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Muggah, do Igarapé: Segurança pode piorar

Leo Branco Os presídios do Brasil estão superlotados, a segurança pública está em crise, as facções criminosas estão cada vez mais articuladas – dando ainda mais a sensação de que a guerra contra a violência está perdida. Só este ano: as rebeliões em penitenciárias já deixaram mais de 130 mortos; no Espírito Santo, a greve […]

ROBERT MUGGAH: Especialista em segurança pública alerta para capilarização do PCC e das milícias cariocas / Divulgação
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Da Redação

Publicado em 16 de março de 2017 às 18h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h16.

Leo Branco

Os presídios do Brasil estão superlotados, a segurança pública está em crise, as facções criminosas estão cada vez mais articuladas – dando ainda mais a sensação de que a guerra contra a violência está perdida. Só este ano: as rebeliões em penitenciárias já deixaram mais de 130 mortos; no Espírito Santo, a greve da polícia gerou uma onda de roubos e assassinatos, com mais de 150 mortes violentas em duas semanas; Pernambuco atingiu número recorde de homicídios, com 976 pessoas mortas só em janeiro e fevereiro – 48% mais casos do que no mesmo período do ano passado.

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O cenário é dramático, e a solução não é fácil. Para entender melhor os motivos da crise e os caminhos para sair dela, EXAME conversou com o cientista socialRobert Muggah, fundador do Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro, think tank dedicada à integração das agendas de segurança, justiça e desenvolvimento. É conselheiro de segurança pública do Banco Interamericano de Desenvolvimento, das Nações Unidas e do Banco Mundial. Durante quase 20 anos, o especialista se dedicou à supervisão de projetos em mais de 50 países. Para ele, o estado precisa retomar o controle das prisões e entender que programas socioeconômicos precisam ser vistos como políticas de combate à violência.

Como o Brasil chegou a este ponto de enfrentar crises periódicas em segurança pública?

O Brasil está enfrentando uma tempestade perfeita. A metáfora é velha, mas é a verdade. A crise política, as investigações de corrupção na operação Lava-Jato e a recessão estão aprofundando a crise na segurança pública. Há incertezas em Brasília e muitos estados estão começando a ter problemas de caixa. Um número crescente de governos estaduais enfrenta crises de legitimidade e estão reduzindo gastos, inclusive para a segurança pública. É muito provável que a situação piore antes de começar a melhorar. A crise de segurança pública no Brasil não surgiu do nada. E também não é apenas um resultado exclusivo dos contínuos escândalos políticos e da deterioração econômica, por mais sérios que eles sejam. Existem vários fatores estruturais que precisam ser abordados. Se essas questões não são claramente compreendidas e tratadas diretamente, então podemos esperar mais greves policiais, violências em prisões e um espiral de criminalidade.

Que fatores estruturais são esses?

Para começar, há falhas na Constituição. Uma delas é a divisão desnecessária das polícias militar e civil. A polícia é feita para ser fraca, e a pouca coordenação e cooperação prejudicam severamente a eficiência delas. Políticos tanto em nível federal como estadual simplesmente não estão preparados para corrigir essa falha – e essa é uma das razões pelas quais as Forças Armadas e a Força Nacional são repetidamente chamadas quando as situações saem de controle. Além disso, o sistema de justiça criminal está claramente orientado para o encarceramento em massa de alguns, sendo indulgente com outros, particularmente com aqueles que cometem crimes violentos. Há ênfase na prisão de traficantes de pequeno porte e em infrações não-violentas, em vez de uma busca por opções alternativas de condenação.

O Espírito Santo já foi considerado exemplo no combate ao crime. O que deu errado?

A crise econômica impactou especialmente os estados dependentes de petróleo. Isso prejudicou o financiamento previsível de programas sociais, incluindo a segurança pública, como mostra o orçamento de 2017, que deve ser reduzido para 1,8 bilhão de reais. O programa emblemático de prevenção da violência – o Ocupação Social – não deveria ser afetado por esses cortes orçamentários, mas a austeridade também chutou para saúde, educação e outras proteções sociais. O aumento da violência também é devido a problemas da liderança. A polícia estadual tem salários muito baixos, condições de trabalho precárias e baixa capacidade de negociação coletiva. Isso explica por que as greves são rotineiras e a polícia sente a necessidade de recorrer a interrupções radicais para ser ouvida. Os políticos do Espírito Santo optaram por deixar a violência se espalhar em vez de intervir mais cedo.

O financiamento da segurança pública é um problema no Brasil ou o problema é de gestão?

O desafio no Brasil e em muitos outros países latino-americanos está relacionado à eficiência das despesas. De acordo com as últimas pesquisas, os gastos dos governos da América Latina com a segurança pública são entre duas e três vezes maiores que nos países desenvolvidos.Mas há também o problema do financiamento. No Brasil, há exigências crescentes de maior austeridade e cortes. Os gastos públicos nacionais para a segurança pública aumentaram 11% em 2015, após a Copa do Mundo e na preparação para as Olimpíadas, mas caiu em 2016. Muitos estados foram forçados a reduzir gastos com segurança pública em 2017. O moral da polícia despencou, em parte porque os policiais raramente são pagos a tempo, se é que são. Em relação à gestão: embora a resposta à violência carcerária tenha sido lenta e insuficiente, é injusto colocar a culpa dos atuais conflitos exclusivamente no governo federal. Este é um problema que tem sido nutrido durante meio século. É alta a tolerância à disfunção policial sistêmica, e há negligência do sistema prisional – frequentemente tratado como problema dos estados. Adicione a isto o apoio público ao encarceramento. A combinação é explosiva.

O governo precisou apresentar, de forma emergencial, um Plano Nacional de Segurança Pública – que ainda não foi oficialmente lançado. Como o senhor avalia as políticas que estão sendo traçadas?

Mesmo antes de lançar sua nova estratégia nacional de segurança pública, o governo federal distribuiu parte do dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional para promover a reforma das prisões. Estima-se que serão disponibilizados 1,2 bilhão de reais para os estados, cada um com a expectativa de construir pelo menos 1.200 celas. O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciou que mais 200 milhões de reais serão destinados à construção de cinco novas prisões federais – 80 milhões a mais para scanners e 150 milhões para bloqueadores de telefones celulares. São medidas que podem ajudar a aliviar, mas são provisórias e não vão suficientemente longe. O governo precisa recuperar o controle da segurança pública e do sistema prisional. A primeira prioridade deve ser reduzir o estoque e o fluxo de internos nas prisões brasileiras. Isso significa reduzir o número de reclusos pré-julgamento e não-violentos. A mobilização da Justiça para resolver casos pendentes é fundamental. Conseguir que o número de casos se aproxime de 100% da capacidade (de sua alta de 177%) é crítico.

Como o crime está cada vez mais organizado no Brasil – e como isso impacta a segurança pública?

Há sinais de que a geopolítica e a geoeconomia do crime organizado estão mudando no Brasil. Dezenas de diferentes grupos criminosos ou facções estão alinhados de uma forma ou de outra com o Primeiro Comando da Capital ou com o Comando Vermelho. A ruptura entre os dois grupos tem implicações significativas para a ordem no Brasil. Em setembro, o PCC declarou publicamente guerra contra o CV, em uma carta amplamente difundida sinalizando suas razões. Seguiu-se a violência. Os conflitos mortais estouraram entre as gangues durante o curso de 2016, mas com uma escalada significativa de outubro em diante. As revoltas nas prisões no final de 2016 e início de 2017 são consequência direta dessa ruptura. Há também sinais sinistros de que a situação poderia piorar. O PCC já tem presença em sete países e está consolidando seu controle sobre rotas de drogas e pontos de distribuição. Também começou a se mudar para os municípios do Rio, de Paraty e Angra até a Baixada Fluminense, além se estar cooptando facções rivais do CV em diferentes bairros da capital carioca. Para complicar, há sinais de que as milícias estão expandindo seu alcance fora do Rio de Janeiro, com operações separadas identificadas no Pará, São Paulo, Bahia, Ceará e Mato Grosso do Sul.

Que experiências servem de exemplo para solucionar a crise que o Brasil vive na segurança pública?

Há evidências consideráveis de estudos recentes apoiados pela Junta Interamericana de Defesa (JID) e pela Open Society Foundations (OSF) de que, quando as iniciativas combinam o direcionamento da polícia aos pontos quentes com programas socioeconômicos, a violência letal diminui. A experimentação da Colômbia com o Plano Cuadrantes, juntamente com experiências inovadoras de policiamento em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro, Santiago do Chile e São Paulo, oferece exemplos convincentes de sucesso. Se as autoridades em toda a América Latina quiserem reduzir o homicídio, as intervenções devem ser sustentadas durante múltiplos ciclos eleitorais para serem verdadeiramente eficazes.

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