta trabalhar triplicar. Medidas como essa ajudaram a criar um ciclo virtuoso. Atletas de ato nível passaram a inspirar pessoas a usar mais bicicleta e mais pessoas usando bicicleta dão mais material humano para que sejam forjados atletas de alto nível. Também por isso, dirigentes de federações que atingiram sucesso no alto nível dizem que é importante investir concomitantemente em formar atletas e criar ídolos.
“A performance de alto nível é importante, mas é preciso para encorajar as pessoas de todos os níveis. Não apenas para ganhar medalhas mas para criar uma cultura esportiva no país. Isso aconteceu com o ciclismo na Inglaterra, mas pode acontecer com qualquer outro esporte em qualquer parte do mundo”, diz Howden.
Claro que para construir equipes fortes é preciso investimento. A Confederação Britânica de Remo, que também liderou o quadro de medalhas da modalidade no Rio, tem um orçamento para o ciclo olímpico de quatro anos de cerca de 140 milhões de reais. A confederação brasileira, que não conseguiu nenhuma medalha, não chegou aos 20 milhões de reais no mesmo período. Isso não quer dizer que o remo britânico tenha o maior orçamento do mundo. “Dinheiro por si só não produz sucesso desportivo. A chave é investir nas áreas e nas pessoas certas. Alguns esportes no Reino Unido têm alcançado resultados ótimos depois de ter o seu financiamento cortado e serem forçados a melhorar suas práticas”, diz Annamarie Phelps, presidente da Confederação Britânica de Remo.
Para os britânicos, uma mudança foi fundamental para que o dinheiro irrigasse o esporte. Em 1994, foi definido um fundo com o dinheiro da Loteria Nacional depois que o primeiro-ministro John Major estabeleceu que, devido à importância para o país, o esporte seria uma das “boas causas” que deveriam ser reforçadas. Desde então, o fundo distribui dinheiro entre educação, caridade, artes e esportes. Em pouco mais de 20 anos, o fundo repassou mais de 34 bilhões de libras em projetos dessas áreas. É por isso que, nas entrevistas após as medalhas, é comum ver atletas agradecerem à loteria do país.
Como alguns esportes passaram a ter melhor desempenho que outros, a organização criada para gerir o dinheiro do esporte, a UK Sports, passou a cortar verbas de federações que não correspondiam ao investimento. Isso fez com que praticamente todas as federações passassem a ter um modelo mais profissional, com presidentes e presidentes executivos, além de um comitê de diretores. Elas passaram a compartilhar boas práticas de gestão e programas de formação de treinadores. Assim, o país se tornou a segunda maior potência olímpica mundial, passando a China no quadro de medalhas no Rio.
Qual o caminho para o Brasil?
Os britânicos criaram um modelo próprio que não necessariamente se aplica a todos os países, mas pode ser um exemplo. Mesmo com todas as dificuldades, o Brasil tem feito progressos em algumas áreas. O voleibol é o maior exemplo. A geração masculina campeã olímpica em 1992 foi inspirada pela prata de 1984 e inspirou a geração seguinte, que na década de 2000 fez o Brasil a maior potência do esporte mundial. Com o feminino, a história foi parecida. Após seguidos bronzes, o país se tornou referência.
O sucesso dos times fez com que o esporte fosse ainda mais praticado em escolas e, em 2001, foi criado o Centro de Desenvolvimento do Voleibol, em Saquarema, no Rio de Janeiro. O local tem estrutura para receber as seleções adultas e juvenis de vôlei de quadra e praia. Desde então, juntando as duas categorias, o Brasil conseguiu três ouros e duas pratas em três edições dos Jogos – sem contar esta. No vôlei de praia, desde que a modalidade foi colocada na programação olímpica, em 1996, são três ouros, sete pratas e três bronzes.
Como não faltam escândalos em confederações esportiva, como no próprio Voleibol, que viu Ary Graça, presidente da CBV por quase 20 anos renunciar após alegações de que empresas com as quais ele tinha ligação receberam comissão por contratos de patrocínio da entidade, um caminho possível é facilitar para que clubes esportivos consigam captar dinheiro para investir e atletas.
“O modelo de distribuição financeira de hoje tem pouco critério. O dinheiro vai para o Comitê Olímpico Brasileiro e é distribuído de acordo com a força política das confederações. Isso financia dirigentes se sustentando no poder. Muitos ficam no cargo por mais de uma década”, diz Alexandre Póvoa, diretor de Esportes Olímpicos do Flamengo. O presidente da Confederação Brasileira de Desportes Aquáticos, Coaracy Nunes Filho é um exemplo. Comanda a entidade desde 1988 e sempre é eleito por aclamação.
O clube, que é a maior referência em ginástica do país, também investe em outros esportes olímpicos. Lá, treinam atletas da seleção feminina, como Jade Barbosa, Daniele Hypólito, Flavia Saraiva e Rebeca Andrade. No masculino, o medalhista de prata Diego Hypólito e Sergio Sasaki também passaram por ali. Além disso, o clube mantém um time de basquete que é referência. “Infelizmente, o Flamengo é um dos únicos clubes a conseguir sobreviver ao esquema atual”, diz Póvoa, que diz que como a maioria desses outros esportes não são ensinados em escolas ou espaços comunitários, eles acabam restritos a uma pequena parcela da população e sob responsabilidade de poucos clubes.
Talvez por isso, mesmo com cerca de um bilhão de reais investidos na formação de atletas pelo Ministério do Esporte, sem contar o valor do patrocínio e outras receitas de cada confederação, o país não atingiu o objetivo de ficar entre os 10 primeiros no quadro de medalhas.
O salto que a ginástica artística deu quando começou a formar campeões mundiais, como a ex-atleta Daiane dos Santos e Diego Hypólito, aconteceu quando a seleção nacional passou a ser treinada pelo ucraniano Oleg Ostapenko, em 2001. Ele já havia treinado diversas campeãs olímpicas em seu país e foi responsável pela seleção brasileira até 2008. O mesmo caminho passou a ser copiado por outras modalidades.
Os exemplos mais vitoriosos de 2016 foram o salto com vara, que trouxe o ouro com Thiago Braz, que é treinado pelo ucraniano Vitaly Petrov, que também treinou as lendas Sergei Bubka e Yelena Isinbayeva, os melhores atletas da história da modalidade. Isaquias Queiroz, destaque da canoagem, é treinado pelo espanhol Jesús Morlán.
O handebol não alcançou medalhas, mas hoje está alguns patamares acima do que atingia há alguns anos. O masculino é treinado pelo espanhol Jordi Ribera e o feminino – campeão mundial em 2013 – pelo dinamarquês Morten Soubak. As federações de basquete, polo aquático, rugby, hipismo, tiro, esgrima, ciclismo e outras diversas modalidades fizeram algo parecido. Quase todos os casos foram bem-sucedidos, mesmo que não tenham chegado a medalhas, melhoraram o desempenho do país.
“Eu diria que bons treinadores e um bom sistema de formação de treinadores são fundamentais para tornar qualquer sistema sustentável. Cada país tem diferentes desafios e precisa de coisas diferentes, mas formar treinadores está sempre na lista”, diz Phelps.
Além disso, alguns passos precisam ser tomados não só pelo Brasil, mas por qualquer país que queira ocupar em 2020 ou 2024, um posto acima do que atingiu em 2016 no Rio de Janeiro. “Se tem uma lição que pode ser aprendida conosco é como o nosso sistema funciona. Não há mágica ou fórmula química. Uma mudança demora pelo menos oito anos e é preciso planejar e trabalhar duro”, diz Howden. É esperar e ver se, em Tóquio, o Brasil enfim chegará entre os dez melhores países do mundo nos esportes.