Crime organizado é um modelo de negócio bem-sucedido no Brasil, afirma pesquisador da USP
Ao Canal UM BRASIL, pesquisador da USP alerta para presença crescente do crime organizado nas eleições, com financiamento ilegal de campanhas, ameaças a eleitores e controle armado de territórios
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Publicado em 30 de março de 2024 às 10h00.
O país entra em um novo ciclo eleitoral. No horizonte, a sombra do financiamento irregular de campanhas com recursos que, muitas vezes, nem mesmo os próprios candidatos conhecem a origem. E ainda sob o risco de o crime organizado se entranhar mais na política, com facções e milícias influenciando a escolha do eleitorado e o controle de votos — e, ainda, impedindo campanhas em determinadas áreas.
“Há dinheiro, capacidade de esse investimento do crime financiar as candidaturas, além da disposição de grupos com controle territorial armado conseguir votos para determinados políticos. Esse é o problema-chave das eleições municipais”, afirma Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).
O que torna esse ambiente ainda mais perigoso é o fato de o crime organizado ter obtido sucesso em se manter como uma estrutura potente, capaz de gerar pertencimento e fé, negócios e proteção. Segundo o pesquisador, o Brasil está diante de toda uma economia que se torna aquecida a partir da lavagem do dinheiro do crime e do tráfico de drogas. “O traficante passa a entrar no Estado disfarçado, com uma nova identidade.”
“As facções são o governo do mundo ilegal, um governo do crime, e conseguem mediar as relações e proporcionar concorrência e profissionalismo [no tráfico de drogas, por exemplo]”, pondera. Dessa forma, se o Estado não se voltar a debater alguns temas complexos, mas que estão muito presentes no dia a dia — como a legalização de determinadas drogas —, o crime organizado terá o controle disso, algo que ocorre hoje e que potencializa a sua influência política, enfatiza.
Senhores da guerra
Em entrevista ao Canal UM BRASIL — uma realização da FecomercioSP —, Manso chama a atenção para outro fator envolto no cenário eleitoral de 2024: a forte presença de candidatos da polícia ou “representantes da guerra”. Isto é, aqueles que cativam eleitores vendendo a ideia de que violência do Estado produz ordem.
Um grande problema desse discurso, Manso adverte, é que fortalece a presença estatal distorcida na sociedade, reforçando um Estado que tem uma polícia que mata, prende excessivamente e lota as cadeias com determinados grupos. “Isso fomenta o discurso antissistema que o crime usa para mobilizar os grupos nas facções.”
O enfrentamento desse ambiente arriscado ao País, segundo o pesquisador, exige que se trabalhe com inteligência econômica para reduzir o poder financeiro do crime organizado, bem como que se diminuam as taxas de homicídios — para libertar as comunidades dos grupos armados espalhadas pelo território nacional —, além do controle das taxas de letalidade policial. “Esses índices são sintomas do descontrole da polícia, que, com carta branca para matar, ganha dinheiro com esse diferencial. As milícias cresceram assim. Retomar o controle das polícias é impedir que elas se corrompam para o crime, que é o que tem acontecido no Brasil.”
O papel do Estado e o discurso do confronto
Ainda na linha expressiva da violência cada vez mais presente nos palanques, Manso sinaliza que isso gera uma nova ideia de Estado, o qual passa a ter um papel de confronto muito maior: o de combater os “inimigos” que atravancam o crescimento do País (comunistas, globalistas, cidadãos contra valores bíblicos e feministas, por exemplo).
“Os representantes desse pensamento se apresentam como defensores do ‘grupo do bem’, que assumirão o Estado e vencerão a guerra. O governo deixa de ser visto como representante do interesse coletivo — responsável por promover a justiça e o convívio entre as diferenças — para ser apropriado por um grupo representante de determinados valores e dos negócios dessas pessoas. Assim temos uma nova visão de Estado vinculada a discursos extremistas do confronto e da guerra”, conclui.