Cunha põe em xeque pauta governista, mas pode se enfraquecer
O presidente da Câmara rompeu com o governo Dilma hoje, em uma decisão que coloca em xeque a pauta de votações, mas pode enfraquecer o deputado
Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2015 às 21h46.
São Paulo/Brasília - O presidente da Câmara dos Deputados , Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompeu com o governo da presidente Dilma Rousseff nesta sexta-feira em uma decisão que coloca em xeque a pauta de votações do Executivo, mas também pode enfraquecer o deputado, principal pedra no sapato de Dilma no Congresso Nacional.
Em tom agressivo contra o Palácio do Planalto, Cunha anunciou seu rompimento por conta do que, segundo ele, seria uma ação orquestrada do governo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para constrangê-lo.
Cunha referiu-se ao que chamou de "devassa fiscal" promovida contra ele e ao depoimento dado pelo empresário Julio Camargo, um dos delatores da operação Lava Jato, que acusa o deputado de lhe pedir pessoalmente propina de 5 milhões de dólares, o que é negado pelo presidente da Câmara.
"Eu formalmente, a partir de hoje, estou rompendo com o governo", disse Cunha em entrevista coletiva na Câmara, em Brasília, negando, entretanto, que sua decisão tenha influência em seu papel institucional como presidente da Câmara.
"Não há nenhum gesto da minha parte que possa dizer: acabou a governabilidade do governo hoje. Mas saibam que o presidente da Câmara a partir de hoje é oposição ao governo." O deputado disse ainda que defenderá a ida do PMDB para a oposição a Dilma no congresso da legenda, marcado para setembro.
"Vou pregar que a minha posição pessoal possa vir a ser a posição do partido", disse.
O governo reagiu ao rompimento de Cunha enfatizando o caráter pessoal de sua decisão, exaltando a importância do PMDB para o Executivo e afirmando esperar que a posição contrária ao Planalto não reflita na atuação de Cunha na presidência da Câmara.
"Tanto o vice-presidente da República como os ministros e parlamentares do PMDB tiveram e continuam tendo um papel importante no governo", disse a Presidência da República em nota.
"O governo espera que esta posição (de Cunha) não se reflita nas decisões e nas ações da presidência da Câmara que devem ser pautadas pela imparcialidade e pela impessoalidade", acrescenta o comunicado, que afirma ainda que o Planalto atuou com "total isenção" em relação às investigações em curso.
Em sintonia com a nota da Presidência, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que o PMDB é um "importante e fundamental aliado do governo".
Exaltado pelo Planalto após o rompimento de Cunha, o PMDB também divulgou nota em que reitera o caráter pessoal da decisão do presidente da Câmara, diz respeitar este posicionamento e afirma que cabe às instâncias decisórias da legenda definir um posicionamento partidário.
E é justamente a essas instâncias que a bancada do PMDB na Câmara, até janeiro liderada por Cunha e que hoje tem como líder um parlamentar próximo a ele, o deputado Leonardo Picciani (RJ), pedirá em agosto uma reunião para definir uma posição partidária após o rompimento anunciado nesta sexta-feira.
O PMDB é presidido pelo vice-presidente e articulador político de Dilma, Michel Temer, e comanda seis ministérios no governo.
CORDA ESTICADA
A decisão de Cunha teve o efeito imediato de deteriorar ainda mais o já debilitado cenário político, em um momento em que o governo precisa do Congresso Nacional para aprovar medidas de reequilíbrio das contas públicas.
Diante desse desgaste e indagado no Rio de Janeiro sobre a decisão do presidente da Câmara, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, manifestou confiança na imparcialidade de Cunha ao tomar atitudes no exercício do cargo.
Ainda assim, os mercados financeiros reagiram mal ao anúncio de Cunha. O dólar avançou mais de 1 por cento ante o real e o Ibovespa, índice referência da Bolsa de Valores de São Paulo, caiu mais de 1 por cento.
Além dos possíveis efeitos negativos na economia, o rompimento de Cunha também pode acarretar efeitos colaterais desagradáveis para o próprio deputado, na visão de analistas e pessoas do meio político ouvidas pela Reuters.
Isso porque o tom agressivo do presidente da Câmara contra o Planalto, aliado a um momento de fragilidade política por conta de sua citação na Lava Jato, pode provocar uma debandada de aliados e até mesmo um isolamento de Cunha.
Uma fonte do PMDB que falou à Reuters sob a condição de anonimato avaliou que Cunha agiu individualmente ao anunciar o rompimento e que tem adotado postura mais impulsiva, o que pode afastar alguns aliados.
Outra fonte, essa do PT, também acredita que Cunha pode ficar mais "solitário" com a decisão de romper com o Planalto.
Essa avaliação de integrantes do meio político é compartilhada por analistas ouvidos pela Reuters.
"Eu acredito que o Eduardo Cunha talvez tenha esticado a corda excessivamente", disse à Reuters o cientista político da Fundação Getulio Vargas Claudio Couto.
"Ele também é vulnerável. Ele começou a cobrir demais essas apostas... de enfrentamento com o governo, e aí quando os problemas começam a aparecer para ele também, ...ele começa a se tornar enfraquecido", acrescentou.
Ainda assim, numa possível sinalização do estrago que pode fazer da cadeira de presidente da Câmara, Cunha autorizou nesta sexta-feira, horas após romper com o Planalto, a criação de duas comissões parlamentares de inquérito (CPI) que desagradam o governo: uma que pretende investigar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outra para apurar as atividades de fundos de pensão de estatais, esta última a ser efetivamente criada em agosto.
IMPEACHMENT
Outro fator de incerteza gerada pela decisão de Cunha gira em torno de um pedido de impeachment contra Dilma, já que cabe a ele, como presidente da Câmara, tomar a decisão sobre dar ou não seguimento a um eventual impedimento contra a presidente.
Na quinta-feira, Cunha disse que deve decidir em 30 dias sobre um pedido de impeachment apresentado contra Dilma. Na ocasião, ele afirmou que aguardava um posicionamento da área jurídica da Câmara e de juristas externos.
Além disso, as contas do governo Dilma em 2014 serão em breve analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que enviará um parecer ao Congresso, a quem cabe julgar as contas do Executivo.
Um eventual parecer contrário às contas do governo no TCU ou mesmo a rejeição das contas no Parlamento pode abrir caminho para um pedido de impeachment contra Dilma por crime de responsabilidade.
Questionado nesta sexta-feira sobre sua posição acerca de um eventual pedido de impeachment, Cunha manteve a posição manifestada na véspera, de que um processo de impedimento deve ser tratado dentro da Constituição e não do ponto de vista eleitoral.
Após o anúncio de Cunha, a consultoria política Eurasia Group colocou em 30 por cento as chances de impeachment de Dilma e apontou o possível enfraquecimento do presidente da Câmara como um dos motivos para este baixo percentual.
"A tendência é que a capacidade dele (Cunha) de agregar aliados é declinante. Reduz a nossa visão de impeachment também em função disso. A capacidade de um presidente da Câmara sendo investigado capitanear o impeachment se reduz", avaliou o analista João Augusto de Castro Neves, da Eurasia.
São Paulo/Brasília - O presidente da Câmara dos Deputados , Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rompeu com o governo da presidente Dilma Rousseff nesta sexta-feira em uma decisão que coloca em xeque a pauta de votações do Executivo, mas também pode enfraquecer o deputado, principal pedra no sapato de Dilma no Congresso Nacional.
Em tom agressivo contra o Palácio do Planalto, Cunha anunciou seu rompimento por conta do que, segundo ele, seria uma ação orquestrada do governo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para constrangê-lo.
Cunha referiu-se ao que chamou de "devassa fiscal" promovida contra ele e ao depoimento dado pelo empresário Julio Camargo, um dos delatores da operação Lava Jato, que acusa o deputado de lhe pedir pessoalmente propina de 5 milhões de dólares, o que é negado pelo presidente da Câmara.
"Eu formalmente, a partir de hoje, estou rompendo com o governo", disse Cunha em entrevista coletiva na Câmara, em Brasília, negando, entretanto, que sua decisão tenha influência em seu papel institucional como presidente da Câmara.
"Não há nenhum gesto da minha parte que possa dizer: acabou a governabilidade do governo hoje. Mas saibam que o presidente da Câmara a partir de hoje é oposição ao governo." O deputado disse ainda que defenderá a ida do PMDB para a oposição a Dilma no congresso da legenda, marcado para setembro.
"Vou pregar que a minha posição pessoal possa vir a ser a posição do partido", disse.
O governo reagiu ao rompimento de Cunha enfatizando o caráter pessoal de sua decisão, exaltando a importância do PMDB para o Executivo e afirmando esperar que a posição contrária ao Planalto não reflita na atuação de Cunha na presidência da Câmara.
"Tanto o vice-presidente da República como os ministros e parlamentares do PMDB tiveram e continuam tendo um papel importante no governo", disse a Presidência da República em nota.
"O governo espera que esta posição (de Cunha) não se reflita nas decisões e nas ações da presidência da Câmara que devem ser pautadas pela imparcialidade e pela impessoalidade", acrescenta o comunicado, que afirma ainda que o Planalto atuou com "total isenção" em relação às investigações em curso.
Em sintonia com a nota da Presidência, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse que o PMDB é um "importante e fundamental aliado do governo".
Exaltado pelo Planalto após o rompimento de Cunha, o PMDB também divulgou nota em que reitera o caráter pessoal da decisão do presidente da Câmara, diz respeitar este posicionamento e afirma que cabe às instâncias decisórias da legenda definir um posicionamento partidário.
E é justamente a essas instâncias que a bancada do PMDB na Câmara, até janeiro liderada por Cunha e que hoje tem como líder um parlamentar próximo a ele, o deputado Leonardo Picciani (RJ), pedirá em agosto uma reunião para definir uma posição partidária após o rompimento anunciado nesta sexta-feira.
O PMDB é presidido pelo vice-presidente e articulador político de Dilma, Michel Temer, e comanda seis ministérios no governo.
CORDA ESTICADA
A decisão de Cunha teve o efeito imediato de deteriorar ainda mais o já debilitado cenário político, em um momento em que o governo precisa do Congresso Nacional para aprovar medidas de reequilíbrio das contas públicas.
Diante desse desgaste e indagado no Rio de Janeiro sobre a decisão do presidente da Câmara, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, manifestou confiança na imparcialidade de Cunha ao tomar atitudes no exercício do cargo.
Ainda assim, os mercados financeiros reagiram mal ao anúncio de Cunha. O dólar avançou mais de 1 por cento ante o real e o Ibovespa, índice referência da Bolsa de Valores de São Paulo, caiu mais de 1 por cento.
Além dos possíveis efeitos negativos na economia, o rompimento de Cunha também pode acarretar efeitos colaterais desagradáveis para o próprio deputado, na visão de analistas e pessoas do meio político ouvidas pela Reuters.
Isso porque o tom agressivo do presidente da Câmara contra o Planalto, aliado a um momento de fragilidade política por conta de sua citação na Lava Jato, pode provocar uma debandada de aliados e até mesmo um isolamento de Cunha.
Uma fonte do PMDB que falou à Reuters sob a condição de anonimato avaliou que Cunha agiu individualmente ao anunciar o rompimento e que tem adotado postura mais impulsiva, o que pode afastar alguns aliados.
Outra fonte, essa do PT, também acredita que Cunha pode ficar mais "solitário" com a decisão de romper com o Planalto.
Essa avaliação de integrantes do meio político é compartilhada por analistas ouvidos pela Reuters.
"Eu acredito que o Eduardo Cunha talvez tenha esticado a corda excessivamente", disse à Reuters o cientista político da Fundação Getulio Vargas Claudio Couto.
"Ele também é vulnerável. Ele começou a cobrir demais essas apostas... de enfrentamento com o governo, e aí quando os problemas começam a aparecer para ele também, ...ele começa a se tornar enfraquecido", acrescentou.
Ainda assim, numa possível sinalização do estrago que pode fazer da cadeira de presidente da Câmara, Cunha autorizou nesta sexta-feira, horas após romper com o Planalto, a criação de duas comissões parlamentares de inquérito (CPI) que desagradam o governo: uma que pretende investigar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outra para apurar as atividades de fundos de pensão de estatais, esta última a ser efetivamente criada em agosto.
IMPEACHMENT
Outro fator de incerteza gerada pela decisão de Cunha gira em torno de um pedido de impeachment contra Dilma, já que cabe a ele, como presidente da Câmara, tomar a decisão sobre dar ou não seguimento a um eventual impedimento contra a presidente.
Na quinta-feira, Cunha disse que deve decidir em 30 dias sobre um pedido de impeachment apresentado contra Dilma. Na ocasião, ele afirmou que aguardava um posicionamento da área jurídica da Câmara e de juristas externos.
Além disso, as contas do governo Dilma em 2014 serão em breve analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que enviará um parecer ao Congresso, a quem cabe julgar as contas do Executivo.
Um eventual parecer contrário às contas do governo no TCU ou mesmo a rejeição das contas no Parlamento pode abrir caminho para um pedido de impeachment contra Dilma por crime de responsabilidade.
Questionado nesta sexta-feira sobre sua posição acerca de um eventual pedido de impeachment, Cunha manteve a posição manifestada na véspera, de que um processo de impedimento deve ser tratado dentro da Constituição e não do ponto de vista eleitoral.
Após o anúncio de Cunha, a consultoria política Eurasia Group colocou em 30 por cento as chances de impeachment de Dilma e apontou o possível enfraquecimento do presidente da Câmara como um dos motivos para este baixo percentual.
"A tendência é que a capacidade dele (Cunha) de agregar aliados é declinante. Reduz a nossa visão de impeachment também em função disso. A capacidade de um presidente da Câmara sendo investigado capitanear o impeachment se reduz", avaliou o analista João Augusto de Castro Neves, da Eurasia.