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“Doações” de empresas necrosaram a política: entenda como curá-la

Doações oficiais e subornos tornaram o governo um (alegre) refém das grandes empresas. Essa Síndrome de Estocolmo é grave - mas tem solução

Corrupção: de acordo com dados da Transparência Brasil, 7% das empresas doadoras concentraram 64% do financiamento de campanha nas eleições de 2010 (Thinkstock/Thinkstock)
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Da Redação

Publicado em 13 de abril de 2017 às 17h05.

”Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo”, falou o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto da Costa.

Muito antes das declarações de Marcelo Odebrecht , a delação de Costa à Polícia Federal já tocava em um tema visceral da corrupção brasileira: a grana que flui das grandes empresas para o governo – e transforma os interesses delas em uma verdadeira bússola para a ação do poder público.

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Uma parte dessa grana costumava vir na forma de financiamento de campanha, uma espécie de “corrupção institucional”.

Mas além desse já volumoso dinheiro visível, temos os famosos Caixa 2 e casos de doações escusas e não contabilizáveis que tornam o governo um (alegre) refém do interesse dos donos das carteiras.

(Você pode ler mais sobre esse efeito no blog Crash: “Caixa 2” é eufemismo. O certo é “bateram sua carteira” ).

E esse esquema não é exclusividade brasileira: o jurista americano Lawrence Lessig mostra que, nos EUA, 0,5% de superdoadores de campanhas são responsáveis por mais de 60% do financiamento arrecadado nas primeiras fases da eleição – o que inviabiliza candidatos que não são bons na captação de recursos.

O resultado, segundo o pesquisador, é a paralisação de basicamente qualquer projeto de lei que ameace os interesses desses doadores.

No Brasil, algo semelhante aconteceu por muito tempo.

De acordo com dados da Transparência Brasil, 7% das empresas doadoras concentraram 64% do financiamento de campanha nas eleições de 2010 (que consumiram quase meio bilhão de reais em doações, diga-se).

E a conta aparece em escândalos como a Lava Jato, nas falas de Marcelos e Paulos.

Debaixo dos panos, o banco mundial estima que, só em subornos, são gastos mais de um US$ 1 trilhão anuais no mundo.

Mesmo assim, é impossível saber com precisão o real fluxo de recursos que vai para corrupção.

Apesar de não haver consenso quanto à melhor  forma de acabar com esse toma-lá-dá-cá, nenhuma entidade de combate à corrupção discorda de que é preciso, sim, diminuir o peso das contribuições privadas.

Uma das primeiras medidas, o Brasil já tomou: as eleições de 2016 foram as primeiras a experimentar a proibição de doações vindas de empresas – só pessoas físicas podem doar e o dinheiro era limitado a 10% do rendimento bruto declarado no IR do ano anterior.

Mas especialistas duvidam que tirar as empresas da jogada resolva o problema.

Uma das possibilidades é ter doações vultosas vindo dos próprios donos de campanha (para quem 10% dos rendimentos não é tão pouco).

Lawrence Lessig tem uma ideia pouco popular de como nivelar isso.

Ele defende que cada cidadão de um país ganhe um ”vale” – de R$ 100, por exemplo.

E aí decida para qual candidato vai doar seu vale.

O Estado, então, banca as campanhas conforme a quantidade de vales que cada candidato recebe.

Em tese, isso deixaria um Jorge Paulo Lemann da vida em pé de igualdade com o  Zé da esquina. Isso imporia limites ao financiamento público de campanha e às influências disproporcionais.

Muitos poréns

Essa conclusão porém, parece muito distante da realidade brasileira – e a Transparência Brasil sabe disso.

Para a instituição, uma medida nessa linha só faria o fluxo de doações/empréstimos que rola por baixo dos panos aumentar ainda mais.

Para a maioria dos analistas, a aprovação de uma reforma política que limite doações não teria força no combate à corrupção. Não sozinha.

"É preciso fortalecer e reformar os órgãos de controle, tais como os Tribunais de Contas e as controladorias, assim como o Poder Judiciário", diz Bruno Brandão, da Transparência Internacional.

O caso dos Tribunais de Contas talvez seja o mais exemplar de um órgão de controle que, na prática, pouco controla.

Como dois terços dos seus conselheiros são indicados por deputados e a Constituição é pouco exigente quanto à sua pré-qualificação (basta ter vagos ”notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, financeiros ou de administração pública”), não faltam por lá ex-políticos julgando as contas de parentes, de aliados e até de inimigos.

Um levantamento realizado em 34 Tribunais de Contas pela Transparência Brasil em 2014 indica que, de cada dez conselheiros, seis são ex-políticos, dois sofrem processos na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas e 1,5 é parente de algum político local.

Assim como ocorreu  em outros países, no entanto, não será nem no Legislativo nem no Executivo que se dará a batalha contra a corrupção no Brasil.

"É o Judiciário que decide, afinal, se haverá ou não impunidade", diz a professora de Ciência Política da USP, Maria Teresa Sadek.

E os efeitos do fortalecimento do Judiciário já se vêem (com suas muitas ambiguidades) na Lava Jato.

Mudança de instituições e de cultura: essa dobradinha tem sido a principal receita de países que decidiram enfrentar a corrupção.

"Quando as instituições garantem regras válidas para todos, ninguém se sente ‘otário’ por segui-las", diz o filósofo Mario Sergio Cortella, coautor de Política, Para Não Ser Idiota. No Brasil, porém, a diferenciação começa dentro da própria Justiça.

De acordo com a lei da magistratura, por exemplo, juízes têm direito a 60 dias de férias (sem contar os recessos que podem adicionar mais 15).

Além disso, a mesma lei prevê que a maior punição administrativa aplicável a um juiz pelo mau exercício da função é uma simples aposentadoria compulsória – e sem perda dos vencimentos.

Ou seja: um juiz corrupto pode até entrar em depressão pela perda do cargo, mas não deixará de receber seus salários pagos pelo contribuinte a menos que venha depois a ser condenado por processo penal – e mesmo assim não vai ficar em cela comum, com os outros presos.

Ainda que tudo esteja dentro da lei, essa cultura de privilégios é um dos principais entraves ao combate à corrupção.

Se um cidadão sabe que um político ou magistrado conta com uma série de privilégios (como a imunidade parlamentar), por que se arriscaria a sofrer represálias denunciando uma autoridade corrupta?

"Mesmo aqueles que consideram a corrupção algo moralmente condenável são propensos a participar do esquema, uma vez que todos os ‘outros’ participam do jogo", afirmou o cientista político Bo Rothstein, da Universidade de Gotemburgo, no livro de Cláudia Varejão, Um País Sem Excelências e Mordomias.

A experiência sueca

Ele lembra que, diferentemente do que muita gente imagina, a Suécia já foi marcada por subornos, e que os contatos privilegiados eram mais importantes do que as leis. Em meados do século 19, contudo, uma série de reformas detonou o que ele chama de ”Big Bang Institucional” – quando os cidadãos perceberam que as instituições se tornaram imparciais, a população foi mudando de comportamento.

"Com amplo setor público e governo intervencionista, a Suécia possui todas as características que, segundo a teoria econômica convencional, deveriam tê-la transformado em uma sociedade corrupta", diz Cláudia Varejão.

"Até pela alta carga tributária, os suecos exigem acesso rápido à prestação de contas dos gastos dos políticos com o dinheiro do contribuinte", ela completa.

Duas vezes por ano, o país divulga listas dos investimentos privados de todos os ministros do governo, incluindo o nome dos fundos e dos bancos das aplicações. Um grau de transparência que, para os nossos padrões, chega a ser ofuscante.

A boa notícia é que, como lembra o Rothstein, embora a corrupção tenha, sim, características culturais, ela não é culturalmente determinada.

Ou seja: não tem receita mágica.

Quanto mais imparciais, transparentes e eficientes forem as instituições, menos espaço existirá para a cultura do jeitinho brasileiro.

Este texto foi adaptado da reportagemAs raízes da corrupção. Leia também aversão original completa.

Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante .

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