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Hospitais barram aborto até em casos previstos por lei

Há 76 anos, aborto em caso de estupro é autorizado no Brasil - mas até hoje sobram dúvidas e barreiras para quem precisa se valer do procedimento

Silhueta de mulher grávida em branco e preto (ThinkStock)

Talita Abrantes

Publicado em 21 de junho de 2016 às 06h00.

São Paulo – Há 76 anos (isso mesmo, setenta e seis), o aborto em casos de estupro é autorizado por lei no Brasil – mas até hoje sobram dúvidas e barreiras para mulheres que precisam se valer desse procedimento.

A legislação brasileira permite a interrupção da gravidez em 3 situações: se a mulher foi vítima de estupro, em caso de anencefalia ou quando a mãe corre risco de morte.

Segundo o Ministério da Saúde , qualquer estabelecimento de saúde que possua serviços de obstetrícia está apto para fazer aborto legal. No entanto, segundo relatos a EXAME.com, não é o que acontece na prática.

Metade das vítimas de estupro que chegam ao principal centro de referência em saúde da mulher no país, o Hospital Pérola Byington, em São Paulo (SP), vem de outras cidades. “Isso significa que elas não estão encontrando atendimento no seu município”, afirma o obstetra Jefferson Drezett, coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do hospital.

No Brasil, há ao menos 197 hospitais considerados de referência para a assistência integral às vítimas de estupro e abuso sexual, segundo levantamento do ministério.

O problema, de acordo com estudo encomendado pela Secretaria de Mulheres do governo Dilma Rousseff (PT) no ano passado, é que nem todas essas unidades estão, de fato, preparadas para interromper uma gestação fruto de uma violência sexual.

Entre 2013 e 2015, os pesquisadores avaliaram 68 dessas unidades consideradas de referência e descobriram que apenas 37 delas declararam estar, de fato, aptas para conduzir tais procedimentos.

Mesmo em alguns desses estabelecimentos, os profissionais pareciam não estar totalmente cientes das regras para casos de aborto legal.

Em cinco unidades, as equipes relataram que pediam boletins de ocorrência para comprovar o estupro – medida não prevista em lei. Em outras três foi detectada a solicitação de alvará judicial – algo também não determinado pela legislação.

“Se nem os profissionais dos serviços de referência foram devidamente capacitados para o atendimento, imagine-se os demais. Há um desamparo da política”, afirma a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do estudo.

De acordo com o Ministério da Saúde, nos últimos dois anos, 376 profissionais de 22 estados do país participaram de um programa de capacitação para o atendimento às vítimas de violência sexual. Os dados e os relatos sugerem que, no entanto, isso ainda não é suficiente.

Em muitos casos, os problemas começam já no primeiro contato das vítimas com o sistema de saúde. Desde 2013, as unidades vinculadas ao SUS são obrigadas a fornecer a chamada pílula do dia seguinte – além de coquetéis anti-DSTs – para vítimas de estupro. No entanto, ao menos duas das unidades avaliadas pelo estudo não ofereciam esse tipo de medicamento. Lembrando: tais instituições seriam consideradas de referência nesse tipo de atendimento.

Segundo Drezett, uma parcela significativa das pacientes do Pérola Byington que têm a gravidez interrompida após uma violência sexual não receberam a anticoncepção de emergência quando procuraram atendimento médico. De acordo com o obstetra, se o medicamento é adotado 12 horas após o estupro, a eficácia é de 99,6%. Cinco dias depois, o efeito cai para 30%.

Em 2015, o Ministério da Saúde contabilizou 1.704 abortos legais realizados em unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
No mesmo período, o Pérola Byington registrou 180 procedimentos do tipo. Para este ano, a expectativa é dobrar o número de interrupções de gestações no hospital – até maio, foram registrados 120 procedimentos do tipo na unidade.

“Isso tem um lado bom porque muitas mulheres estão procurando espontaneamente o hospital”, afirma o obstetra. “Mas há muitas que ainda precisam sair de seu estado para ter seu direito garantido. Isso é aterrorizante”.

A cada 11 minutos uma pessoa foi estuprada no Brasil em 2014. A estimativa é de que 5% das mulheres vítimas desse tipo de violência correm risco de ficar grávidas.

Tramita na Câmara um projeto de lei de autoria do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que, em última instância, dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro ao condicionar a autorização do procedimento à comprovação por meio de um exame de corpo de delito e de um comunicado à autoridade policial. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em outubro do ano passado e está na fila para apreciação do plenário.

Levantamento do IBGE divulgado no ano passado mostra que mais de 1 milhão de mulheres brasileiras entre 18 e 49 anos admitem ter interrompido a gravidez de maneira induzida ao menos uma vez na vida. Em 2013, foram mais de 150 mil casos de mulheres internadas por complicações em abortos induzidos no país, segundo dados de um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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A legislação brasileira permite a interrupção da gravidez em 3 situações: se a mulher foi vítima de estupro, em caso de anencefalia ou quando a mãe corre risco de morte.

Segundo o Ministério da Saúde , qualquer estabelecimento de saúde que possua serviços de obstetrícia está apto para fazer aborto legal. No entanto, segundo relatos a EXAME.com, não é o que acontece na prática.

Metade das vítimas de estupro que chegam ao principal centro de referência em saúde da mulher no país, o Hospital Pérola Byington, em São Paulo (SP), vem de outras cidades. “Isso significa que elas não estão encontrando atendimento no seu município”, afirma o obstetra Jefferson Drezett, coordenador do Ambulatório de Violência Sexual e de Aborto Legal do hospital.

No Brasil, há ao menos 197 hospitais considerados de referência para a assistência integral às vítimas de estupro e abuso sexual, segundo levantamento do ministério.

O problema, de acordo com estudo encomendado pela Secretaria de Mulheres do governo Dilma Rousseff (PT) no ano passado, é que nem todas essas unidades estão, de fato, preparadas para interromper uma gestação fruto de uma violência sexual.

Entre 2013 e 2015, os pesquisadores avaliaram 68 dessas unidades consideradas de referência e descobriram que apenas 37 delas declararam estar, de fato, aptas para conduzir tais procedimentos.

Mesmo em alguns desses estabelecimentos, os profissionais pareciam não estar totalmente cientes das regras para casos de aborto legal.

Em cinco unidades, as equipes relataram que pediam boletins de ocorrência para comprovar o estupro – medida não prevista em lei. Em outras três foi detectada a solicitação de alvará judicial – algo também não determinado pela legislação.

“Se nem os profissionais dos serviços de referência foram devidamente capacitados para o atendimento, imagine-se os demais. Há um desamparo da política”, afirma a antropóloga Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do estudo.

De acordo com o Ministério da Saúde, nos últimos dois anos, 376 profissionais de 22 estados do país participaram de um programa de capacitação para o atendimento às vítimas de violência sexual. Os dados e os relatos sugerem que, no entanto, isso ainda não é suficiente.

Em muitos casos, os problemas começam já no primeiro contato das vítimas com o sistema de saúde. Desde 2013, as unidades vinculadas ao SUS são obrigadas a fornecer a chamada pílula do dia seguinte – além de coquetéis anti-DSTs – para vítimas de estupro. No entanto, ao menos duas das unidades avaliadas pelo estudo não ofereciam esse tipo de medicamento. Lembrando: tais instituições seriam consideradas de referência nesse tipo de atendimento.

Segundo Drezett, uma parcela significativa das pacientes do Pérola Byington que têm a gravidez interrompida após uma violência sexual não receberam a anticoncepção de emergência quando procuraram atendimento médico. De acordo com o obstetra, se o medicamento é adotado 12 horas após o estupro, a eficácia é de 99,6%. Cinco dias depois, o efeito cai para 30%.

Em 2015, o Ministério da Saúde contabilizou 1.704 abortos legais realizados em unidades vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
No mesmo período, o Pérola Byington registrou 180 procedimentos do tipo. Para este ano, a expectativa é dobrar o número de interrupções de gestações no hospital – até maio, foram registrados 120 procedimentos do tipo na unidade.

“Isso tem um lado bom porque muitas mulheres estão procurando espontaneamente o hospital”, afirma o obstetra. “Mas há muitas que ainda precisam sair de seu estado para ter seu direito garantido. Isso é aterrorizante”.

A cada 11 minutos uma pessoa foi estuprada no Brasil em 2014. A estimativa é de que 5% das mulheres vítimas desse tipo de violência correm risco de ficar grávidas.

Tramita na Câmara um projeto de lei de autoria do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que, em última instância, dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro ao condicionar a autorização do procedimento à comprovação por meio de um exame de corpo de delito e de um comunicado à autoridade policial. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em outubro do ano passado e está na fila para apreciação do plenário.

Levantamento do IBGE divulgado no ano passado mostra que mais de 1 milhão de mulheres brasileiras entre 18 e 49 anos admitem ter interrompido a gravidez de maneira induzida ao menos uma vez na vida. Em 2013, foram mais de 150 mil casos de mulheres internadas por complicações em abortos induzidos no país, segundo dados de um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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