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Cláudia Costin: Risco do Future-se é MEC parar de investir na universidade

"Não existe modelo de universidade pública bancada, exclusivamente, por iniciativa privada", diz diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV

Cláudia Costin: Ela vê com bons olhos vários aspectos da iniciativa, mas nota que há limites para o espaço que o setor privado pode ocupar (Banco Mundial/Divulgação)

Cláudia Costin: Ela vê com bons olhos vários aspectos da iniciativa, mas nota que há limites para o espaço que o setor privado pode ocupar (Banco Mundial/Divulgação)

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Clara Cerioni

Publicado em 23 de julho de 2019 às 12h48.

Última atualização em 23 de julho de 2019 às 13h41.

São Paulo —  Com o lançamento do programa Future-se na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) abre uma nova fase da relação com as universidades federais.

Depois de divulgar bloqueios orçamentários como punição por "balbúrdia" (e receber protestos massivos como resposta), o ministro Abraham Weintraub lançou a ideia de utilizar dispositivos do mercado financeiro para que faculdades e institutos federais gerem recursos próprios.

A meta é reforçar o que já é feito em parceria com a iniciativa privada para que essa fonte de recursos, que rendeu R$ 1 bilhão para as federais no ano passado, supere R$ 100 bilhões.

Os principais pilares seriam R$ 33 bilhões de fundos constitucionais, R$ 17,7 bilhões de leis de incentivos fiscais (como a Rouanet) e depósitos à vista e R$ 50 bilhões do fundo de patrimônio imobiliário (a União concedeu lotes e imóveis ao ministério para que sejam cedidos à iniciativa privada).

A meta de R$ 100 bilhões é cerca de o dobro do orçamento anual de todas as 63 instituições federais de ensino em 2019 (R$ 49,6 bilhões). As mudanças estão abertas para consulta pública até 15 de agosto.

Para avaliar o programa Future-se, EXAME conversou com Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Claudia também já atuou também como diretora sênior para educação no Banco Mundial, ministra da Administração Pública e Reforma Estadual, secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro e secretária estadual da Cultura em São Paulo.

Ela vê com bons olhos vários aspectos da iniciativa, mas nota que há limites para o espaço que o setor privado pode ocupar dentro do ensino e da pesquisa feitos nas universidades federais.

Veja os principais trechos da entrevista:

EXAME - Qual é a sua análise geral do programa Future-se?

Claudia Costin: As mudanças vão ficar mais claras ao longo do tempo. Mas antes de falar do programa é preciso lembrar que há, de fato, uma série de problemas nas universidades brasileiras,

Elas ainda são um pouco dissociadas das necessidades de desenvolvimento do país, ainda não são suficientemente internacionalizadas e sua gestão também é um pouco corporativista, arcaica e precisa se modernizar. Alguns dos problemas apontados pelo programa Future-se fazem sentido.

A ideia de ter uma organização social (OSs) pode funcionar, uma vez que a Constituição Federal autoriza que serviços que demandam agilidade e investimento, como orquestras, museus e hospitais, por exemplo, possam ter apoio dessas organizações. Alguns elementos do programa vão na direção correta.

Outros, contudo, levantam certo temor sobre suas consequências. Um dos trechos do programa diz que haverá uma organização social para o conjunto de atividades do ensino superior. Isso quer dizer que, eventualmente, as universidades poderão contratar professores no regime CLT.

O que preocupa nesse caso não é o que isso pode mudar na gestão, e sim que em tempos de falas ideológicas, como que as universidades seriam um centro de marxismo cultural, você possa usar esse instrumento para não assegurar pluralidade de vozes. Em democracias do mundo inteiro, as faculdades são espaços de pluralidade de opiniões e ideias, por isso esse ponto é crítico.

Uma das críticas ao programa é que a captação de recursos privados pode interferir no investimento público...

Sim, essa é realmente uma problemática. Precisamos ter certeza se isso não vai desobrigar o poder público do compromisso financeiro. Se dá ênfase à captação de recursos privados, o que em si é positivo. Nos países desenvolvidos, por exemplo, os recursos privados são usados.

Por outro lado há um medo de que isso seja usado para que o Estado seja desobrigado a bancar. Ao contrário do que o senso comum aponta, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, quem entra com mais dinheiro nas universidades públicas é o governo. Não existe modelo de universidade pública bancada, exclusivamente, por iniciativa privada.

A proposta pode aumentar a desigualdade entre as universidades, na medida que investimentos serem destinados a cursos com maior interesse comercial?

Não tenho medo disso, porque não consigo imaginar que o Brasil vá fechar cursos por questões deficitárias. Meu medo é maior na área da pesquisa do que na do ensino.

Recentemente, o presidente Bolsonaro afirmou que as pesquisas precisam fomentar os interesses mais urgentes dos contribuintes. Mas muitas das descobertas da ciência foram feitas a partir de pesquisa pura, testando hipóteses financiadas.

A ciência não pode ser controlada; ela é um bem por si mesma. Se o financiamento à pesquisa for só do setor privado corremos um grande risco de, primeiro, não prestarmos atenção às populações mais vulneráveis e, segundo, não darmos a atenção devida à pesquisa pura.

Uma outra proposta do programa são os "naming rights". No entanto, a medida não deu nem muito certo em estádios de futebol. É possível que funcione em universidades?

A ideia é bem positiva. No Brasil, o Insper nomeou algumas salas de aula com os nomes dos doadores e deu certo. É preciso, claro, estabelecer critérios, como o empresário que doa precisa escolher o nome de um cientista ou se o próprio doador prestou um grande serviço à população.

Sou a favor da metodologia, mas não para a universidade inteira. Pode funcionar para uma sala de aula ou um laboratório, por exemplo.

Qual a sua avaliação sobre os critérios adotados para o Future-se? Há a intenção de usar rankings internacionais, por exemplo.

Eu não sou contra usar comparação com rankings que existem, afinal as nossas universidades deveriam almejar estar entre as boas faculdades do mundo. A questão é que nem todas as universidades brasileiras precisam almejar isso.

No Banco Mundial, eu sempre defendi uma diversidade no ensino superior, com universidades voltadas à pesquisa e outras voltadas aos adultos que querem se inserir no mercado de trabalho.

Mas faz sentido querer mais universidades brasileiras em boas posições em rankings internacionais porque somos a nona maior economia do mundo e precisamos começar a nos ver como tal.

 

Existe alguma referência internacional positiva do que o programa do MEC está tentando fazer? 

Não que eu conheça.

Dessa vez, o anúncio do projeto para as universidades foi feito de forma mais positiva?

Eu não gostei da atitude que o ministro [Weintraub] tomou com a questão do contingenciamento, que levou milhares de estudantes às ruas em protesto.

Dessa vez, ele falou em consulta pública, o que eu vi como muito positivo, apesar da apresentação teatral e futurista que o MEC fez. Apenas 15 dias de consulta é pouco, mas já é um grande avanço.

É possível que ele encontre resistências para conseguir aplicar o Future-se?

Sim, tanto na legislação quanto na opinião popular. O ministro vai ter que se abrir para ouvir e nisso ele vai escutar o que gosta e o que não gosta. Também é preciso lembrar que parte das mudanças que o programa propõe já estão sendo feitas em algumas universidades.

A Universidade de São Paulo, por exemplo, apesar de não ser federal, criou recentemente um conselho consultivo com mais representantes da sociedade civil. A Unicamp criou um parque tecnológico, onde grandes empresas e multinacionais de tecnologia de ponta podem fazer pesquisa junto com os alunos. Mudanças já estão em curso; o que precisamos é pisar no acelerador.

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