Dia Internacional da Mulher: o que os homens podem fazer pela equidade de gênero?
Neste 8 de março, em vez de oferecer flores e bombons, homens podem repensar atitudes cotidianas e abrir mão de privilégios
Agência de notícias
Publicado em 8 de março de 2024 às 06h34.
O Dia Internacional da Mulher é celebrado em 8 de março e com a chegada da data cresce a procura por ideias de “lembrancinhas” para presentear mães, namoradas e amigas. Nos últimos anos, no entanto, cada vez mais mulheres questionam a distribuição de flores e bombons nessa data, que se fortalece como um momento significativo para o movimento feminista e é marcada por diversas manifestações pelo mundo.
O problema não está em dar presentes, mas sim no consequente apagamento da luta histórica das mulheres por direitos e oportunidades igualitárias. Existe outra forma pela qual os homens podem prestar suas homenagens: apoiando a equidade de gênero por meio de atitudes e posicionamentos no cotidiano. Que tal aproveitar a data para refletir sobre eles?
Para a antropóloga Debora Diniz , o lugar dos homens na luta pela igualdade é decisivo e essencial para que ela de fato aconteça.
— Cabe aos homens manter permanentemente a voz sobre a igualdade de gênero ao lado das mulheres, porque elas não vão reescrever sozinhas as normas naturalizadas de desigualdade. É um lugar de atenção e combate aos privilégios do patriarcado e de todas as marcas indevidas da masculinidade e do machismo.
A pesquisadora explica que a questão do lugar de fala faz com que muitos homens acreditem não ter espaço nessa causa, mas defende que todos aqueles que usufruem de algum privilégio têm também o dever de estar ao lado dos que não são favorecidos.
— Muitos vão afirmar “eu não sou mulher, então não tenho nada a dizer.” Eu diria exatamente o contrário. Quanto mais privilégio nós temos, maior nosso dever de falar junto. O homem não tem o mesmo lugar das mulheres, mas ele tem um papel de pensar a masculinidade. Assim como é meu papel como mulher branca pensar o racismo e a branquitude, cabe aos homens se questionarem sobre como o patriarcado oferece privilégios indevidos e onde eles, talvez inadvertidamente, tiram proveito disso.
Maíra Liguori, diretora da organização Think Olga, concorda que essa luta precisa envolver também os homens, que podem ajudar apoiando e reconhecendo sua importância, além de identificar e abrir mão de privilégios. Ela menciona a existência de uma confusão muito comum, que contribui para o afastamento deles, de que o feminismo seria o contrário do machismo.
— O machismo é um sistema em que o homem se coloca na sociedade de forma superior à mulher. Já o feminismo parte da igualdade de oportunidades. A gente está falando de equidade, na verdade, para que cada um tenha as mesmas oportunidades de executar tarefas e se colocar na sociedade de igual para igual: homens e mulheres, com as mesmas possibilidades.
Ela afirma ser importante abrir espaço para as pessoas que queiram colaborar e participar da mudança, mas ressalta ser fundamental que eles não tirem o protagonismo feminino . Ela cita como exemplo as empresas que contratam homens para palestrar aos funcionários nessa data.
— A luta feminista é sobre mulheres, brancas e negras, que ocupam um lugar de opressão na sociedade, e vem para colocá-las em posição de equidade em relação aos homens. No dia 8 de março muitas mulheres atuam nesse sentido e os homens não são agentes da transformação da luta feminista nesse momento. Eles têm outra transformação em curso que é a de olhar para a masculinidade. Se a gente tira o lugar da mulher e minimiza seu conhecimento para colocar um homem falando de suas dores, estamos reafirmando o status quo e não mudamos nada.
Com base na conversa com as duas especialistas, O GLOBO listou algumas ações que podem ser realizadas pelos homens em prol da equidade de gênero não só no dia 8 de março, mas o ano todo:
1 - Agir pelo fim da violência contra a mulher
Mais de 1,23 milhão de mulheres sofreram violência no Brasil entre 2010 e 2017, de acordo com dados da plataforma EVA, do Instituto Igarapé. Em 90% dos casos, o agressor é uma pessoa próxima da vítima. Refletir sobre esses dados e repensar comportamentos que legitimam a violência é um ponto urgente.
— Nosso país tem uma das piores estatísticas do mundo em relação à violência contra a mulher, então acho que esse seria passo número zero: encerrar os comportamentos de violência contra mulheres. Que tal parar de assediar, de bater, de matar? — defende Maíra Liguori.
2 - Parar de falar a frase: 'eu ajudo em casa'
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens a tarefas domésticas. Em 2018, elas trabalharam, em média, 21,3 horas por semana realizando esses serviços, enquanto os homens dedicaram apenas 10,9 horas.
Quando realizam esses afazeres, muitos afirmam estar "ajudando em casa", o que contribui para a ideia de que essa seria uma função feminina.
— Os homens não são hóspedes, filhos eternos, nem visitantes. Então precisamos mudar essa linguagem: homens não "ajudam" em casa, eles fazem trabalho doméstico, assim como as mulheres, e precisam também experimentar a dupla e tripla jornada — explica Diniz.
Liguori destaca que houve um crescimento na participação das mulheres no mercado de trabalho, mas que ele não veio acompanhado pela divisão das responsabilidades em casa.
— Hoje o homem não é mais o provedor, existe uma divisão das responsabilidades financeiras da família, e falando de mulheres de baixa renda esse número de provedoras do lar é infinitamente maior. Porém, os homens não assumiram a outra parte, que são as tarefas da casa, o cuidado com os filhos e com os idosos — afirma.
3 - Reconhecer o exercício da paternidade como papel masculino
Quando homens cuidam dos filhos ou passam tempo com eles é normal ouvir elogios e reações de surpresa e exaltação. Por outro lado, quando os cuidados são exercidos por mulheres, essa atitude é considerada normal e apenas uma "obrigação".
— Precisamos pensar sobre o que essa expressão "ele é tão bom pai" significa. Quando vemos mulheres saírem do mercado de trabalho e irem cuidar dos seus filhos, a sociedade considera que é o que a mulher deve fazer. Agora quando os homens vão tirar uma licença paternidade é um espanto. É preciso estranhar nossos espantos com algo que deveria ser esperado de todos os homens. Ele está só exercendo a paternidade — diz a antropóloga Debora Diniz.
4 - Respeitar mulheres em posições de poder e em espaços majoritariamente masculinos
As mulheres cada vez mais ocupam posições de poder ou espaços que antes eram dominados pelos homens. No entanto, elas nem sempre são respeitadas nessa condição: muitas vezes têm sua capacidade questionada ou suas falas desmerecidas.
— Precisamos que os homens reconheçam mulheres em relação de poder e consigam trabalhar com elas dessa forma. Quando digo relação de poder me refiro a todos os níveis de trabalho, desde mulheres no poder doméstico até as que são chefes de empresas, o que chamamos de 1% no feminismo. Para os professores, principalmente em áreas de tecnologia e ciências exatas , é preciso reparar em como se comportam em relação às alunas mulheres e de que forma reagem às suas observações — sugere a antropóloga.
5 - Reconhecer e abrir mão de privilégios
Reconhecer seus privilégios e abrir mão deles é um ponto essencial para homens que querem contribuir para equidade de gênero. Essa é uma tarefa difícil e incômoda, mas necessária para que qualquer mudança possa acontecer.
— É preciso que os homens façam uma pergunta para si mesmos: onde os privilégios do machismo me beneficiam? Onde está a expressão do meu machismo? No trabalho, em casa, na rua, na forma de entrar em uma relação amorosa com mulheres e na forma de cuidar dos filhos — propõe Diniz.
Para Maíra Liguori, do Think Olga, se cada homem tiver um olhar sobre si com uma revisão dos seus privilégios, já é um grande ponto de partida.
— Não acredito que existe uma fórmula pronta, mas os homens precisam reconhecer que podem andar pelas ruas muito mais livremente, seus comportamentos são menos julgados, no mercado de trabalho são vistos de forma diferente e não acumulam carga mental do trabalho em casa como as mulheres. Esse tipo de privilégio ainda está estabelecido e é cômodo. Mas nenhuma mudança vai acontecer se isso não for encarado de frente — conclui