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Brasil suja matriz com gás em substituição às hidrelétricas

As usinas termelétricas serão usadas como paliativo para garantir o abastecimento de energia depois da pior seca em oito décadas

Seca no Sistema Cantareira: o Brasil pode ser forçado a racionar energia já no ano que vem se as secas continuarem (Divulgação/Sabesp)
DR

Da Redação

Publicado em 27 de novembro de 2014 às 14h08.

São Paulo - O Brasil, país que mais usa energia limpa no mundo, está ficando mais sujo.No leilão de energia de amanhã, o governo buscará conceder contratos para usinas movidas a gás natural e a carvão, revertendo um impulso que antes favorecia projetos de energia renovável.

O parque termoelétrico deve crescer, depois de três anos sem novas plantas, quando o governo reduziu projetos dessas fontes e concedeu desde 2009 contratos de energia eólica e de energia solar neste ano.

As usinas termelétricas, que são mais rápidas e fáceis de construir e de colocar em operação do que instalações eólicas ou hidroelétricas, serão usadas como paliativo para garantir o abastecimento de energia depois que a pior seca em oito décadas esgotou os reservatórios em usinas hidroelétricas que produzem 70 por cento da energia do Brasil.

Sem o fornecimento extra de energia, o Brasil pode ser forçado a racionar energia já no ano que vem se as secas continuarem, disseram o BNP Paribas SA e a consultoria Thymos Energia.

“As usinas de carvão e de gás podem atender uma necessidade urgente”, disse Bernardo Bezerra, gerente da consultoria em energia PSR, com sede no Rio de Janeiro, em entrevista.

“O grande ponto de interrogação é: vale a pena contratar uma fonte cara de energia por tantos anos quando você tem disponíveis fontes mais baratas e limpas como a eólica simplesmente por causa de uma necessidade de curto prazo?”.

‘Segurança’ energética

A agência de planejamento e pesquisa energética do Brasil, conhecida como EPE, diz que vale.

“É importante para a segurança do sistema que tenhamos mais energia térmica -- foi por causa da energia térmica que evitamos o racionamento no ano passado --”, disse José Carlos de Miranda Farias, diretor de estudos de energia elétrica da EPE, em entrevista por telefone, de Brasília.

“Nós precisamos garantir o abastecimento dos consumidores brasileiros que não admitem ficar sem energia nem por meia hora."

O uso de combustíveis fósseis em um momento de necessidade ressalta as tensões enfrentadas pelas autoridades brasileiras ao ingressarem nas negociações da Organização das Nações Unidas, na semana que vem, que tem o objetivo de limitar o aquecimento global.

Enquanto os enviados de 190 países pressionam por um acordo em 2015 para limitar as emissões de combustíveis fósseis, o Brasil pode precisar aumentar as emissões para estabilizar seu mercado energético e atender uma demanda crescente.

O Brasil, maior poluidor da América Latina, deu um salto de 6,7 por cento nas emissões de carbono no ano passado, segundo dados da BP Plc.

Esse foi o incremento mais rápido do mundo depois do registrado no Catar, na Colômbia e nas Filipinas. Um porta-voz do Ministério de Minas e Energia do Brasil não estava disponível imediatamente para comentar.

Para que o mundo atenda suas metas de limitar o aquecimento global, o Brasil teria que reduzir as emissões de carbono, em média, em 0,9 por cento ao ano até 2040, estima a Agência Internacional de Energia.

As atuais políticas do governo colocam o Brasil a caminho de aumentos anuais de 1,8 por cento ao longo desse período, estima a instituição com sede em Paris.

Usinas ociosas

O Brasil reativou todas suas usinas termelétricas ociosas para compensar a escassez energética depois que a produção hidrelétrica despencou. O uso da fonte energética mais cara aumentou os preços à vista da eletricidade para níveis recordes.

Apenas geradoras de energia eólica e solar conseguiram contratos no último leilão, em 31 de outubro, como a Renova Energia SA e a Enel Brasil Participações Ltda .

A energia eólica ainda cumpre um papel importante no leilão A-5 de amanhã: a fonte renovável responde por cerca de 14 gigawatts de capacidade instalada de oferta, ou quase metade dos projetos que se qualificaram para realizar propostas.

Nos leilões de energia do Brasil, o governo estabelece um teto de preço e as geradoras realizam propostas com o preço pelo qual estão dispostas a vender energia. A oferta mais baixa ganha o contrato.

Grande mudança

A grande mudança desse leilão é que as usinas termelétricas vêm com as melhores condições.

Em um esforço para atrair mais projetos, a reguladora do setor de energia do país elevou o limite das tarifas de eletricidade térmica para R$ 209 (US$ 83,51) o megawatt-hora, contra uma proposta inicial de R$ 197.

O novo preço é mais de duas vezes o do último projeto de gás, concedido em 2011.

E diferentemente do leilão realizado no mês passado, quando foi concedido o primeiro contrato federal para usinas solares, o governo está colocando todos os projetos juntos. Isso significa que as usinas de gás e carvão competirão ombro a ombro com produtoras de energia limpa.

“A pressão já não é para limpar a matriz energética no Brasil -- nós já temos uma matriz limpa --”, disse Rafael Brandão, sócio da Rio Alto Energia, uma geradora de energia renovável, em entrevista, em São Paulo. “Essa é uma boa desculpa para sujar a matriz”.

Níveis da água

A operadora do sistema elétrico, ONS, diz que os níveis da água nas represas mais importantes do Brasil estão, em média, no patamar de 15 por cento da capacidade total, depois de quase dois meses da estação de chuvas no Brasil.

Há um ano, quando a seca estava começando, os reservatórios estavam com 41 por cento da capacidade.

O leilão de amanhã “é um teste de inteligência: será que o governo entende que essa é uma boa hora para instalar mais geração termelétrica?”, disse João Carlos de Oliveira Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, em entrevista no escritório da Bloomberg em São Paulo.

“Desde 2009 não planejamos nenhuma eletricidade térmica. O Brasil precisa de um complexo termelétrico barato e estável”.

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São Paulo - O Brasil, país que mais usa energia limpa no mundo, está ficando mais sujo.No leilão de energia de amanhã, o governo buscará conceder contratos para usinas movidas a gás natural e a carvão, revertendo um impulso que antes favorecia projetos de energia renovável.

O parque termoelétrico deve crescer, depois de três anos sem novas plantas, quando o governo reduziu projetos dessas fontes e concedeu desde 2009 contratos de energia eólica e de energia solar neste ano.

As usinas termelétricas, que são mais rápidas e fáceis de construir e de colocar em operação do que instalações eólicas ou hidroelétricas, serão usadas como paliativo para garantir o abastecimento de energia depois que a pior seca em oito décadas esgotou os reservatórios em usinas hidroelétricas que produzem 70 por cento da energia do Brasil.

Sem o fornecimento extra de energia, o Brasil pode ser forçado a racionar energia já no ano que vem se as secas continuarem, disseram o BNP Paribas SA e a consultoria Thymos Energia.

“As usinas de carvão e de gás podem atender uma necessidade urgente”, disse Bernardo Bezerra, gerente da consultoria em energia PSR, com sede no Rio de Janeiro, em entrevista.

“O grande ponto de interrogação é: vale a pena contratar uma fonte cara de energia por tantos anos quando você tem disponíveis fontes mais baratas e limpas como a eólica simplesmente por causa de uma necessidade de curto prazo?”.

‘Segurança’ energética

A agência de planejamento e pesquisa energética do Brasil, conhecida como EPE, diz que vale.

“É importante para a segurança do sistema que tenhamos mais energia térmica -- foi por causa da energia térmica que evitamos o racionamento no ano passado --”, disse José Carlos de Miranda Farias, diretor de estudos de energia elétrica da EPE, em entrevista por telefone, de Brasília.

“Nós precisamos garantir o abastecimento dos consumidores brasileiros que não admitem ficar sem energia nem por meia hora."

O uso de combustíveis fósseis em um momento de necessidade ressalta as tensões enfrentadas pelas autoridades brasileiras ao ingressarem nas negociações da Organização das Nações Unidas, na semana que vem, que tem o objetivo de limitar o aquecimento global.

Enquanto os enviados de 190 países pressionam por um acordo em 2015 para limitar as emissões de combustíveis fósseis, o Brasil pode precisar aumentar as emissões para estabilizar seu mercado energético e atender uma demanda crescente.

O Brasil, maior poluidor da América Latina, deu um salto de 6,7 por cento nas emissões de carbono no ano passado, segundo dados da BP Plc.

Esse foi o incremento mais rápido do mundo depois do registrado no Catar, na Colômbia e nas Filipinas. Um porta-voz do Ministério de Minas e Energia do Brasil não estava disponível imediatamente para comentar.

Para que o mundo atenda suas metas de limitar o aquecimento global, o Brasil teria que reduzir as emissões de carbono, em média, em 0,9 por cento ao ano até 2040, estima a Agência Internacional de Energia.

As atuais políticas do governo colocam o Brasil a caminho de aumentos anuais de 1,8 por cento ao longo desse período, estima a instituição com sede em Paris.

Usinas ociosas

O Brasil reativou todas suas usinas termelétricas ociosas para compensar a escassez energética depois que a produção hidrelétrica despencou. O uso da fonte energética mais cara aumentou os preços à vista da eletricidade para níveis recordes.

Apenas geradoras de energia eólica e solar conseguiram contratos no último leilão, em 31 de outubro, como a Renova Energia SA e a Enel Brasil Participações Ltda .

A energia eólica ainda cumpre um papel importante no leilão A-5 de amanhã: a fonte renovável responde por cerca de 14 gigawatts de capacidade instalada de oferta, ou quase metade dos projetos que se qualificaram para realizar propostas.

Nos leilões de energia do Brasil, o governo estabelece um teto de preço e as geradoras realizam propostas com o preço pelo qual estão dispostas a vender energia. A oferta mais baixa ganha o contrato.

Grande mudança

A grande mudança desse leilão é que as usinas termelétricas vêm com as melhores condições.

Em um esforço para atrair mais projetos, a reguladora do setor de energia do país elevou o limite das tarifas de eletricidade térmica para R$ 209 (US$ 83,51) o megawatt-hora, contra uma proposta inicial de R$ 197.

O novo preço é mais de duas vezes o do último projeto de gás, concedido em 2011.

E diferentemente do leilão realizado no mês passado, quando foi concedido o primeiro contrato federal para usinas solares, o governo está colocando todos os projetos juntos. Isso significa que as usinas de gás e carvão competirão ombro a ombro com produtoras de energia limpa.

“A pressão já não é para limpar a matriz energética no Brasil -- nós já temos uma matriz limpa --”, disse Rafael Brandão, sócio da Rio Alto Energia, uma geradora de energia renovável, em entrevista, em São Paulo. “Essa é uma boa desculpa para sujar a matriz”.

Níveis da água

A operadora do sistema elétrico, ONS, diz que os níveis da água nas represas mais importantes do Brasil estão, em média, no patamar de 15 por cento da capacidade total, depois de quase dois meses da estação de chuvas no Brasil.

Há um ano, quando a seca estava começando, os reservatórios estavam com 41 por cento da capacidade.

O leilão de amanhã “é um teste de inteligência: será que o governo entende que essa é uma boa hora para instalar mais geração termelétrica?”, disse João Carlos de Oliveira Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, em entrevista no escritório da Bloomberg em São Paulo.

“Desde 2009 não planejamos nenhuma eletricidade térmica. O Brasil precisa de um complexo termelétrico barato e estável”.

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